terça-feira, 25 de maio de 2010

Do 8 ao 80 – as providências cautelares no contencioso administrativo


“Justifica-se uma particular cautela, da parte dos tribunais administrativos, na concessão de providências que impliquem a “intimação para abstenção de uma conduta por parte da Administração” (CPTA, art. 112.º/2 f)). Uma excessiva generosidade dos tribunais na concessão deste tipo de providência cautelar, sem a rigorosa observância do princípio da separação dos poderes, poderia, em verdade, quando generalizada, conduzir rapidamente à paralisação da Administração activa – o que não corresponde ao espírito da lei.”
Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3.ª ed., revista e actualizada, pg. 65


O regime dos “processos cautelares” em contencioso administrativo surge nos artigos 112.º e seguintes do CPTA. Procuraremos, sucintamente, levantar este problema de verdadeira revolução do paradigma quanto às providências cautelares em sede de contencioso administrativo. Se, antes, assistíamos a uma tutela reduzida a um extremo quase inconstitucional (mesmo inconstitucional supervenientemente, por omissão, desde 1997), passámos, hoje, ao extremo oposto, com a acção da Administração condicionada a um ponto tal que muitas das providências que pretendem ser provisórias acabam por ter efeitos definitivos, estando até posta em causa a separação de poderes e a liberdade da administração para exercer e decidir dentro do seu espaço na função administrativa.
Importará lembrar o contexto geral, de Processo civil, em que surge a tutela cautelar – e os requisitos muito mais estudados nessa sede. Os procedimentos cautelares surgem como composição provisória da situação controvertida para assegurar a utilidade da decisão e efectividade da tutela jurisdicional (art. 2.º/2 in fine CPC), fundamentando-se constitucionalmente na garantia do acesso ao direito e aos tribunais constante logo no art. 20.º/1 CRP.
Durante longos anos apenas recorrendo à aplicação subsidiária do regime do CPC conhecíamos as providências cautelares com um âmbito maior no contencioso administrativo. Por várias razões, entre outras, pela “cautela” maior a aplicar estas regras, não permitia, esse regime, os exageros a que hoje nos parece ser possível chegar com a cláusula do artigo 112.º CPTA.
A propósito das providências cautelares em Processo civil, defende MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[1] poderem prosseguir uma de três finalidades: a necessidade de garantir um direito, a definição de uma regulação provisória ou transitória ou a antecipação da tutela pretendida. A funcionalidade da tutela cautelar foi posta recentemente em causa por RUI PINTO[2], tanto relacionando o direito acautelando com o direito subjectivo[3] em discussão, como integrando no mérito cautelar, como elemento funcional, a “constituição de uma situação jurídica acautelante de finalidade concreta pedida pelo requerente e conteúdo fixado pelo juiz”. Assim, para além de não autonomizar finalidades (e tendemos a concordar, pelo artificialismo da separação – parece-nos prosseguirem-se sempre as três finalidades referidas, mesmo que alguma seja tendencialmente mais intensamente prosseguida), RUI PINTO deixa-nos uma pista fundamental: o autor tem que expressar a finalidade que quer prosseguir, ainda que se engane na providência a pedir, tem é que ser claro em expressar se quer garantir um direito existente ou emergente ou se quer meramente defender uma garantia. A finalidade pedida pelo autor desenhará o campo de actuação do juiz.
Encontra, ainda TEIXEIRA DE SOUSA[4], como característica das providências cautelares, serem provisórias[5] (a sua tutela é qualitativamente diferente daquela tutela conseguida com a acção principal, art. 383.º/1 CPC), pelo que é necessária a substituição dessa tutela pela decisão dessas acções principais; serem instrumentais[6], e representarem uma summaria cognitio, em nome das exigências de celeridade que as fundam, pretendendo evitar lesões ou a sua continuação, manifestando-se essa apreciação sumária logo na inexistência, para certas providências cautelares, de audição da contraparte – um desvio ao princípio do contraditório constante do art. 3.º/2 CPC, previsto em “dois níveis”: proibindo-se audição do requerido (arts. 394.º e 408.º/1 CPC) e permitindo-se que a providência seja decretada sem audição do requerido (art. 385.º/1 CPC) – mecanismos deste tipo não encontramos em contencioso administrativo (e não deveremos encontrar, pelas suas características…), devendo todos os contra-interessados serem citados nos termos do artigo 117.º CPTA.
Importa, ainda, observar os pressupostos decorrentes da diferenciação entre o objecto da providência cautelar e o da acção principal – no procedimento cautelar há que verificar os “fundamentos da necessidade da composição provisória através do decretamento da garantia, da regulação transitória ou da antecipação da tutela”[7], acrescentando-se aos factos constitutivos da situação jurídica alegada. Identifiquem-se, então, os pressupostos do periculum in mora e do fumus boni iuris. Quanto ao primeiro, importa verificar se há iminência de lesão. Quanto ao segundo, relaciona-se com a prova sumária a realizar pelo autor: a probabilidade séria do direito alegado e do receio da lesão, veja-se os arts. 384.º/1, 387.º/1, 407.º/1 (para o arresto) e 421.º/1 (para o arrolamento) CPC, bastando como grau de prova a mera justificação, mantendo-se a repartição do ónus segundo as regras gerais (342.º/1 e 2 CC).
Importará, então, distinguir as duas “providências especificadas” de garantia, não deixando de sublinhar, à partida, o regime do art. 381.º CPC, adequando as providências aos direitos a tutelar (o autor pode pedir quase “o que quiser” desde que demonstre a finalidade e a adequação[8]) que poderia, sempre, demonstrando-se mais adequado outro caminho, determinar outra via para o autor.
Parece-nos oportuno fazer este enquadramento e lembrar aquelas que são, afinal, as regras supletivamente aplicáveis, da lei de processo civil (1.º in fine do CPTA), até para referir a relação entre o direito acautelando e o direito subjectivo, estudada por RUI PINTO, a qual deve ser aprofundada em outros locais para maiores desenvolvimentos em contencioso administrativo. Os pressupostos são, já sabemos, os mesmos (atente-se na “transposição” feita pelos artigos 112.º e seguintes do CPTA).

Deste enquadramento, passe-se ao histórico. Só desde 1985 é que se parece colocar o problema mais amplo das providências cautelares, até aí apenas se admitindo a “suspensão da eficácia de actos administrativos” (76.º LPTA), seguindo-se a “intimação para um comportamento” (86.º LPTA) – este âmbito excessivamente restrito colidiria com o disposto no artigo 268.º/4 CRP (só em vigor desde 1997), impondo a tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, concretizando a necessidade da possibilidade de adopção de medidas cautelares adequadas.
FREITAS DO AMARAL e AROSO DE ALMEIDA[9], entre outros, relacionam, ainda, este aprofundamento da tutela cautelar (imposto pela revisão constitucional) com o novo destaque dado à tutela principal urgente, autonomizado no título IV do CPTA – não deixando de diferenciar os regimes (remetemos para outro espaço o aprofundamento dessa questão).
O processo cautelar em contencioso administrativo desenvolve-se, então, com os mesmos requisitos do processo cautelar civil, já desenvolvidos acima.
Com a Reforma, é concedido aos tribunais administrativos este “poder de decretar todo o tipo de providências cautelares” (na expressão de FREITAS DO AMARAL e AROSO DE ALMEIDA) – embora a doutrina já fosse reconhecendo antes o “princípio de que os tribunais administrativos já podiam, até aqui, conceder providências cautelares não especificadas, recorrendo, para o efeito, à aplicação subsidiária do CPC.
Da lógica subsidiária do CPC passámos ao actual CPTA, com providências cautelares, antecipatórias (procurando evitar/prevenir prejuízos decorrentes de atrasos na satisfação do direito ameaçado – destinadas a realizar o direito previsivelmente a reconhecer em acção principal) ou conservatórias (acautelando o efeito útil da acção principal) – o problema surge, parece-nos, quando asseguram esse “efeito útil” e a própria acção principal o perde. Poderá até acontecer acautelar-se um efeito útil que em nada é conforme ao Direito.
A legitimidade surge também espelhada da para a acção principal, e o pedido e causa de pedir deverão ter esta íntima relação com os da acção principal – continua assim a ideia de “processo acessório” que alguma doutrina vem a referir.
Refira-se, ainda, um critério que se impunha na anterior lógica e que hoje parece fundamental não esquecer - a exigibilidade de que o dano criado pela execução do acto fosse irreparável e que da providência cautelar não resultasse o prejuízo grave para o interesse público.
A abertura da cláusula do artigo 112.º/1 CPTA não pode colidir com a ideia de interesse público, fundamental em direito administrativo, material e adjectivo, e com o esquema que a melhor tradição jurídica desenvolveu para o direito civil – acreditamos que o Direito limitará, pelo menos assim, o “80”, ou o extremo.
Fará sentido remeter para o trabalho de outra colega (em http://orisocontenciosoal.blogspot.com/2010/05/as-providencias-cautelares-abrem-porta.html) para o desenvolvimento do problema do “controlo jurisdicional de mérito”, relembrando a discussão começada por ADELAIDE MENEZES LEITÃO e a posição de TIAGO ANTUNES, segundo a qual há de facto algum controlo de mérito na tutela cautelar – mais não desenvolvemos para não entrar no espaço desse tema, que a colega JOANA VICENTE tão bem abordou.
Falemos, ainda, do “triângulo das bermudas” mapeado por TIAGO ANTUNES[10], cujo primeiro “vértice” será ocupado pelo decretamento provisório das providências. O decretamento provisório da providência cautelar rege-se pelo disposto no artigo 131.º CPTA, impondo-se aqui uma tramitação própria e um regime de notificações que deve ser obedecido – este regime poderá ser motivado ou pela urgência especial ou pela necessidade de uma protecção qualificada de direitos, liberdades e garantias (como decorrência do artigo 20.º/5 CRP). A posição do autor sobre o regime deste artigo é diferente da de outra doutrina e parece-nos útil referi-la aqui: “nem os direitos, liberdades e garantias são tutelados apenas pelo art. 131.º, nem o 131.º serve exclusivamente para tutelar direitos, liberdades e garantias (…) o fundamento e a razão de ser do decretamento provisório de providências cautelares consiste, não na tutela de direitos, liberdades e garantias, mas sim na tutela de situações de urgência agravada”. Adiante, o autor segue esta avaliação da dispensa ou aligeiramento de algumas formalidades neste processo particularmente célere de adopção (ainda que provisória) de providências cautelares. Não estaremos, portanto, perante providências cautelares típicas e nominadas aplicáveis sempre que esteja em risco um direito, liberdade ou garantia, antes perante um “decretamento provisório – ou provisionalíssimo – de qualquer medida cautelar (…) desde que haja especial urgência” – colocar-se-á, então, a pergunta: a “especial urgência” servirá de fundamento até onde, na compressão da liberdade da administração e no espaço de actuação dos tribunais?
Ainda sobre o regime do artigo 121.º CPTA, encontra TIAGO ANTUNES um “terceiro vértice”, encontrando uma sobreposição de regimes – na tutela do mesmo tipo de situações – com o disposto nos artigos 109.º e seguintes do mesmo Código. O autor preocupa-se aqui com “mais uma fonte de preocupações para os particulares que carecem de tutela jurisdicional urgente e definitiva”, uma verdadeira “falta de rumo” – do outro lado, poderíamos dizer que a Administração pode “sofrer disparos por todos os lados”!
Por último, e muito sucintamente, refiram-se as características estudadas por VIEIRA DE ANDRADE[11] - a finalidade própria do processo, a plenitude da protecção (decorrente da universalidade das providências admitidas), o requisito da perigosidade, a “juridicidade material como padrão decisório” e – o que nos parece fundamental como “limite ao 80” – a “proporcionalidade na decisão de concessão”; ainda refere o autor a necessidade e adequabilidade das providências decretadas e a provisioriedade e temporalidade da decisão e do conteúdo, sublinhando-se a instrumentalidade estrutural do processo e a necessária reversibilidade da providência.
Parece-nos que o problema se coloca neste último aspecto: a reversibilidade da providência deve ou não ser assegurada, e quando colidir com a necessidade de tutela, o que prevalece?
Parece-nos que só pudemos levantar algumas pontas e que este tema carece de muito mais desenvolvimentos do que um trabalho deste tipo pode alcançar.
A celeridade do processo cautelar terá transparecido do objecto para a regulação, isto é, foi ainda mais célere a evolução do Direito processual cautelar administrativo que a do Direito processual administrativo – mais rápido se passou do 8 a um 80.
Acreditamos que ainda não se terá alcançado plenamente o “80” (usando este número como símbolo de um exagero intolerável), quer pelos princípios que se conseguem retirar da evolução civilística, quer pelas normas de direito público e pela necessidade de se acautelar o interesse público, concretizada na instrumentalidade do processo e, mais ainda, nas necessidades de proporcionalidade e adequação – juízos que devem ser feitos antes de decretar qualquer providência cautelar.
Queremos, no entanto, deixar o alerta: deve a cláusula aberta do artigo 112.º/1 CPTA ser contrabalançada por normas que impeçam o “80”, impondo-se “cautelas” na evolução e aplicação destes regimes.
Acreditamos, ainda, que o estudo desta evolução – “do 8 ao 80” – poderá ser também útil como padrão para olhar para o contencioso administrativo na sua globalidade, podendo haver mais aspectos que levem todo o Contencioso a colocar em risco a separação de poderes e a liberdade (necessária!) de actuação da Administração, em outros “80s” que importa, certamente, acautelar.

Miguel da Câmara Machado
Aluno n.º 16791 – ST 10



Bibliografia
- Almeida, Mário Aroso de – “Medidas cautelares no ordenamento contencioso” in Direito e Justiça, vol. IX, 1997, tomo 2, pp.154 ss.
- Amaral, Diogo Freitas do – “As providências cautelares no novo contencioso administrativo” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, pp. 4 ss.
- Amaral, Diogo Freitas do; Mário Aroso de Almeida – Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3.ª ed., revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2007
- Andrade, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa (lições), 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, pp.333 ss.
- Antunes, Tiago – “O «triângulo das bermudas» no novo Contencioso administrativo”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento, vol. II, edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, Lisboa, 2006, pp. 711 e ss.
- Pinto, Rui – A questão de mérito na tutela cautelar, tese, Lisboa, 2007.
- Sousa, Miguel Teixeira de – Estudos sobre o novo Processo Civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, pp. 226 ss.
- Vicente, Joana – As providências cautelares abrem a porta a controlo jurisdicional de mérito? in http://orisocontenciosoal.blogspot.com/


[1] Sousa, Miguel Teixeira de – Estudos sobre o novo Processo Civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, pp. 226 ss.
[2] Pinto, Rui – A questão de mérito na tutela cautelar, tese, Lisboa, 2007.
[3] Pinto, Rui – A questão de mérito …, pg. 434
[4] Sousa, Miguel Teixeira de – Estudos sobre …, pg. 228
[5] Apresentando a tutela cautelar como permanente, mas não definitiva e como modo de composição de litígios: Pinto, Rui – A questão de mérito …, pp. 301 ss.
[6] Contra esta característica como intrínseca da tutela cautelar, veja-se, novamente, Pinto, Rui – A questão de mérito… pp. 300 ss.
[7] Sousa, Miguel Teixeira de – Estudos sobre …, pg. 232
[8] Não esquecemos a subsidiariedade das providências não especificadas perante as especificadas.
[9] Amaral, Diogo Freitas do; Mário Aroso de Almeida – Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3.ª ed., revista e actualizada, pp. 98 ss.
[10] Antunes, Tiago – “O «triângulo das bermudas» no novo Contencioso administrativo”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento, vol. II, edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, Lisboa, 2006, pp. 711 e ss.
[11] Andrade, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa (lições), 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, pp.333 ss.

O Processo Urgente de Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

O artigo 36º/1, d) do CPTA vem admitir como meio processual urgente a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. O regime da sua tramitação encontra-se nos artigos 109º a 111º do CPTA.
A sua justificação encontra-se na importância das posições subjectivas em causa e do seu exercer depender, cada vez mais, de actuações da Administração, positivas ou negativas. Limita-se, apesar de tudo, às situações em que esses direitos, liberdades e garantias e o seu exercício estejam efectivamente em causa já não só pessoais, como referido no artigo 20º/5 da CRP mas numa clara opção legislativa de alargamento a todos os direitos liberdades e garantias do Titulo II da Parte I da CRP, mesmo os de 3ª ou 4ª geração como o direito ao ambiente. Da mesma forma considera-se legítima a sua extensão aos direitos de natureza análoga, que seguem o mesmo regime, nomeadamente direitos políticos. Foram demonstradas algumas preocupações com um tal alargamento, que banalizaria este tipo de processo. Estas devem, no entanto, ser afastadas dado o carácter excepcional deste meio processual.
Tal como em todos os restantes processos urgentes é necessário demonstrar, para que se possa recorrer a este meio, a urgência de uma decisão de mérito que evite a lesão o inutilização do direito em questão. Exige-se ainda que essa lesão não possa ser evitada através do decretamento de uma providência cautelar (artigo 109º/1 do CPTA). Cumprirá então ver se o direito que se pretende proteger se enquadra no âmbito de aplicação da norma em causa.
Porquanto nos restantes processos urgentes a urgência é ficcionada, neste em particular é necessária a demonstração de uma urgência concreta.
Havendo erro na forma de processo, a convolação deste meio processual em providência cautelar tem limitações, nomeadamente com a eventual impossibilidade de aproveitar os actos praticados incluindo o requerimento inicial. Por outro lado, não se manifestando o Autor poderá haver lugar a absolvição da instância já que o processo cautelar, ao contrário da intimação, não se encontra isento de custas obrigando ainda a intentar uma acção principal.
Tratemos agora da legitimidade. Terão legitimidade activa os titulares dos direitos, liberdades e garantias que se visam tutelar sendo ainda admissível a acção popular (cada vez mais relevante por força da crescente importância dada ao ambiente). Quanto à legitimidade passiva pertencerá à pessoa colectiva ou Ministério devendo identificar-se ainda a autoridade competente por razões de celeridade processual. Nos termos do 109º/2 pode ainda a intimação ser dirigida contra particulares, nomeadamente concessionários.
Relativamente à sua tramitação vem regulada no artigo 110º e 111º do CPTA, podendo ser-lhe dada um andamento mais rápido ou mais lento tendo em conta as especiais circunstâncias do caso. Mário Aroso de Almeida distingue aqui os modelos de acordo com o seu andamento:
  1. Modelo normal. É o modelo geral para este tipo de processos. Após a apresentação do requerimento o juiz ordena a notificação do requerido para responder no prazo de 7 dias (art. 110º/1 do CPTA) após os quais, e concluídas as necessárias diligências, caberá ao juiz decidir no prazo de 5 dias (110º/2 do CPTA).
  2. Modelo mais lento do que o normal. Apesar de se encontrar numa situação de urgência que determine que se recorra a esta forma de processo, a sua complexidade justifica que tenha um tratamento mais exigente. Neste caso o processo deverá seguir a tramitação prevista para a acção administrativa especial (regime constante dos artigos 78º e seguintes do CPTA) com os prazos reduzidos para metade (art. 110º/3 do CPTA).
  3. Modelo mais rápido do que o normal. Se razões de especial urgência o determinarem o processo seguirá a mesma forma que o modelo normal com redução do prazo previsto no 110º/1 do CPTA (artigo 111º/1 do CPTA).
  4. Modelo ultra-rápido. Limita-se a situações de extrema urgência e pode apenas resumir-se´à realização de uma audiência oral após a qual o juiz decide por imediato (art. 111º/1 do CPTA), ou pode o requerido ser ouvido por qualquer meio de comunicação (p.e. telefone) que se revele adequado (111º/2).

Relativemente à decisão de deferimento pode ser de dois tipos, ainda seguindo mesmo autor:

  • A sentença pode ser substitutiva, quando a pretensão se dirija à prática de um acto administrativo estritamente vinculado, e produz os efeitos do acto devido (109º/3 do CPTA). Trata-se de uma intromissão judicial no exercício da função administrativa. Esta é, no entanto, puramente formal, já que se encontra limitada a actos em relação aos quais a Administração não tem poderes próprios de valoração e decisão. Normalmente a produção deste tipo de efeitos deveria ser obtida no âmbito de um processo executivo, mas, se assim fosse poder-se-ia estar a pôr em risco o direito em causa dado o carácter o urgente do processo. A solução justifica-se assim com carácter urgente das situações em causa e do efeito útil da tutela jurisdicional.
  • Não se tratando do caso acima descrito o juiz, na decisão, determina o comportamento concreto a que destinatário é intimado, o prazo (art. 110º/4) e, sendo caso disso o próprio órgão responsável pelo cumprimento. Pode ainda impôr, desde logo, uma sanção pecuniária compulsória (art. 110º/5 CPTA).

A estas decisões aplicam-se ainda as regras gerais de execução de sentenças condenatórias não sendo, no entanto, admissível a invocação de causa legítima de inexecução, ou seja de impossibilidade ou de grave lesão para o interesse público decorrente do cumprimento da sentença.

Dos Processos Urgentes

É um imperativo constitucional, desde a introdução em 1997 do artigo 20º/5 na Constituição que a todo o direito corresponda uma tutela adequada junto dos tribunais administrativos. Para que haja uma efectiva tutela é necessária a consagração de diversos meios para as diferentes necessidades de cada direito concretamente considerado. Uma das soluções encontradas no CPTa são os chamados processos urgentes. A sua razão de ser é a de que determinadas questões, em função das suas circunstâncias, devem obter uma "resolução definitiva pela via judicial num tempo curto" (Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa). Tratam-se de questões carentes de uma decisão de mérito num espaço temporal reduzido para que sejam efectivamente tuteladas. Essa carência de uma decisão de mérito célere determina a inaptidão das providências cautelares para este tipo de questões. São processos autónomos, uma vez que são processos principais e não dependem de uma posterior confirmação, o que lhes retira o carácter provisório das providências cautelares. Esta tramitação mais acelarada comporta um factor de risco já que a questão não vem a ser tratada com as normais exigências da acção comum ou da acção especial sendo a sua cognição mais apressada. Será, contudo, preferível uma decisão baseada no processo menos exigente que a ausência de tutela em tempo útil. São, assim, dois os aspectos subjacentes a todos os processos urgentes:
  • Necessidade de emissão urgente de uma decisão (que precede a indispensabilidade de uma decisão de mérito). Não se verificando esta dever-se-á recorrer a uma acção administrativa comum ou especial, porventura com o requerimento para o decretamento de uma providência cautelar.
  • Carência de uma decisão de mérito (urgente) que determine a insuficiência do decretamento de uma providência cautelar.

O processo urgente será ainda o meio apropriado quando, sendo suficiente a tutela cautelar, tal decisão se revele, em termos estruturais, uma verdadeira decisão de mérito, consumindo o objecto do processo principal.

Por exemplo:

Foi já decidido que não poderia ser decretada uma providência cautelar, ainda que a titulo provisório já que, sendo o pedido o da concessão de autorização da entrada e atracagem do navio em causa num porto português, a mesma nunca poderia ser concedida como medida cautelar, uma vez que com ela obteriam desde logo os autores o deferimento da sua pretensão principal.

O artigo 36º do CPTA vem permitir esta tramitação urgente a quatro tipos de questões. São elas:

  1. Impugnações relativas a eleições administrativas.
  2. Impugnações relativas à formação de determinados contratos.
  3. Intimações para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões.
  4. Intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias.

As impugnações urgentes são processos especiais de impugnação de actos administrativos pelo que lhes será aplicável, com as devidas adaptações, o regime dos processos não-urgentes, por remissão expressa dos artigos 97º/1, 99º/1, 100º/1 e 102º/1 do CPTA. O modelo da tramitação a seguir é o da acção administrativa especial, com as especialidades previstas e prazos mais apertados para cada tipo de processo.

Cabe mencionar que esta enumeração legal não é exaustiva, não implica o estabelecimento de um numeru clausus que determine que apenas estes podem seguir a tramitação dos processos urgentes. è o que decorre do próprio artigo "salvo os casos previstos na lei...". Com efeito, a lei chega mesmo a prever que sigam a mesma tramitação outro tipo de processos - é o caso dos processos-modelo previstos no artigo 48º/4 do CPTA e da antecipação da decisão de fundo no processo cautelar prevista no artigo 121º do CPTA. O legislador veio, neste artigo, apenas enumerar os mais relevantes processos urgentes. Nos casos previstos a urgência decorre mesmo daquelas categorias de actos impugnados.

A consagração dos processos urgentes, ainda que tardia, veio garantir uma efectiva tutela a várias situações. No entanto a passagem de nenhuma tutela para uma tutela que se pretende plena poderá dar origem a uma fuga para os processos urgentes no objectivo de obtenção de tutela mais rápida. É premente lembrar que se tratam de meios excepcionais e que não são o remédio que irá "desentupir" os tribunais (se tudo é urgente, nada é urgente). Este tipo de tutela não pode ser um meio ao qual se recorre para contornar a morosidade dos processos em tribunal, mas tão somente quando haja um motivo excepcional justificativo.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Rportagem Fotográfica sub10



Colectivo e Juí zes...uhh, coisa importante!!!

Uma das testemunhas....

domingo, 23 de maio de 2010

Observatório da Realidade - Novas regras de antecipação da reforma despoletam pedidos de aposentação

As novas regras de antecipação da reforma contribuíram para os cerca de 20 mil pedidos de aposentação feitos desde Janeiro. O secretário de Estado da Administração Pública, Gonçalo Castilho dos Santos, explicou que, para compensar, o Governo vai acelerar a contratação de funcionário públicos.

O número de pedidos de reforma na Função Pública disparou nos primeiros quatro meses do ano, com cerca de 20 mil solicitações, o que se ficou a dever às alterações das regras de antecipação das aposentações, reconheceu o Governo.

Esta quinta-feira, o secretário de Estado da Administração Pública afirmou que em comparação com igual período de 2009, nos primeiros quatro meses deste ano o número de funcionários públicos a pedir reforma disparou.

Em causa está "a opção política de aceleração da convergência das regras do privado", à qual um grupo de trabalhadores reagiu e decidiu assim que "deviam pedir antecipadamente a sua reforma".

Os cerca de 20 mil pedidos de reforma não dizem todos respeito a pedidos de aposentação antecipada, no entanto, o elevado número de solicitação fica a dever-se exactamente à reforma antecipada.

O Governo deverá redefinir "um pouco a programação que tinham antecipado para o ano", devido à concentração significativa de pedidos de desemprego nos primeiros quatro meses do ano. Gonçalo Castilho dos Santos sublinhou, no entanto, que "não há preocupação de ruptura dos serviços como algumas forças sindicais e políticas gostam de indicar".

O Governo deverá acelerar a contratação de funcionários públicos para compensar os 20 mil pedidos de aposentação, quase tantos quanto a totalidade de solicitações feitas em 2009.

Dora félix
subturma 10

Regulamentos Administrativos

São as normas jurídicas emanadas por uma autoridade administrativa no exercício do poder administrativo.
Esta noção compreende três elementos essenciais, material, orgânico e formal.
Do ponto de vista material, o regulamento administrativo consiste em normas jurídicas. Mas não é um mero preceito administrativo; trata-se de uma verdadeira regra de direito que pode ser imposta mediante coacção e cuja violação leva, em geral, à aplicação de sanções de natureza penal, administrativa ou disciplinar. Confrontando-se lei e regulamento, à lei caberia a formulação dos princípios, ao regulamento a disciplina dos pormenores.
Do ponto de vista orgânico, o regulamento emana de uma autoridade administrativa, isto é, de um órgão da Administração Pública.
Como elemento funcional, cumpre referir que o regulamento é criado no exercício do poder administrativo.
Assim, a verdadeira distinção entre lei e regulamento só se poderia fazer atendendo ao critério orgânico e ao critério funcional, atendendo à diferente posição hierárquica dos órgãos de onde emanam e, consequentemente, do diferente valor formal. Ao regulamento falta ainda a caracteristica da novidade, típica da lei.
A actividade regulamentar é uma actividade subordinada e condicionada face à actividade legislativa, essa livre, primária e independente.
Enquanto norma secundária que é, o regulamento administrativo encontra na lei o seu fundamento e parâmetro de validade.
Por maioria de razão, é óbvio que o regulamento administrativo deve estrita obediência à Constituição, enquanto lei fundamental do Estado.
Contrariando uma lei, o regulamento padece do vício d ilegalidade; e se entrar em relação directa com a Constituição, violando-a em qualquer dos seus preceitos, padecerá de inconstitucionalidade. A lei só pode ser impugnada contenciosamente junto do Tribunal Constitucional e com fundamento em inconstitucionalidade; o regulamento ilegal é impugnável junto dos Tribunais Administrativos e com fundamento em ilegalidade propriamente dita. Excepcionalmente, o regulamento poderá ser impugnado como norma inconstitucional perante o Tribunal Constitucional.
No que respeita à distinção entre Regulamento e Acto Administrativo há que referir que, ambos são comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão da Administração no exercício de um poder público de autoridade, no entanto, o regulamento, como norma jurídica que é, é uma regra geral e abstracta, ao passo que o acto administrativo, como acto jurídico é uma decisão individual e concreta.
Relativamente à matéria da impugnação contenciosa, para além de os regulamentos ilegais poderem como tal ser declarados fora dos Tribunais Administrativos, ao contrário do que sucede com o acto administrativo, os termos da impugnação contenciosa de regulamentos e de actos administrativos são diferentes.

Espécies de Regulamentos ( de acordo com quatro critérios)

Dependência dos regulamentos administrativos face à lei: tendo que distinguir duas espécies principais:
a) Os regulamentos complementares ou de execução, são aqueles que desenvolvem ou aprofundam a lei. Com freqência operam como condição de exequibilidade das normas legais que regulamentam. Podem ser espontâneos, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização, todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. E podem ser devidos, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo (são tipicamente, regulamentos “secundum legem”).
• E os regulamentos independentes ou autónomos, são elaborados no exercício da competência de órgãos administrativos, para assegurar a realização das suas atribuições específicas, sem desenvolver nenhuma lei em especial. São expressão de autonomia com que a lei quis distinguir certas entidades públicas, confiando na sua capacidade de autodeterminação e no melhor conhecimento de que normalmente desfrutam acerca das realidades com que têm de lidar.
b) Quanto ao objecto, há a referir fundamentalmente os regulamentos de organização, são aqueles que procedem à distribuição das funções pelos vários departamentos e unidades do serviço público, bem como à repartição de tarefas pelos diversos agentes que aí trabalham; os regulamentos de funcionamento, tantas vezes misturados num mesmo diploma com os anteriores, são aqueles que disciplina a vida quotidiana dos serviços públicos. Os regulamentos que procedem em particular à fixação das regras de expediente denominam-se regulamentos processuais; e os regulamentos de polícia, são aqueles que impõe limitações à liberdade individual com vista a evitar a produção de danos sociais.
c) Quanto ao âmbito de aplicação, podem ser gerais, aqueles que se destinam a vigorar em todo o território ou, pelo menos em todo o território continental; regulamentos locais são aqueles que têm o seu domínio de aplicação limitado a uma dada circunscrição territorial; finalmente os regulamentos institucionais, os que emanam dos institutos públicos e associações públicas, para terem aplicação apenas às pessoas que se encontrem sob a sua jurisdição.
d) Quanto à projecção da sua eficácia, dividem-se em regulamentos internos, são os que produzem os seus efeitos jurídicos unicamente no interior da esfera jurídica da pessoa colectiva pública cujos órgãos os elaborem; e são regulamentos externos, aqueles que produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos de direitos diferentes, isto é, em relação a outras pessoas colectivas públicas ou em relação a particulares.

Limites do Poder Regulamentar
São limitesdo poder regulamentar:
a) Os Princípios Gerais de Direito;
b) A Constituição;
c) Princípios Gerais do Direito Administrativo;
d) A lei;
e) Reserva de competência legislativa da Assembleia da República (arts. 164º e 165º CRP) nas matérias que integram esta o Governo somente pode aprovar regulamentos de execução;
f) Disciplina jurídica constante dos regulamentos editados por órgãos que hierarquicamente se situem num plano superior ao do órgão que editou o regulamento considerado (art. 241º CRP);
g) Não podem ter eficácia retroactiva. A esta limitação podem escapar os regulamentos aos quais a lei haja concedido à Administração a faculdade de dispor retroactivamente.
h) O poder regulamentar está sujeito a limites de competência e de forma. Sendo a lei que determina a competência dos órgãos, é evidente que sofrerá de incompetência um regulamento editado por um órgão que não disponha de poderes para tal.


Modo de produção dos Regulamentos

Os arts. 114º a 119º do CPA, introduziram no nosso ordenamento jurídico-administrativo normas relativas à elaboração de regulamentos. No essencial, tais normas estabelecem:
a) Faculdade de iniciativa procedimental dos interessados na regulamentação de certa matéria, exercitável mediante pedido fundamentado dirigido ao órgão competente (arts. 115º e 116º CPA);
b) O direito de participação procedimental dos interessados na elaboração dos projectos de regulamento (art. 117º CPA);
c) A apreciação pública dos projectos de regulamento (art. 118º CPA).

Competência e Forma
a) Regulamentos do Governo:
- Decreto regulamentar, forma obrigatória dos regulamentos independentes, art. 112º/6 CRP;
- Resolução do Conselho de Ministros, estas resoluções podem ter ou não natureza regulamentar;
- Portaria, não tendo também, necessariamente, natureza regulamentar, as portarias, quando a possuem são regulamentos da autoria de um ou mais Ministros, em nome do Governo;
- Despacho normativo, regulamento editado por um ou mais Ministros em nome próprio;
- Despacho simples, deveria sempre constituir a forma de um acto administrativo, contudo, por vezes estes despachos apresentam natureza regulamentar.
b) Regiões Autónomas:
- Se se trata de regulamentar uma lei da República (art. 112º/4 CRP), a competência pertence à Assembleia Legislativa Regional e a forma é a de decreto regional (arts. 232º/1 e 27º/1-d segunda parte, CRP);
- Se a regulamentação tem por objecto um decreto legislativo regional, a competência pertence ao Governo Regional, sob a forma de decreto regulamentar regional.
c) Autarquias Locais (art. 241º CRP):
- Assembleia de Freguesia, pode aprovar regulamentos sob proposta da junta de freguesia (arts. 15º/1-q, e 27º/1-s LAL);
- Junta de Freguesia, tem competência para aprovar regulamentos de funcionamento (art. 27º/1-p LAL)
- Assembleia Municipal, pode aprovar regulamentos, sob proposta da Câmara Municipal (arts. 39º/2-a, e 51º/3-a), d), e), h) LAL).
- Câmara Municipal, tem competência para aprovar, designadamente em matéria de águas públicas sob jurisdição municipal, de trânsito e estacionamento na via publica e ainda de deambulação de animais nocivos (art. 51º/3-a), d), e), h) LAL).
d) Governadores Civis:
Dispõem de competência para editar regulamentos de polícia [art. 4º/3-c, DL n.º 252/92 de 19 de Novembro].
e) Institutos Públicos e Associações Públicas:
Podem dispor de competência regulamentar, nos termos das respectivas leis orgânicas e estatutos.

Vigência dos Regulamentos

Os regulamentos publicados no “Diário da República” entram em vigor nos termos das leis e podem cessar a sua vigência por caducidade, pela revogação (art. 119º/1 CPA) ou ainda pela anulação contenciosa ou pela declaração da sua ilegalidade.
1. Caducidade: são casos de em que o regulamento caduca, isto é, cessa automaticamente a sua vigência, por ocorrerem determinados factos que ope legis produzem esse efeitos jurídico. Os principais casos de caducidade são:
a) Se o regulamento for feito para vigorar durante certo período, decorrido esse período o regulamento caduca;
b) O regulamento caduca se forem transferidas as atribuições de pessoa colectiva para outra autoridade administrativa, ou se cessar a competência regulamentar do órgão que fez o regulamento;
c) O regulamento caduca se for revogada a lei que ele veio executar, caso esta não seja substituída por outra.
2. Revogação: o regulamento também deixa de vigorar noutro tipo de casos, em que um acto voluntário dos poderes públicos impõe a cessação dos efeitos do regulamento. São eles:
a) Revogação, expressa ou tácita, operada por outro regulamento, de grau hierárquico e forma idênticos;
b) Revogação, expressa ou tácita, por regulamento de autoridade hierarquicamente superior de autoridade ou de forma legal mais solene;
c) Revogação, expressa ou tácita, por lei.
3. Anulação contenciosa: os regulamentos deixam de vigorar, total ou parcialmente, sempre que um Tribunal competente declare, no todo ou em parte.


A IMPUGNAÇÃO DOS REGULAMENTOS ILEGAIS


O Problema da Impugnação Contenciosa dos Regulamentos Ilegais
A Administração elabora constantemente numerosos regulamentos. Alguns deles feridos de ilegailidade, porque violam a lei que visam executar ou que define a competência para a sua emissão.
Há basicamente três sistemas conhecidos:
a) O primeiro é o sistema da não impuganibilidade dos regulamentos: Foi o sistema que vigorou durante muito tempo, quando não existia ainda o Estado de Direito: se o poder executivo decretava regulamentos ilegais, os particulares não podiam fazer outra coisa senão cumpri-los.
b) O segundo sistema é o da impugnação directa: segundo o qual os regulamentos ilegais são directamente impugnáveis perante o contencioso administrativo, tal como se de actos administrativos se tratasse. É um sistema que é positivo do ponto de vista do Estado de Direito, mas que tem o inconveniente de levar a uma grande sobrecarga de trabalho no Tribunais Administrativos, podendo causar grave embaraço à eficiência da acção administrativa.
c) Concebeu-se um terceiro sistema: neste, não se admite o recurso directo do regulamento para o Tribunal Administrativo: os regulamentos ilegais não são impugnáveis directamente perante o Tribunal. Mas, quando chegar o momento de um regulamento ilegal ser aplicado a um caso concreto por intermédio de um acto administrativo, então permite-se ao particular prejudicado com essa aplicação recorrer do acto administrativo que aplicou o regulamento, invocando como fundamento desses recurso a ilegalidade do regulamento. Neste Tribunal, se considerar que o regulamento é ilegal, não anula o regulamento, apenas não o aplica; e anula o acto administrativo, na medida em que aplicou um regulamento ilegal.
Solução Actual no Direito Português
A lei começa por fazer uma distinção entre regulamentos exequíveis por si mesmo, e regulamentos só exequíveis através de um acto concreto de aplicação (acto administrativo ou acto jurisdicional).
Quanto aos regulamentos exequíveis por si mesmos, ou seja, quanto àqueles regulamentos que podem ofender os direitos ou os interesses dos particulares só pelo simples facto de entrarem em vigor, permite-se a impugnação directa.
Quanto aos outros, aqueles que só ofendem os particulares quando aplicados por acto concreto, consagra-se o sistema da não aplicação, mas acrescentando um elemento muito importante: se qualquer Tribunal, em três casos concretos, considerar ilegal um regulamento, a partir daí o regulamento pode ser impugnado directamente junto do Tribunal Administrativo.
O sistema actual assenta numa dupla distinção:
- Entre regulamentos directamente exequíveis e regulamentos não directamente exequíveis, por um lado;
- Entre dois meios processuais, o recurso dos regulamentos e a declaração de ilegalidade de normas regulamentares, por outro.
Com base nesta distinção, o legislador regulou duas formas de impugnação de regulamentos: o recurso e o pedido de declaração de ilegalidade.

Pressupostos Processuais
Somente os Tribunais Administrativos de Círculo têm competência (art. 51º/1-e ETAF). Mas a declaração de ilegalidade tanto pode ser feita pelos Tribunais Administrativos de Círculo (art. 51º/1-e ETAF), como pelo Tribunal Central Administrativo (art. 40º-c ETAF).
Para haver recorribilidade do regulamento, também aqui são exigíveis, mutatis mutandis, os requisitos que se viu sobre a recorribilidade dos actos administrativos: para se impugnar contenciosamente um regulamento é necessário que ele seja proveniente de um acto externo, definitivo e executório.
Qualquer particular pode impugnar regulamentos quando “seja prejudicado pela aplicação da norma ou venha a sê-lo, previsivelmente, em momento próximo” (arts. 63º e 66º/1 LPTA). Não existe aqui, pois, o requisito do interesse directo ou actual: o interesse pode ser reportado a uma lesão futura, desde que previsível e próxima.
O Ministério Público também pode impugnar qualquer regulamento ilegal (art. 63º LPTA). Quando tenha conhecimento de três decisões de quaisquer Tribunais, transitado em julgado, que recusem a aplicação de um norma regulamentar com fundamento na sua ilegalidade, o Ministério Público impugnará obrigatoriamente esse regulamento junto do Tribunal competente (art. 66º/1 LPTA).
A impugnação de regulamentos ilegais pode ser feita “a todo o tempo”, ou seja, independentemente do prazo (art. 63º LPTA).
Não se pense, todavia, que isto equivale a considerar todo o regulamento ilegal como ferido de nulidade. Embora possa haver regulamentos nulos, a regra geral é a da anulabilidade, embora com um regime jurídico diferente do da anulabilidade dos actos administrativos.
O pedido de declaração da ilegalidade de normas regulamentares não directamente exequíveis está ainda sujeito a um pressuposto processual específico: a prévia ocorrência de três decisões judiciais de não aplicação concreta de norma regulamentar (art. 40º-c e 51º/1-e ETAF).

Marcha do Processo
A LPTA organizou dois tipos de processos para a impugnação de regulamentos:
a) Os recursos
b) Os pedidos de declaração de ilegalidade.
Os recursos estão regulados nos arts. 63º a 65º LPTA, e os pedidos de declaração de ilegalidade nos arts. 66º a 68º LPTA.
Os recursos seguem os termos dos recursos dos actos administrativos de órgãos da administração local (art. 64º/1 LPTA); e os pedidos de declaração de ilegalidade de normas regulamentares não directamente exequíveis, seguem a mesma tramitação que seria aplicável a mesma tramitação dos recursos (art. 24º-a 64º/1 68º LPTA); de normas regulamentares não directamente exequíveis – a forma de tramitação que seria aplicável se estivesse em causa o recurso de um acto administrativo praticado pelo autor da norma regulamentar (arts. 24º e 67º LPTA).
Especialidades do art. 64º LPTA:
- Eventual dispensa da citação do autor da norma;
- Publicidade;
- Apensação dos processos relativos à mesma norma.

Efeitos da Decisão de Provimento
Se o regulamento ilegal for objecto de um recurso e este obtiver decisão de provimento, o regulamento é anulado ou declarado nulo ou inexistente, conforme o tipo de invalidade que o afectasse. Mas em caso de anulação, esta não tem efeitos retroactivos: ao contrário do que sucede com a anulação contenciosa dos actos administrativos, a anulação de um regulamento ilegal só produz os seus efeitos para o futuro, respeitando (sem os destruir) os efeitos produzidos no passado.
Se o regulamento for objecto de um pedido de declaração de ilegalidade, a decisão de provimento declara, com força obrigatória geral, a ilegalidade da norma, mas também não tem, por via de regra, eficácia retroactiva (art. 11º/1 ETAF), a menos que o Tribunal, por razões de equidade ou de interesse público de excepcional relevo, resolva, em decisão “especificamente fundamentada”, conferir eficácia retroactiva à sentença (art. 11º/3 ETAF).
Impugnação de Regulamentos da Competência do Tribunal Constitucional
Em regra, os regulamentos administrativos ilegais são impugnados perante os Tribunais Administrativos. Todavia, há três casos especiais em que a impugnação da legalidade de regulamentos administrativos é feita perante o Tribunal Constitucional. Como resulta do art. 281º CRP, tais casos são os seguintes:
a) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região ou de lei geral da República (n.º 1-c);
b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto (n.º 1-d).
c) O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos (n.º 3).


Dora Félix
15871
sub.10

Sentença da Simulação ST 11

(publicação da sentença enviada por email:)




Processo n.º 44/10
Acção Administrativa Especial
Autores: António Atento, e Luís Sindicalista, representados judicialmente pela Dr.ª Angela Chaves e pela Dr.ª Carlota Pratas, ambas advogadas e sócias da sociedade de advogados ACCP e Associados, com sede na Rua Dos MuitoTrabalhadores, n.º 100, Lisboa
Entidade Demandada: Instituto Público do Emprego e da Formação Profissional (IEFP)
Contra-interessados: João Sempre Disponível, NIF 123456777, solteiro, com residência profissional na Rua do Bilhar Grande nº 55, 12º Esq., Lisboa
Conclusão em 2010-05-23

Decisão:
I - Relatório
António Atento, doravante A, portador do Bilhete de Identidade/Cartão do Cidadão N.º 17652855, emitido em 11/05/2009 válido até 09/06/2015, pelos Serviços de Identificação Civil de Lisboa, Contribuinte Fiscal N.º 123456789, casado, residente na Rua da Prata nº 45, 3º Esq., código postal nº 1300-133, Lisboa; e Luís Sindicalista, divorciado, portador do Bilhete de Identidade/Cartão do Cidadão N.º 18765433, emitido em 10/02/2010 válido até 09/02/2015, pelos Serviços de Identificação Civil de Lisboa, Contribuinte Fiscal N.º 123456733, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, doravante L, residente na Av. Roma nº 88, 10º Dto. em Lisboa vieram intentar acção administrativa especial contra o Instituto Público do Emprego e da Formação Profissional (IEFP), ao abrigo dos artigos 51º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA) e 66º CPTA visando:
- a declaração de nulidade da renovação da substituição, através do despacho datado de dia 14/04/2010, proferido pelo Senhor Director do IEFP, pelo qual foi nomeado Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados J;
- a condenação da Administração Pública, designadamente do júri do concurso, a concluir o concurso público para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados, adoptando os actos necessários, nomeadamente a elaboração de uma lista de classificação final, na qual, apurado que seja, previamente, o mérito relativo dos candidatos, com base nos critérios estabelecidos na Ordem de Serviço n.º 43, de 22/03/2010 do IEFP, pela qual foi tornado público o Aviso de abertura de concurso público para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados.

1 – Em petição inicial, vieram os autores fundamentar os seus pedidos enunciando os factos abaixo referidos (no capítulo relativo à matéria de facto assente), criticando a decisão de adiar o concurso – contestando o argumento supostamente invocado no despacho de adiamento de inexistência de candidatos (facto não dado como provado, e o qual foi contestado pela Entidade Demandada nos artigos 18.º, 19.º e 20.º da contestação) e o argumento de “insuficiência de pessoal” do IEFP, não o aceitando como impedimento à realização dos concursos públicos dentro do prazo legal – pelo que o autor vem afirmar que cessou “o procedimento concursal, aparentemente sem motivo justificativo.”
Contestam ainda os autores a nomeação de J para o cargo de Director, em regime de substituição – “Trata-se da segunda nomeação consecutiva de J para o cargo em causa, sem que entretanto tenha sido concluído o concurso público em que A apresentou candidatura” (12.º PI); não é contestada a primeira nomeação a 10/02/2010, também em regime de substituição, com fundamento na demissão inesperada de Carlos Sortudo, então Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados (cf. artigo 27.º/1 da Lei 51/2005).
Pediam, então, os autores que devesse a presente acção proceder:“a) sendo declarada a nulidade da renovação da substituição; eb) concluído o concurso público para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados” (27.º PI)”.

2 – Citada regularmente, em contestação, veio a Entidade Demandada alegar, também sintetizando:
- a falta de legitimidade activa de L e a falta de interesse em agir de A – não haveria legitimidade por não poder o Presidente do Sindicato fazer uma “defesa individual de interesses individuais” afastada, segundo a Entidade Demandada, pela norma do artigo 4º/3 do DL 84/99, mesmo apesar do disposto no artigo 55º do CPTA que confere legitimidade ao Sindicato de Trabalhadores da Função Pública quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender, visto tratar-se de um “um acto de natureza individual, dirigido a um único trabalhador, sendo certo que a procedência da acção só a este lhe poderá trazer benefícios que sejam consequência directa do ganho da causa e não ao sindicato”; e não aceitam haver interesse de A nestes termos: “o interesse directo do benefício fica por demonstrar, tal como a lesão desse interesse uma vez que o concurso apenas se encontra suspenso, ainda não terminou.”
- a falta de requisitos de forma exigida pelo CPTA [não desenvolveremos este ponto, pelas razões acordadas na abertura da simulação do julgamento – também os representantes da Entidade Demandada não preencheram os requisitos exigidos para a contestação e, sendo uma simulação, afastamos estes problemas, aceitando a prova, o arrolamento de testemunhas e os articulados como se todos estes requisitos tivessem sido cumpridos].
- a falsidade da invocação do argumento “inexistência de candidatos ao lugar”, aceitando que outros candidatos tivessem apresentado candidatura
- a confusão entre adiamento e cessação do concurso – procurando distinguir as duas figuras – e fundamentando novamente a decisão de adiamento em “insuficiência de pessoal”, descrevendo a conjuntura e a situação.
- a legitimidade da “continuidade da substituição até ao termo do procedimento em curso”, na medida em que esta “continuidade de João Sempre Disponível como Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados tem carácter transitório e vem assegurar a eficiência dos serviços, até ao final da realização do concurso. O facto de ocorrer uma segunda nomeação no dia 14/04/2010 não é mais do que uma prorrogação do prazo, materialmente falando, da primeira nomeação. Não se visa, com esta segunda nomeação, contornar as finalidades do regime legal. Mas tão só, assegurar a efectividade do serviço”.
Assim, pedia a Entidade Demandada a improcedência da acção.

3 – O Ministério Público (MP) foi notificado nos autos, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 85.º do CPTA, apresentando parecer, pronunciando-se como se segue, em síntese. Considerando estar perante “uma pretensão de impugnação de um acto administrativo da segunda nomeação consecutiva de J para o cargo de Director, em regime de substituição, do Centro de Emprego do Município de Desempregados. A necessidade do acto decorreu dum adiantamento do concurso público que visava o preenchimento do cargo que J veio a ocupar.” Entre outros, procurou o Ministério Público averiguar se haveria:
a) Violação da norma do artigo 27.º, nº3 da Lei nº 51/2005 de 30 de Agosto;
b) Irrelevância jurídica do acto de nomeação;
c) Ilegalidade do acto de emissão de uma Ordem de Serviço nº47 de 12/04/2010 do IEFP, adiando o concurso público
d) Violação dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, bem como o da boa-fé, prossecução do interesse público, tutela da confiança nos actos administrativos e, consequentemente, a violação dos princípios gerais de ética, constante da Lei nº 51/2005 de 30 de Agosto.
e) Ilegitimidade de L;
f) Falta de interesse em agir de António;
Defendeu o MP haver “irrelevância jurídica” do acto de nomeação de J, em nome do disposto no artigo 27.º/ n.º1 e n.º 3 in fine, da Lei n.º 51/2005 de 30 de Agosto, no mesmo sentido, não tomando como ilegal esse acto de nomeação.
Veio o MP ainda afirmar que o adiamento do concurso seria ilegal, por falta de permissão legal. Adiante, afirmando que “a insuficiência da fundamentação deve-se ao facto de esta poder ser suprida através de recursos a mecanismos próprios para o efeito, como por exemplo os constantes do 20.º, nº3, 21.º, nº8 e ainda nº10 da Portaria 83-A/2009, de 22 de Janeiro, que prevê a continuidade do concurso público, mesmo em casos em que o júri inicialmente designado não possa finalizar o procedimento”. Ainda completa a sua apreciação enumerando uma longa lista de princípios supostamente violados com a decisão de adiamento do concurso – “o princípio da igualdade, constante do art.º13.º da CRP, uma vez que limita o acesso de candidatos à ocupação do cargo, enquanto que J ocupa sucessivamente o cargo por nomeação, não se sujeitando a concurso. Viola igualmente o princípio da proporcionalidade (art.º5.º do CPA) e boa-fé (art.º6.º-A do CPA e art.º266.º, nº2 da CRP), consagrado no art.º18.º,nº2 da CRP, dado que é vedado o acesso ao cargo em questão, em nome da insuficiência de pessoal para a realização do concurso em prazo devido, sendo que esta falta poderia ser suprida pelos meios supra referidos (…) o princípio da prossecução do interesse público (art.º266.º, nº1 da CRP, art.º21.º, nº11 da Lei nº51/2005 de 30 de Agosto e ainda art.º4.º do CPA) é violado na medida em que não permite o exercício das funções pela pessoa mais qualificada para o efeito. Por outro lado, veda a liberdade de acesso à função pública aos particulares interessados (art.º47, nº2 da CRP). A protecção da confiança nos actos administrativos (consagrada no art.º6.º-A, nº2, al.)a do CPA)é também posta em causa uma vez que é criada uma expectativa de decisão , em tempo útil (previsto no art.º21.º, nº11 da Lei nº51/2005 de 30 de Agosto), que é frustrada, pelo que haverá uma violação dos princípios gerais de ética (art.º4.º da Lei nº 51/2005 de 30 de Agosto)”.
Quanto às alegadas ilegitimidade de L e falta de interesse de A, o MP desmonta o raciocínio da Entidade Demandada, defendendo que L tem legitimidade enquanto Presidente do Sindicato dos Trabalhadores, recorrendo ao Estatuto do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública da Zona Sul e Açores; e faz decorrer a demonstração do interesse em agir de A da própria argumentação da Ré, concluindo que “haveria sempre lesão dos interesses de A uma vez que esta colidiria com uma conclusão célere do concurso”.
Conclui o MP da seguinte forma: “De tudo o que vem de ser exposto somos de parecer que o acto de renomeação de J posto sob censura, é juridicamente irrelevante uma vez que os efeitos que daí poderiam advir seriam equivalentes aos do primeiro acto de nomeação, ao que acresce a consequência de tal acto ser inimpugnável. Neste sentido o pedido de arguição de nulidade de renovação é improcedente”.
A entidade demandada deverá ser condenada à prática dos actos subsequentes do procedimento concursal em causa, uma vez que o acto que adiou o concurso é nulo pelo supra exposto, não havendo lugar à suspensão nem à cessação do procedimento”.



II - Matéria de facto assente
1 – Chegou-se a julgamento com os seguintes factos fixados:
· Antes de 10 de Fevereiro de 2010 – demitiu-se (inesperadamente) Carlos Sortudo [13.º PI]
· A 10 de Fevereiro de 2010 – Primeira nomeação de João Sempre Disponível para director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados, em substituição [13.º PI]
· A 22 de Março de 2010 – Abertura de concurso público para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados – Cargo de director de serviços [2.º PI] – Ordem de Serviço n.º 43
· A 23 de Março de 2010 – António Atento candidatou-se ao concurso [6.º PI]
· Havia conflitos pessoais entre António Atento e Manuel Venham Mais Cem, Presidente IEFP – alegado e não contestado (sem repercussões) [22.º PI]
· Entre 22 de Março e 14 de Abril de 2010 – Gertrudes Exposta apresentou-se a concurso [23.º PI]
· A 14 de Abril de 2010 – Concurso foi adiado “com base na insuficiência de pessoal do serviço que dirige, o que o impediria de proceder à realização dos concursos públicos dentro do prazo legal” [4.º PI]
· A 14 de Abril de 2010 – Segunda nomeação de João Sempre Disponível para director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados, em substituição [1.º e 11.º PI]


III – Simulação de julgamento
1 – A 21 de Maio de 2010 foram ouvidos [em simulação de julgamento], os representantes dos Autores e da Entidade Demandada e, ainda, o Ministério Público. Foram ouvidas e inquiridas as seguintes testemunhas: Gertrudes Exposta, solteira, portadora do CC 11223355, residente na Rua do Malcozinhado, n.º 10, Santarém, Barbara Mariana de Albuquerque, portadora do CC 12335566, residente na Rua dos Sofredores, n.11, 1.ºdto., Coruche, Susana Almeida, portadora do BI 12448855, residente na Rua das Desesperadas, n.º 14, 2.º esq., Cartaxo (arroladas pelos Autores); e Maria Carvalho e Jorge Abreu (arroladas pela Ré). Margarida Leal foi arrolada e não inquirida – passaremos também a um relato o mais sintético possível desses depoimentos.

2 – Através do testemunho da Sra. Bárbara Mariana de Albuquerque, tentaram os Autores provar as más relações invocadas entre o Autor e o Sr. Manuel Venham Mais Cem, marido da testemunha, que repetiu que Manuel Venham Mais Cem “tinha um interesse forte em prejudicar o autor, dizendo alto e a bom som, para toda a gente ouvir, o teu querido António Atento com toda a certeza jamais entrará no concurso”. Relatou a testemunha uma discussão no dia anterior ao adiamento do concurso, 13 de Abril de 2010.

3 – A segunda testemunha a ser ouvida, secretária de Manuel Venham Mais Cem há cerca de 5 anos, Susana Almeida, insistiu no mesmo argumento, tendo ouvido o chefe dizer que “António Atento nunca ocuparia o cargo”, e tendo presenciado uma discussão entre ambos “por volta da hora de almoço”, também do dia anterior ao adiamento (13 de Abril).

4 – Seguiu-se o testemunho de Gertrudes Exposta, funcionária do IEFP há cerca de 6 anos e candidata ao concurso em apreciação. A testemunha alegou ter recebido notícia do adiamento através de um email que veio a desaparecer tendo sido eliminado da sua caixa de correio electrónico profissional, em computador instalado no IEFP. A candidata e testemunha veio afirmar que notou “um incremento ligeiro no volume de trabalho devido à situação de desemprego do país, mas não se notava insuficiência de pessoal para realizar o dito concurso” e, “sentindo-se lesada, tentou informar-se dos motivos do adiamento do concurso”. Ainda segundo este testemunho, os motivos alegados pelo IEFP para o adiamento do concurso eram “falta de tempo e pessoas, carga excessiva de trabalho que não permitia realizar o concurso”.

5 – Também foi ouvido Jorge Abreu, júri do concurso em apreciação e Director do IEFP do Porto. Segundo este, no dia 14 de Abril, viajou para o Reino Unido “no âmbito de uma formação profissional, com 3 dos suplentes para uma acção de formação”. Ficou “retido pela Nuvem de fumo do vulcão islandês, quando decidiu voltar para Lisboa ficou retido no aeroporto por causa do cancelamento das viagens em virtude da explosão do Vulcão da Islândia, apenas podendo regressar a 21 de Abril, alegando que “não dá continuidade ao concurso por ter demasiado trabalho em mãos”, entregou prova documental no momento e ter sido uma “situação que não pode controlar por se tratar de um caso fortuito resultado de forças da natureza que não pode antever nem evitar”. Segundo o seu depoimento, “o impedimento do júri ocorreu após a candidatura”, fazendo parte do Júri “pela sua experiência enquanto director do IEFP e júri”. Segundo a mesma testemunha, “um júri convocado em substituição de modo rápido não ofereceria garantias de imparcialidade suficientes”, repetindo que “um novo júri não daria as mesmas garantias aos candidatos”. Um dos representantes do Ministério Público perguntou à testemunha o que fez de 21 de Abril a 17 Maio para não ser retomado o procedimento do concurso, tendo Jorge Abreu invocado “outras funções no IEFP muito prementes que não permitiram o seguimento do procedimento do concurso”.
Segundo a testemunha, foi a seu pedido que se deu o adiamento, tendo pedido ao Presidente do júri que adiasse as entrevistas para que este conseguisse entrevistar os candidatos, garantindo um procedimento que oferece maiores garantias – “o adiamento ia tutelar melhor os interesses dos candidatos”.

6 – Por último, foi inquirida Maria Carvalho, funcionária do centro de emprego (IEFP) e candidata ao concurso, procurando provar em que termos ocorreu o concurso. A candidata referiu que se “conformou com a notícia do adiamento” e disse ainda que “teve conhecimento não por e-mail mas por aviso”, completando dizendo que “não se sente minimamente lesada em nenhum direito ou interesse porque o concurso foi apenas adiado e assim ainda mantém uma expectativa de ser a nomeada e para além disso o concurso foi assim realizado em melhores condições oferecendo maiores garantias de imparcialidade do que com um júri substituto”. A testemunha considera-se ainda candidata – “o concurso não cessou! Apenas foi adiado no próprio dia, não sinto que tenha sido violado algum dos meus direitos”.

7 – Passou-se, então, à intervenção do Ministério Público, que repetiu oralmente as posições já expressas em parecer anteriormente referido, aceitam a legitimidade de L, sendo Presidente do Sindicato, poderá ser autor pelo disposto no artigo 4.º/3 do Decreto-Lei 84/99, e 45.º-A do estatuto do Sindicato. Questiona o MP a renomeação, podendo colocar-se em causa a proporcionalidade e boa-fé, “a administração não colocou a pessoa melhor qualificada para o cargo”. Quanto ao adiamento referiram: “se o adiamento não se encontra previsto é nulo, logo não produz efeitos, o que dá a A interesse em agir” e ainda defenderam que o “prazo de 60 dias não se aplica por não haver conclusão do concurso”. Concluem pedindo a “condenação à prática do concurso”.

8 – Muito resumidamente cite-se da intervenção final dos Autores que “o que parece claro é que não há ausência de júri que justifique o adiamento” e a invocação do artigo 21.º/8 da portaria 83-A/2009 – “diploma que os colegas pareciam desconhecer, prevê substituição em caso de força maior. Das duas uma, ou não há força maior (desaparece fundamento para adiamento) ou deveriam ter accionado o mecanismo desse artigo”. Defendem ainda que o argumento de que júri não oferecia garantias necessárias não pode proceder “se a lei o prevê; com certeza não há esse problema”. Pedem, então, condenação a pratica do acto devido – o concurso público – e anulação da renovação substituição J, sem efeitos retroactivos.
Relembram que com isto não se faz a defesa individual de L, “faz-se a defesa dos interesses colectivos de vários trabalhadores, o Sindicato vem defender o interesse colectivo dos seus trabalhadores”, alegam que L tem legitimidade, por actuar como sindicalista, maior, em concordância com o MP. Dizem, ainda, que “a renovação não pode ser considerada uma mera continuidade pois o procedimento cessou: cessa sem data determinada para reabertura do concurso; há uma dilação de todo o concurso e não apenas daquele procedimento; o que gera lesão de interesses legítimos dos candidatos, permanece a dúvida do que terá acontecido ao júri para não ser possível a sua presença”. Retomam o disposto no artigo 21º/n.º 8 da Portaria 83º-A/2009 – “prevê a substituição do júri em motivo de força maior: mas há ou não motivo de força maior? O artigo é aplicável e o júri teria que ser substituído”, e avisam: “não procede o argumento de que um júri substituto não reúne condições e garantias de imparcialidade pois o concurso encontrava-se na fase de recepção de candidaturas”.

9 – Também da forma mais abreviada possível, lembre-se que a Entidade Demandada, veio, em intervenção final, repetir: “Foi L como pessoa individual que se apresentou aos autos – isto não é permitido – não é L como pessoa singular, por uma segunda via, apenas como Presidente podia”. Defenderam também que o interesse em agir de A não foi demonstrado e defendem que a Portaria 83-A/2009 – “não é aplicável ao regulamento para cargos dirigentes”. Defende ainda que ter acontecido meramente um “adiamento” faz parte dos factos dados por adquiridos [enunciado do caso como “prova pleníssima”] e defendem que “adiar é bem diferente de cessar – extinguir/terminar/dar por acabado. Não foi isso que aconteceu, foi apenas transferido para outro dia. Não se verificaram as condições – não controlamos os acontecimentos naturais”. Afirmam ainda que o Presidente do júri teria dois caminhos – “deixar o lugar vazio, um lugar essencial à eficiência do serviço, ou fazer o que fez, uma substituição em nome do interesse público”. Lançando a questão a todos: “o que é melhor? Um serviço vazio ou um serviço pronto a atender-nos?”. Defenderam que o procedimento concursal e a nomeação em substituição foram em tudo conformes à lei, em especial à Lei 51/2005, no seu artigo 27.º.

IV – Questão a decidir
1. Factos e articulados
Tudo isto relatado e assente, importará referir previamente que os factos essenciais deveriam ter ficado assentes antes da audiência simulada. O adiamento decorrente unicamente do argumento “por causa do cancelamento das viagens em virtude da explosão do Vulcão da Islândia, apenas podendo regressar a 21 de Abril” só deveria ser admissível como superveniente, pelo disposto no artigo 86.º/1 do CPTA, devendo ter sido deduzido em novo articulado, no entanto, deveria ter sido provado que esse facto era superveniente, o que não aconteceu e dificilmente é configurável, uma vez que a Entidade Demandada já sabia disso desde o dia 14 de Maio, dificilmente encaixa na previsão do artigo 86.º/2 do CPTA [No entanto, tendo uma tramitação sui generis a nossa simulação de processo, aceitaremos este facto, não tendo sido contestado por nenhuma das partes nem pelo Ministério Público durante a simulação de audiência].

2. O “prosseguimento do processo”
Ainda em consideração prévia, importaria referir que afastamos da nossa apreciação todo o mecanismo do artigo 89.º do CPTA.
Assim:
- Aceitamos e não questionamos a não ineptidão da petição (apesar de o ser) – 89.º/1 a);
- Não abordamos os problemas de personalidade ou capacidade judiciária do autor demandado (89.º/1 b) CPTA)
- Afastamos, ainda, por não ter sido questionado até esta fase, apreciação sobre a inimpugnabilidade do acto (não nos parece ser inimpugnável, de qualquer forma), sobre a legalidade da coligação, da cumulação de pretensões, caducidade do direito de acção, litispendência e caso julgado (não parece haver problemas quanto a estas matérias, atente-se no artigo 4.º, 2, a) CPTA, segundo o qual a cumulação de pedidos nos parece ser admissível) ou sobre a falta de indicação de contra-interessados (que verificamos haver). Também não valorizamos não ter ficado provado o valor da causa (€ 30.000,01), o autor deveria referir a que se deve o valor indicado vide art. 32.º CPTA.

Assim, os juízes deste caso simulado recusam a utilização destes “meios de prova” [num sentido exageradamente “amplo” que nos permita caber na previsão do n.º 2 do artigo 90.º do CPTA e pedem que também esse olhar “pouco formalista” seja dado, como demos aos articulados, a este acórdão – quer tendo em vista as características deste caso, quer pela urgência da decisão que não permite mais do que o aqui desenvolvido].

3. Questões a abordar

Desta forma, concentramo-nos nas seguintes questões:
a) Interesse em agir de A e legitimidade de L
b) Segunda nomeação em regime de substituição de J
c) Possibilidade de adiamento do concurso
d) Fundamentação da decisão de adiamento
e) A aplicabilidade da Portaria 83-A/2009, de 22 de Janeiro, ao caso
f) Aplicabilidade de sanções pecuniárias compulsórias para que o concurso continue e termine rapidamente

a) Interesse em agir de A e legitimidade de L
A legitimidade dos autores decorrerá do disposto no artigo 68.º/1/a) CPTA para A, e para L do disposto no artigo 68.º/1/b) CPTA. Poder-se ia cruzar com o disposto no artigo 53.º/1 CPA (devendo seguir-se o Ac. TC 118/97, 24 de Abril, que declara com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade – art. 56/1 CRP – da norma constante daquele n.º, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar procedimento administrativo e para nele intervir, seja em defesa de interesses colectivos, seja em defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam).
Quanto à legitimidade de A parece não se colocar qualquer problema e parece ter sido demonstrado, até pela Entidade Demandada, que haveria interesses individuais em presença e que a decisão de adiamento afectou e até poderia ter lesado A, podendo isolar-se neste candidato um interesse em ver o concurso terminado, parece impor esta posição o desenho geral do contencioso administrativo. O particular, A, terá que ver titulado o seu interesse em ver a sua situação decidida e estabilizada, o que é impossível enquanto não terminar o concurso, havendo uma pretensão perfeitamente válida.
Concordamos com as alegações dos Autores e desenvolvemos desta forma aquilo que o MP já alegara.
Quanto à legitimidade de L também aderimos à argumentação do MP, e entendemos, embora isso devesse ter ficado mais claro na petição inicial, que este está a agir enquanto Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, podendo ser identificado como autor na petição inicial - a representação do sindicato em juízo seria levada a cabo pela sua direcção, de acordo com o Artigo 45º a) do Estatuto do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública da Zona Sul e Açores. Conclui-se que cabe ao titular máximo da Direcção (no caso L, o Presidente) essa mesma representação.
E se é certo que o Sindicato não pode promover a defesa individualizada dos interesses individuais de um associado de acordo com o Artigo 4º nº3 do Decreto-Lei nº 84/99 de 19 de Março, sabemos que está em causa um interesse colectivo, pelo que o Sindicato poderia promover a sua defesa. “Este interesse afigura-se colectivo uma vez que não será apenas o interesse de A que está a ser tutelado pelo concurso, mas de todos os particulares que se pretendam candidatar ao mesmo”.

Quanto à legitimidade passiva, importará também dizer que o IEFP, IP é pessoa colectiva de Direito público ex vi 3.º, n.º1 in fine e 4.º Lei 3/2004 (Lei Quadro Institutos Públicos - LQIP); 1.º, N.º1 do DL 213/2007; art. 3.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 519-A2/79; e terá, portanto, legitimidade passiva nos termos do art. 10.º/2 CPTA.

b) Segunda nomeação em regime de substituição de J
A decisão sobre este em nada influenciará o segundo pedido, pois que sempre pretenderão os autores a reabertura do concurso. Contudo, sendo esse o primeiro pedido dos autores, importa decidir.
Tratando-se de um Instituto Público, a matéria de contratação deverá ser enquadrada pelo disposto nos artigos 34.º da LQIP, de cargos dirigentes 1.º, n.º2, 2.º, n.º1, 20.º ss. da Lei 2/2004 alterada pela Lei 51/2005 e ainda, por se tratar do IEFP, art. 27.º- A dos Estatutos do IEFP, I.P. republicados na sua última alteração pela Portaria 570/2009. A Entidade Demandada suscita, ainda, a aplicação da Portaria 83 – A/2009, ora esse diploma, como referiu - e bem - a defesa da Ré (contudo surpreendentemente expendem argumentação com base nessa mesma Portaria vide verbi gratia o art. 21.º da Contestação), não é aplicável por força da cláusula de exclusão de regime constante do art. 1.º, n.º 3, se é a própria Portaria que afasta do seu âmbito de aplicação, as situações de recrutamento para cargos dirigentes, tão pouco por analogia se poderia alcançar a aplicação do diploma. Ainda se deve referir a aplicação da Lei 12-A/2008. Com esta base legal avançamos que o regime de substituição é tipicamente provisório, isto é, aplica-se apenas para situações pontuais em que, pela vacatura do cargo, vemos que seria inviável manter o serviço sem o dirigente. O carácter provisório molda-se nos termos de necessidades não criadas, mas inesperadas. Nesta sequência pretende-se alcançar que a situação de substituição deve ser suprida o quanto antes. Veja-se os artigos 27.º e 27.º-A, artigos centrais da Lei 2/2004 alterada pela lei 51/2005.
Independentemente da qualificação jurídica como “acto inútil” dada pelo MP, acreditamos que este acto era necessário, devendo contextualizar-se a segunda nomeação em substituição de J nesta segunda necessidade inesperada, decorrente da impossibilidade de continuar o concurso. A substituição não cessaria para J, estando em curso um procedimento (ainda que com algum dos seus trâmites adiados) tendente à nomeação de novo titular – caberá isto no artigo 27.º/3 da Lei 2/2004 alterada pela Lei 51/2005 (atentem nesta alteração e na lei originária quer as partes, quer o MP, que citaram apenas a lei de alteração). A nova nomeação pode ser explicável como comunicação a J de que, ao contrário do previsto, a sua substituição não cessa. Não deverá, portanto, ser anulada ou declarada nula esta substituição, devendo manter-se como está até que o procedimento concursal termine.

c) Possibilidade de adiamento do concurso
Não deixa este tribunal de ter ficado com muitas dúvidas quanto às razões invocadas pela Entidade Demandada para haver adiamento do procedimento concursal, primeiro parecia tratar-se apenas de “insuficiência de pessoal”, seguindo-se referência à actual conjuntura do país que inviabilizava qualquer hipótese de atempada realização do procedimento concursal (artigos 32.º e seguintes da contestação), vindo depois a conjuntura a ganhar outros contornos – agora já em sessão de julgamento – transformando-se numa nuvem de cinzas vulcânicas.
Não deixamos de ver o concurso como um procedimento que, em si, não poderia ser adiado, apenas as entrevistas, ou os actos que sejam necessários nesse procedimento, poderiam, em si, ter sido adiadas, devendo ter sido feita nova calendarização pelo Presidente.
Se parece ser claro que motivos alheios à vontade e capacidade do júri servem como fundamentação a essa decisão, não deixa de ser também claro que o concurso deve seguir e que o dever de celeridade obriga toda a administração.
E deve afastar-se por completo o argumento segundo o qual a substituição do júri garantiria menos as expectativas dos candidatos – não há júris insubstituíveis e não pode existir de forma alguma essa presunção por membros de qualquer júri.
Parece que o acto de adiamento das entrevistas seria possível, o acto de adiamento da totalidade do concurso, não, devendo o IEFP retomar esse procedimento o quanto antes.

d) Fundamentação do acto de adiamento
Aceitando que esse acto de adiamento – das entrevistas a realizar, em concreto, por J, ou mesmo do concurso (adiamento como recalendarização dos trabalhos), este acto seria nulo por falta de fundamentação (uma vez que a fundamentação insuficiente equivale à falta de fundamentação, nos termos do art.º125, nº2 e 133.º, nº1 do CPA).
Parece esta decisão ser determinante. O adiamento deveria ter sido comunicado a todos os candidatos, concretizando-se os termos e a fundamentação – seria impensável, num caso real, só se alegar em audiência a “nuvem vulcânica” que reteve o membro do júri e os suplentes em Inglaterra, este argumento deveria ter constado da fundamentação e, mais ainda, da Contestação.
O acto de adiamento seria nulo, nestes termos.

e) A aplicabilidade da Portaria 83-A/2009, de 22 de Janeiro, ao caso
A aplicabilidade desta Portaria não pode ser invocada, não procedendo a argumentação do MP e dos Autores neste sentido. O artigo 1.º/3 da mesma é inequívoco: “A presente portaria não é igualmente aplicável ao recrutamento para cargos dirigentes”.
Assim, o nº3 do Artigo 20.º - “No mesmo acto são designados o membro do júri que substitui o presidente nas suas faltas e impedimentos, bem como os suplentes dos vogais efectivos.” E os seguintes números do artigo 21.º:
“8 - A composição do júri pode ser alterada por motivos de força maior, devidamente fundamentados, nomeadamente em caso de falta de quórum.
9 - No caso previsto no número anterior, a identificação do novo júri é publicitada pelos meios em que o tenha sido o procedimento concursal.
10 - O novo júri dá continuidade e assume integralmente todas as operações do
procedimento já efectuadas.”

Devem ser afastados. A solução a dar ao caso não poderá passar por aqui.

f) A aplicabilidade de sanções pecuniárias compulsórias para que o concurso continue e termine rapidamente

Tudo visto e apreciado, importará, então, condenar a Administração, na pessoa do IEFP, IP, a continuar o procedimento, obrigando-a a um prazo de decisão o mais reduzido possível. Esse prazo terá que ser dado em benefício dos concorrentes. Se já estamos em fase de selecção e não de envio, terá que se remeter para o prazo médio que foi utilizado em concursos anteriores (aceitemos um prazo médio de 10 dias, ficcionado para este caso). De qualquer forma, deverá haver duas sanções cumulativas, uma até ao inicio da execução da sentença e outra até à conclusão do concurso.
Mesmo tendo em conta o princípio do pedido (artigo 95.º do CPTA), poderá o tribunal condenar desta forma, o tribunal pode ordenar ainda as diligências que considere necessárias, após o que se segue a abertura de vista simultânea aos juízes-adjuntos, quando se trate de tribunal colegial, sendo proferida a decisão final (artigo 95.º/3 CPTA).
Este tribunal colegial considera justificado, ao abrigo do artigo 66.º/3 CPTA a imposição de sanções pecuniárias compulsórias. Quando o considere justificado, pode o tribunal impor, logo na sentença de condenação, sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o incumprimento, sendo, neste caso, aplicável o disposto no artigo 169.º. Dispõe este artigo que a imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença. A sanção pecuniária compulsória é fixada segundo critérios de razoabilidade, podendo o seu montante diário oscilar entre 5% e 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento. Se o órgão ou algum dos órgãos obrigados for colegial, não são abrangidos pela sanção pecuniária compulsória os membros do órgão que votem a favor da execução integral e imediata, nos termos judicialmente estabelecidos, e que façam registar em acta esse voto, nem aqueles que, não estando presentes na votação, comuniquem por escrito ao presidente a sua vontade de executar a sentença. A sanção pecuniária compulsória cessa quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença, quando o exequente desista do pedido ou quando a execução já não possa ser realizada pelos destinatários da medida, por terem cessado ou sido suspensos do exercício das respectivas funções. As importâncias devidas ao exequente a título de indemnização e aquelas que resultem da aplicação de sanção pecuniária compulsória são cumuláveis, mas a parte em que o valor das segundas exceda o das primeiras constitui receita consignada à dotação anual, inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a que se refere o n.º 3 do artigo 172.º

Consideramos, assim, dever impor-se sanção pecuniária compulsória para que o concurso comece no primeiro dia útil seguinte a esta decisão e outra sanção pecuniária compulsória, acelerando os procedimentos concursais, caso o concurso não tenha terminado nos próximos 12 dias, tendo em conta que o tempo médio [ficcionado] para concursos deste tipo é de 10 dias.


V – Decisão
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, o Tribunal julga a presente acção administrativa especial improcedente na parte em que é pedida anulação da nomeação de J e condena a Entidade Demanda a retomar o concurso, declarando nulos por falta de fundamentação todos os actos de adiamento. Condena ainda a Entidade Demandada a sanção pecuniária compulsória enquanto não seja retomado o concurso e a outra sanção pecuniária compulsória caso este não tenha terminado em 12 dias.
Custas a dividir pelos Autores e Entidade Demandada, com taxa de justiça que fixamos em 20 UC, a reduzir a metade, de acordo com os artigos 73.º-D/3 e 73.º-E, b) do Código das Custas Judiciais.
Registe e notifique.

*

Após o trânsito em julgado da presente decisão, devolva o processo administrativo apenso.
(texto elaborado e revisto pelo signatário – cfr. Artigo 138.º/5 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do CPTA – incorporado no SITAF, com assinatura electrónica avançada, nos termos do artigo 7.º/1 da Portaria n.º1417/2003, de 30 de Dezembro).
Lisboa, 2010-05-23
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal da FDL,

O colectivo de juízes,
Andreia Sofia Candeias Rosa, n.º 16948 (ST 11)
Célia Maria Fernandes Sobral, n.º 16562 (ST 10)
Vanessa Julieta Vieira Rolo, n.º 16906 (ST 11)
Miguel da Câmara Pestana Pedrosa Machado, n.º 16791 (ST 10)
Pedro Ramos, n.º 15906 (ST 11)
Saulo Emanuel Vigário Chanoca, n.º 16867 (ST 11)