quinta-feira, 29 de abril de 2010

Observatório da Realidade – Ac. STA de 7.4.2010, Proc. 01057/09

A acção administrativa especial, na modalidade de condenação à prática do acto devido

Sendo cumuladas, numa acção administrativa especial, impugnações de actos administrativos relativos ao indeferimento de uma única pretensão de ser atribuído e pago subsídio de desemprego e formulado um pedido de intimação do réu a efectuar a sua atribuição e pagamento, deve aplicar-se o regime das acções para condenação à prática de acto devido. Neste tipo de acção não é indispensável identificar qual ou quais os actos que seriam susceptíveis de impugnação, nem identificar os vícios de que possam enfermar, uma vez que a eliminação jurídica destes actos, independentemente dos vícios de que enfermem ou não, é corolário da decisão condenatória à prática do acto devido. Assim, os actos administrativos de indeferimento só relevam para efeitos de aferir a tempestividade da acção à face do n.º 2 do art. 69.º do CPTA.”

“Embora a Autora não tenha dado à acção a designação de acção para condenação à prática de acto devido, o pedido de «intimação» que formula, no sentido de impor ao Senhor Procurador-Geral da República que ordene o processamento e pagamento do subsídio de desemprego, tem idêntico alcance e como tal deve ser interpretado.Por isso, é de entender que se está perante uma acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido, com o regime previsto nos arts. 66.º a 71.º do CPTA, em que «o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória» em que o Tribunal deve pronunciar-se «sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido», se a acção dever ser julgada procedente (arts. 66.º, n.º 2, e 71.º, n.º 1, do CPTA).”

“Termos em que acordam neste Supremo Tribunal Administrativo em:
– julgar procedente a presente acção;
– condenar o Senhor Procurador-Geral da República a ordenar o processamento e pagamento do subsídio de desemprego à Autora através dos Serviços da Procuradoria-Geral da República;
– anular os actos impugnados, como efeito directo da referida condenação (art. 71.º, n.º 2, do CPTA).”

Iolanda Bastos
Subturma 3

O Acto ou as Partes ( Que Administração? )

O Acto ou as Partes


As questões que se colocam quando se confortam os dois tipos de concepção do contencioso administrativo são a meu ver três: O contencioso administrativo tem como paradigma a defesa dos direitos dos particulares ou a defesa da legalidade? Numa acção administrativa o objecto é a lesão dos interesses dos particulares ou a legalidade do acto administrativo? Por ultimo, e como uma cúpula que abrange e influência a forma como concebemos a justiça administrativa, está a concepção de Administração que acolhemos? As respostas que encontramos na doutrina e no direito comparado podem-se resumir a dois grandes grupos: o contencioso administrativo do tipo objectivo e o contencioso do tipo subjectivo. No meu entendimento a pergunta fundamental, e que irá balizar todas as decorrências, é a última questão e a forma como encaramos a Administração.

Comecemos então por mostrar as respostas que as duas concepções de justiça administrativa dão às questões que enunciamos para concluirmos com os seus pros e os contras.


O contencioso administrativo tem como paradigma a defesa dos interesses particulares ou a legalidade do acto administrativo?


A perspectiva objectivista entende que o contencioso administrativo deve centrar-se na defesa da legalidade. O principal objectivo dos tribunais administrativos é o “cumprimento preciso, inteligente, adequado, oportuno da lei” (Professor Marcelo Caetano). Esta forma de ver a justiça administrativa leva-nos, na sequência do que o Professor Vasco Pereira da Silva considera serem os “traumas da infância do contencioso administrativo”, a que haja uma ténue separação entre os tribunais e a própria administração. No meu entendimento, é teoricamente possível que, mesmo num sistema de cariz objectivista, haja uma clara separação de poderes, no entanto não é essa a lição que a história nos ensina. Decorrente do facto de ter uma justiça centrada na legalidade do acto administrativo, os tribunais abstiam-se de condenar a administração a prática de actos que não “estritamente vinculados”. O tribunal enquanto garante da legalidade não se imiscuía em “valorações próprias da administração”, deixando fora da sua fiscalização o mérito da causa, à luz do velho brocado que ensina que “julgar a administração é ainda administrar”. Esta interpretação rígida do princípio da separação de poderes pretendia uma separação tão intensa que acabava por se quebrar sobre si mesma, fazendo com que o recurso aos tribunais fosse ainda um recurso da administração, no seguimento do recurso hierárquico. Era este, a meu ver, um dos principais pontos negativos da concepção objectivista porque a jurisdição administrativa tem que ser uma realidade diferente dos recursos hierárquicos, pautada por princípios diferentes.

Em sentido oposto a este, a concepção subjectivista do contencioso administrativo entende que o objectivo principal da justiça administrativa é a fiscalização e controle da lesão dos interesses jurídicos protegidos dos particulares que, através da actuação da administração, podem estar a ser violados. Neste sentido, passamos a contar com um “controlo administrativo funcionalmente acompanhante em vez de ser um controlo administrativo reactivo” ( Krebbs ), o que, no meu entendimento, nos permite mais facilmente dar um passo no sentido da efectiva separação entre a jurisdição administrativa e a administração. Uma vez que nos centramos na lesão de interesses legalmente protegidos, tanto a administração como os particulares vão apresentar-se em tribunal como verdadeiras partes de um processo com interesses diferentes e empenhados em fazer valer as suas posições. Desta forma será inaceitável que encaremos o contencioso como uma forma de, simplesmente, protegermos o “ambiente jurídico” de actos ilegais o que leva a termos como realidade material um recurso gracioso e não uma jurisdição própria. Decorre ainda desta visão que a separação dos tribunais da administração pública é inevitável e o juiz é visto como uma terceira parte, um árbitro que dirime os litígios e só desta forma caminharemos para uma total efectivação do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Uma outra grande vantagem desta concepção prende-se com o facto de a Administração e os particulares se apresentarem a juízo numa situação de igualdade ( art. 6º CPTA).

Passamos agora à resposta à segunda questão enunciada que está inteiramente ligada com as posições que acabamos de descrever.


Numa acção administrativa o objecto é a lesão dos interesses dos particulares ou a legalidade do acto administrativo?


Relativamente a esta questão, a vida está-nos facilitada porque ela decorre inteiramente das concepções supra apresentadas. Neste sentido, o contencioso administrativo do tipo objectivo tem como objecto da acção administrativa o acto administrativo ( actualizando a posição diríamos que, não só o acto, mas também o regulamente, o contracto, etc. ). Numa justiça administrativa actocéntrica estarão remetidos para segundo plano as lesões dos interesses dos particulares, o que a meu ver é, não só na jurisdição administrativa, mas também em outras jurisdições, o principal objectivo dos tribunais. Uma justiça material e responsável deve procurar garantir que os particulares não são injustificadamente lesados.

Do ponto de vista da teoria subjectivista do contencioso administrativo, a acção deve centrar-se na lesão dos interesses dos particulares, o que torna muito mais efectivo os objectivos que anteriormente apresentamos. Decorrente desta concepção temos que as partes se apresentam como duas partes verdadeiramente autónomas em tribunal e não como partes, formalmente consideradas, que colaboram com o tribunal para averiguar a legalidade do acto administrativo. Afastamo-nos assim de uma ideia de particulares como altruísta da legalidade que não propugnava pela igualdade de partes em juízo nem pela igualdade de armas.

Chegamos por fim aquela que é a questão fulcral das divergências entre tipo objectivo e tipo subjectivo, que extravasa um pouco os problemas técnico-jurídicos do contencioso administrativo.


Que concepção temos de Administração?


Consideramos que devemos, por imperativos de honestidade intelectual, começar por dizer que entendemos a administração como mais um sujeito da sociedade civil, especialmente quando há recurso aos tribunais onde se deve afirmar mais veemente a igualdade entre os vários sujeitos da sociedade. Neste sentido consideramos que o tipo subjectivo de contencioso administrativo é aquele que deve pautar a jurisdição administrativa. Entendemos que o recurso aos tribunais deve servir para averiguar se, para além da legalidade que também é defendida no tipo subjectivo [ “a protecção jurídica subjectiva presta também controlo juridíco objectivo ( Krebbs ); contudo, isso é “apenas uma – desejada – consequência acessória” ( Menger ) ], não há uma lesão legalmente injustificada dos interesses dos particulares, não esquecemos que a administração segue valorações de bem colectivo que muitas vezes se sobrepõe aos interesses particulares, mas para esses casos existe toda uma técnica legislativa essencialmente centrada na utilização de conceitos jurídicos indeterminados, campo em que a intervenção dos tribunais é muito mais restrita e se prende com o balizamento da actuação administrativa e não com a imposição de medidas ( art. 71º/2 CPTA ). Temos como certa esta concepção de administração porque, na sociedade de hoje em dia, a administração não se cinge à prestação de serviços básicos, vai muito para além disso e apresenta-se como uma administração prestadora de diversos serviços, bastante activa e que nas suas imensas realizações está sujeita a ferir interesses dos particulares.

Não nos parece imaginável que, mesmo num sistema objectivo, os tribunais não tivessem poderes de condenação da administração ( o que já o tornaria num contencioso misto), por isso consideramos tão importante a concepção que temos de administração. No final de todas esta considerações estamos em crer que o tipo subjectivo é o único que responde às exigências da sociedade actual porque coloca a administração num pé de igualdade com os particulares e permite a realização última do Direito Administrativo e do Direito em geral que é o livre desenvolvimento de cada um.

Como última nota queríamos levantar a questão de o nosso contencioso ainda ter alguns laivos objectivistas. Será que a legitimidade do Ministério Público (art. 9º,55º/1/b), 68º/1/c) ) não é ainda um resquício de considerações passadas? Estamos em crer que sim, que a legitimidade do MP só se entende por razões de legalidade e prossecução do interesse público, dois argumentos intimamente ligados às concepções objectivistas de contencioso, no entanto também acreditamos que os dois argumentos enunciados são fundamentais num Estado de Direito e não prever a legitimidade do MP, se bem que acompanhada da legitimidade dos particulares, seria um retrocesso no objectivo da tutela jurisdicional plena.


Bibliografia:

Professor Vasco Pereira da Silva:

  • O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise

  • Para um contencioso administrativo dos particulares

Professor Vieira de Andrade

  • Justiça Administrativa

Rodrigo Esteves de Oliveira e Mário Esteves de Oliveira

  • Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado – Volume I


    David Apolónia, subturma 10


Avaliação de professores: providências cautelares aceites em tribunal

Fenprof quer que avaliação de desempenho não seja considerada no concurso de colocação de professores

Os tribunais administrativos e fiscais de Coimbra e Beja admitiram as duas providências cautelares interpostas pela Fenprof tendo em vista a não consideração da avaliação de desempenho no concurso de colocação de professores, noticia a Lusa.

Em declarações à agência noticiosa, o secretário geral da Federação Nacional dos Professores, Mário Nogueira, adiantou que o tribunal de Coimbra citou o Ministério da Educação na sexta-feira passada e deu uma semana à tutela para apresentar as suas alegações, tomando uma decisão até 7 de Maio.
Também o Tribunal Administrativo e Central de Beja aceitou a providência cautelar interposta com o mesmo intuito, dando o prazo de um dia ao Governo para responder.
Os sindicatos de professores estão contra a consideração da avaliação de desempenho no concurso para preenchimento de necessidades transitórias, dado o carácter aleatório com que o processo decorreu nas escolas.
O concurso terminou na sexta-feira passada, mas de 3 a 6 de Maio decorre o período de aperfeiçoamento das candidaturas.
Um professor classificado com «Muito Bom» recebe mais um valor, enquanto um colega avaliado com «Excelente» é bonificado em dois valores. Até à data, a lista de graduação nacional era elaborada tendo em conta a nota de curso do docente e os anos de serviço.
Ilegalidades
«Num quadro de proporcionalidade, são muito mais graves as ilegalidades criadas com a aplicação da norma legal do que com a sua não aplicação», afirmou Mário Nogueira, referindo-se, por exemplo, aos professores que não tiveram uma nota quantitativa.
O dirigente sindical lembrou que foram ainda entregues duas intimações, em Lisboa e Porto, iniciativas que não carecem de uma acção principal, como as providências, mas cuja decisão constitui automaticamente sentença.
O Governo já reiterou que a avaliação de desempenho é para manter nos concursos de professores e garantiu que nunca se comprometeu em anular a sua consideração.
A agência Lusa contactou o Ministério da Educação para obter um comentário à aceitação das providências cautelares, mas não obteve resposta até ao momento.

Verónica Dias Dourado

O "contencioso" fora dos tribunais - mediatismo e politização da "justiça" administrativa

"Na sequência desta polémica, a Fundação para as Comunicações Móveis, que gere o programa e.escolinha, está a ser alvo de uma comissão eventual de inquérito parlamentar, que tem como objectivo saber em que moldes foi adjudicado o fornecimento dos computadores Magalhães à JP Sá Couto." Ver mais sobre a notícia do dia aqui.

Sem me alongar muito, a pergunta que deixo é simples: não viveremos, também no Contencioso Administrativo, um tempo em que se procura "impugnar" ou "condenar à prática do acto devido" sem recorrer aos tribunais, sem seguir o CPTA que estudamos e ao qual dedicamos tanto tempo e atenção?

Ainda hoje ouvia o Prof. Vasco Pereira da Silva falar da "esquizofrenia" que existe na lógica dos privilégios da Administração nos contratos de direito público, não se alongará essa maleita ao contencioso?

Será este "novo concurso público internacional" uma consequência do "julgamento" que vivemos quanto ao anterior procedimento para fornecimento de computadores?

A pergunta/provocação é essa: então o contencioso administrativo deixou de ser contencioso?

Miguel da Câmara Machado
(aluno n.º 16791 - sub-turma 10)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Legitimidade Processual: o particular e a administração enquanto partes.

Actualmente, o legislador já se incumbiu de evidenciar que os processos do Contencioso Administrativo são, inequivocamente, de partes, exaltando a manifesta superação dos "traumas da infância".
A título de enquadramento, alude-se a uma lógica clássica, oriunda do modelo francês, na qual nem o particular nem a Administração eram considerados partes, pois visava-se meramente a colaboração destes com o Tribunal, com o desiderato de defender a legalidade e o interesse público; neste sentido, não era admissível a defesa de direitos ou interesses próprios; revela-se fulcral constactar que, não sendo reconhecidos aos particulares direitos subjectivos face à Administração, assumiam a posição de um "Ministério Público", tal como nos sugere o professor Vasco Pereira da Silva; quanto à Administração, só poderia ser encarada como parte se o juíz desempenhasse o papel de um terceiro e, como é sabido, tal não sucedia.
Esta negação da qualidade de parte só foi afastada pela CRP de 1976, sendo que a mesma integrou o Contencioso Administrativo no Poder Judicial. Assim, num contencioso plenamente jurisdicionalizado e de natureza subjectiva, tanto o particular como a Administração são considerados partes que, perante um juíz, defendem as suas posições, posições essas concretizadas na afirmação da lesão de um direito e no interesse público, respectivamente.
No que diz respeito ao CPTA, este consagra expressamente tanto a referida regra de que os particulares e a Administração são partes nos processos com cariz administrativo como também é manifesta a proclamação do princípio da igualdade efectiva da participação processual, consagrada no artigo 6º, afastando de todo o modelo objectivista que anteriormente vingava. Ainda no âmbito do princípio da igualdade, é relevante demonstrar que este de destaca não só pelas possibilidades de intervenção no processo, como também no que diz respeito à possibilidade dos sujeitos processuais poderem ser sancionados pelo tribunal, por motivo de litigância de má fé; evidencía-se, assim, a existência de responsabilização das partes pelo resultado do processo, através do estabelecimento de uma condenação ao pagamento de custas. Salvaguarde-se que, não obstante parecer uma consequência lógica em sede de qualquer processo de partes, estas não foram imediatamente admitidas pela jurisprudência e pela doutrina dominantes, face às autoridades públicas. Outro aspecto susceptícel de enfoque remete para a cooperação entre as partes e os respectivos mandatários com os magistrados, visando-se uma adequada resolução de litígios (artigo 8º/1) e boa fé entre as partes, evitando diligências e dilações inúteis (artigo 8º/2), cujo incumprimento origina as referidas sanções.
Nesta linha de orientação, também o CPA evidencia que o processo administrativo é um processo de partes, encontrando-se tal subjacente ao disposto nos artigos 9º e ss. Exalta-se, deste modo, que a questão da legitimidade é indissociável da questão da qualidade de parte.
Cabe agora a concretização das consequências práticas do exposto supra; para o efeito apelo, a título de exemplo, à temática do recurso de anulação. Este foi, durante bastante tempo, encarado como uma auto-verificação de legalidade e o acesso ao juíz não pressupunha a afirmação de nenhum direito subjectivo lesado, mas antes da mera existência de um interesse de facto do particular, próximo do da Administração. Esse interesse funcionava como condição de legitimidade, revelando-se sucedâneo de uma posição substantiva de interesse que se visava aniquilar. Antagónico a este Modelo Clássico é o regime jurídico do CPA, que estabelece que a legitimidade provém da alegação da posição de parte na relação material controvertida, ao abrigo dos artigos 9º e ss. Assim, atribuí-se legitimidade em razão da posição dos sujeitos e da alegação de direitos e deveres recíprocos, numa relação jurídica substantiva, prosseguindo o escopo de, ao assegurar uma ligação entre a relação material substantiva e a relação processual, os sujeitos possam ser sujeitos efectivos da relação material. Concretizando o artigo 9º/1, pressupõe-se a titularidade de posições substantivas de vantagem no âmbito da relação jurídica administrativa.
Actualmente já não se justifica realizar a destrinça entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos, diferenciação que vingou sobretudo no período da "infância difícil". Neste sentido, Vasco Pereira da Silva defende a inexistência de quaisquer diferenças referentes à natureza destes conceitos, aferindo que, quanto muito, elas existirão ao nível do conteúdo. Deste modo, a regência considera inaceitáveis, num Estado de Direito, os pressupostos que negaram no passado, ao particular, a qualidade de sujeito nas relações administrativas, assim como também discorda de perspectivas teóricas que aludem a "direitos subjectivos de primeira categoria" e "direitos de segunda", ou mesma "terceira ordem". No que diz respeito a aspectos meramente formais, é crucial salvaguardar que os resultados serão idênticos: assim, a lei pode atribuir um direito subjectivo através de uma norma jurídica que o qualifique como posição jurídica de vantagem, situação em que é unânime na doutrina que estejamos perante um um direito subjectivo; também existe um dever na administração quanto ao interesse do particular; delimita-se de forma negativa a posição substantiva de vantagem pela norma jurídica; atribui-se um direito subjectivo mediante disposição constitucional.
Contrariamente à função subjectiva inerente ao disposto no artigo 9º/1, o nº2 do referido artigo evidencía uma função objectiva no seio do Contencioso Administrativo, pois tutela-se a legalidade e o interesse público; neste sentido, consideram-se sujeitos activos do Contencioso Administrativo também o actor público e o actor popular. No primeiro caso, o Contencioso Administrativo desempenha uma função predominantemente subjectiva, de protecção dos direitos dos particulares, assumindo mesmo a natureza de direito fundamental (artigo 268º/4 da CRP); no segundo caso (referente à acção pública e à acção popular), o Contencioso Administrativo adquire uma função sobretudo objectiva, da tutela da legalidade e do interesse público. Porém, salvaguarda-se que no concerne à Justiça Administrativa, esta evidencía actualmente uma natureza jurídica que é sempre subjectiva, na medida em que é exaltada a posição da parte no processo.
No que se refere à legitimidade passiva, o critério é também o da relação material controvertida, considerando-se como partes as entidades públicas, os indivíduos ou as pessoas colectivas privadas, sujeitos às obrigações e deveres simétricos dos direitos subjectivos alegados pelo autor (artigo 10º/1, CPA). Outro aspecto que revela que a Administração tem que ser sempre uma parte incide no facto de nas acções relativas a actos ou omissões administrativas a parte demandada ser ou uma pessoa colectiva de direito público ou, tratando-se do Estado, o ministério que englobe os órgãos face aos quais seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar actos ou observar determinados comportamentos, à luz do disposto no artigo 10º/2 do CPTA.
No que diz respeito à pessoa colectiva pública, Vasco Pereira da Silva defende que o legislador realizou uma escilha infeliz ao considerá-la como sujeito processual paradigmático, ainda que não tenha sido ignorada a intervenção dos órgãos administrativos no processo. Fundamenta esta posição alegando que actualmente o conceito de pessoa colectiva pública não faz sentido enquanto único sujeito de imputação de condutas administrativas, em razão da complexidade da organização administrativa e da natureza versátil das relações jurídicas multilaterais. Neste contexto, evidencía-se fulcral atender a algumas transformações relevantes da Administração Pública no quadro do Estado Pós-social, entre elas: a riqueza da diversidade inerente àqueles que levam a cabo a função administrativa, podendo afirmar-se que já não existe um bloco unitário mas sim uma pluralidade de administrações; a multiplicação de comportamentos decisórios autónomos, que conduziu a um descentramento da actividade administrativa e deixou de ser exercida meramente em torno do Governo; a superação do dogma da impermeabilidade da pessoa jurídica, consequência de relevo crescente nas relações jurídicas inter-orgânicas e intra-orgânicas; o afastamento da teoria das "relações especiais de poder" o que se traduziria no facto de aquilo que ocorrer no interior de uma pessoa colectiva também poder possuir natureza jurídica, exaltando a submissão dessas relações à lei e aos direitos fundamentais.
No seguimento de uma tendência para autonomizar o papel das autoridades admisnistrativas enquanto sujeitos de relações jurídicas , surgem distintos posicionamentos. Assim, uma orientação radical, oriunda da doutrina italiana, revela-se apologista da denominada "dessubjectivação" da organização administrativa, o que se traduziria num abandono dos conceitos tradicionais de pessoa colectiva e de órgão, assim como a autonomização das autoridades públicas sob a denominação de serviços, passando estes a ser os únicos sujeitos administrativos. Antagonicamente, uma orientação de matriz alemã defende a relativização do conceito de pessoa colectiva, remetendo para um noção de capacidade jurídica de que são dotados os órgãos públicos, tornando-os efectivos sujeitos das relações jurídicas administrativas, sem qualquer dispensa formal do conceito de pessoa colectiva pública. Face ao exposto, o ordenamento jurídico português colhe o entendimento de encarar as autoridades administrativas (e não meramente as pessoas colectivas em que elas se integram) como sujeitos de direito, susceptíveis de titularidade de de posições jurídicas activas e passivas; neste sentido, as normas constitucionais referem-se tanto a pessoas colectivas como a órgãos administrativos, de acordo com o disposto nos artigos 266º e ss da CRP, e o mesmo sucede com as normas do CPA referentes a sujeitos administrativos (artigos 13º e ss) que se ocupam exponencialmente de órgãos públicos. Na mesma linha de orientação, Vasco Pereira da Silva conclui que no nosso ordenamento também se tem relativizado o conceito de personalidade jurídica das entidades públicas, dando-se primazia à actuação dos seus órgãos; as autoridades administrativa são, nesta óptica "sujeitos funcionais" de relações jurídicas com capacidade jurídica própria, o que se traduz na aceitação de relações inter-orgânicas. Todavia, a regência aponta uma excepção relativamente ao Estado, considerando que os respectivos actos devem ser imputados aos ministérios em que se integram os órgãos em causa (artigo 10º/2/3 do CPTA); ainda assim, o referido professor reconhece que a solução do legislador é, de um ponto de vista teórico, a mais adequada.
Outra questão relevante incide em determinar se num processo intentado pelo autor contra determinada autoridade administrativa devem também ser chamados a juízo os demais sujeitos da relação multilateral. Em resposta, o legislador da reforma do Contencioso Administrativo, revelando-se consciente da necessidade de considerar os interesses de todos os intervenientes das relações multilaterais, considerou-os sujeitos processuais (artigo 12º, referente à coligação; artigo 48º, que se refere aos processos em massa; artigo 59º, relativo aos contra-interessados). Nesta linha de raciocínio, prevê-se a possibilidade de litisconsórcio voluntário (activo ou passivo), quer em caso de coligação de autores contra um ou vários demandados, evidenciando-se uma única causa de pedir e pedidos distintos numa relação de prejudicialidade ou de dependência (artigo 12º/1/a)); quer na situação de existirem várias causas de pedir mas os pedidos suscitados possuirem idênticos fundamentos de facto e de direito (artigo 12º/1/b)). Quanto aos processos em massa, verifica-se que a protecção dos sujeitos intervenientes é a solução mais eficiente na óptica do funcionamento dos tribunais, não prejudicando a protecção individual. No que respeita à denominação "contra-interessados", Vasco Pereira da Silva manifesta-se pela infelicidade da solução inerente à mesma, sendo que tal revela um forte pendor de carga traumática da infância do Contencioso; assim, no entendimento da regência, os contra-interessados são sujeitos principais da relação jurídica multilateral, enquanto titulares de posições jurídicas de vantagem, conexas com as da Administração, intervindo nesses moldes no Processo Administrativo.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Acórdão 0701/09 - Necessário??

Antes da Reforma do Contencioso Administrativo, para que fosse possível a impugnabilidade contenciosa de actos administrativos era necessário esgotar todas as vias de impugnação administrativa para se conseguir chegar à impugnação contenciosa, daí o recurso hierárquico necessário ser um pressuposto processual fundamental para o uso da via contenciosa.
Ainda na fase da pré-reforma surgiram vozes discordantes como a do Professor Vasco Pereira da Silva que afirmava a inconstitucionalidade de tal diposição por violação do disposto no art. 268º/4 CRP. A doutrina do Professor "vence" e com a reforma é afastado o recurso hierárquico necessário como pressuposto processual para chegar à via contenciosa. Assim, hoje em dia, é possivel impugnar actos do subalterno por via contenciosa desde que preenchidos os requisitos da lesão de um direito do particular e a exterioridade da eficácia do acto. Vejamos então os artigos que o comprovam:
- art. 51º/1 CPTA: não impõe como pressuposro o recurso hierárquico necessário;
- art. 59º/4 CPTA: prevê que no caso de o particular optar por previamente usar a via administrativa, o prazo de impugnação contenciosa só volta a correr depois da decisão da via administrativa. Uma pequena reflexão sobre este artigo leva a crer que apesar de o recurso hierárquico necessário afinal ser desnecessário, ele não perde a sua importância em situações como esta.
- art. 59º/5 CPTA: consagra que mesmo que o particular opte pela via de impugnação administrativa, nada o impede de vir a impugnar imediatamente pela via contenciosa.
Em suma, o que se retira daqui é que os recursos passam então a ser todos facultativos, isto é, que a reclamação por via administrativa não é indispensável para se poder recorrer pela via contenciosa. Esta parece-nos ser a melhor doutrina.

O Acórdão sob judice coloca essencialmente o problema de saber se o despacho do Presidente da Câmara Municipal é de reclamação necessária, e portanto se a mesma é indispensável para passar à via contenciosa de impugnação da qualificação, ou se a reclamação é facultativa, e portanto o despacho é judicialmente recorrível.
O STA vem a concluir que " a reclamação prevista nos transcritos normativos é necessária e que, por isso, a mesma constitui pressuposto processual de uso de ulterior meio judicial de impugnação".
Assim, segundo o entendimento do acórdão deixa de ser aplicável a regra geral do art. 51º/1 CPTA, visto existir uma determinação legal expressa - a lei 10/2004 de 22 de Março e o Decreto Regulamentar 19-A/2004 de 14 de Maio - que prevê a necessidade de haver impugnação administrativa prévia à impugnação contenciosa.
Analisemos agora a posição da doutrina no que respeita a esta matéria. O Professor Vasco Pereira da Silva opta mais uma vez por defender a violação do regime previsto no art. 268º/4 CRP que estipula a desnecessidade de haver uma impugnação administrativa prévia. Por outro lado, o Professor Mário Aroso de Almeida e o Professor Vieira de Andrade defendem que a nova concepção do regime do CPTA após a reforma não abrange a revogação de regras especiais avulsas que exijam o recurso hierárquico necessário para a impugnação contenciosa, porque o CPTA não tem alcance para tal.
Posto isto reiteramos uma vez mais a nossa defesa pela posição do Professor Vasco Pereira da Silva.
No entanto, a jurisprudência do STA no acórdão em análise mostra-se defensora da doutrina seguida pelo Professor Mário Aroso de Almeida e pelo Professor Vieira de Andrade, interpretando restritivamente o novo regime do CPTA, o que consequentemente não implica a revogação das leis avulsas de natureza diversa da prevista no art. 51º/1 CPTA, prevalecendo então o regime previsto na Lei 10/2004 e no Decreto Regulamentar 19-A/2004 o que tem como consequência a consideração da reclamação como necessária.
Pelo exposto resta-me concluir que, salvo o devido respeito, discordo da posição adoptada pelo STA, entendendo então que é desnecessário exigir o recurso hierárquico para se poder chegar à via contenciosa o que me leva a não afastar o regime do art. 51º/1 CPTA ao caso concreto. Assim, e a título conclusivo, parece-me que com a reforma do contencioso foi revogado, ainda que tacitamente, o recurso hierarquico necessário.

Tatiana Castanheira
16890
Sub-Turma 3

Acórdão STA 0162/07 de 21-05-2008 - Para uma brevíssima introdução à matéria dos regulamentos

Ainda no âmbito do observatório da realidade deixo-vos o sumário de outro acórdão do STA, mas desta vez sobre a diferença entre acto administrativo e regulamento.

"I - A distinção entre acto administrativo e regulamento deve fazer-se através da apreciação das características da generalidade e abstracção.

II - A generalidade reporta-se à definição dos seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas; a abstracção significa, no caso, a definição das situações de vida a que se aplica a norma também por meio de conceitos ou categorias.O acto administrativo, ao invés, é individual, “reporta-se a uma pessoa ou algumas pessoas especificamente identificadas; e é concreto, isto é, visa regular uma certa situação bem caracterizada”.

III - O acto publicitado num Edital camarário que se dirige aos moradores de determinado Bairro, estabelecendo as condições a que ficará sujeito o direito de superfície a transmitir pela Câmara aos moradores que se encontram em determinadas condições, é um regulamento e não um acto administrativo.

IV - É de rejeitar, por ilegal, o pedido de declaração de ilegalidade de normas, formulado (directamente e não após o trânsito em julgado de três decisões que afirmem a respectiva ilegalidade) na vigência do ETAF, aprovado pelo DL 129/84, de 27 de Abril (com as alterações introduzidas pela Lei 49/96, de 4 de Setembro e pelo DL 229/96, de 29/11), se as normas em causa não são imediatamente operativas – isto é, no caso, não têm qualquer efeito sobre os seus possíveis destinatários, antes da cedência do direito de superfície se concretizar – (art.º 51.º, n.º 1, e), do aludido Estatuto)."

Mariana Pinto Ramos - subturma 3

Acórdão STA 0819/08 de 11-03-2010

No âmbito do observatório da realidade deixo-vos o sumário do Acórdão do STA sobre a matéria da declaração de ilegalidade de normas por omissão - artigo 77º CPTA, mais precisamente sobre a legitimidade processual aquando destas situações (77º/1).

"I - A referência a quem "alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão", constante do nº 1 do art. 77º do CPTA, deve entender-se como reportada à invocação de um interesse individual, que pode consistir numa posição jurídica substantiva ou num mero interesse de facto, devendo, em qualquer caso, tratar-se de um direito subjectivo ou de interesse de facto que derive directamente da norma, ou que seja por ela reconhecido, e que careça de regulamentação para se tornar exequível.

II - A esta luz, o prejuízo a que alude o preceito em causa reconduz-se à ofensa desse direito subjectivo ou interesse de facto, conferido ou reconhecido pela norma legal, ofensa essa consubstanciada na omissão ilegal da regulamentação que era necessária à sua exequibilidade.

III - Ao não publicar a portaria de regulamentação prevista no nº 6 do art. 195º do EMGNR, a Administração está, sem mais, e com essa omissão ilegal, a impedir os Autores, detentores de formação superior como Licenciados, de usufruírem do seu direito subjectivo, reconhecido na citada norma legal estatutária, de ingresso na categoria de oficial dos quadros da GNR, após a frequência de tirocínio de formação com aproveitamento, e no âmbito do preenchimento regular das vagas nos respectivos quadros, desfrutando consequentemente de todas as regalias inerentes a esse ingresso.

IV - A isso se reconduz, in casu, o prejuízo directamente resultante da situação de omissão, a que alude o art. 77º, nº 1 do CPTA, pelo que os Autores têm legitimidade para a acção administrativa especial de declaração de ilegalidade por omissão de regulamentação, prevista neste preceito legal."

Tarefa 2: O Procedimento administrativo como processo a um acto ou como processo de partes:

Actualmente, os processos do Contencioso Administrativo, são processos de partes, contrariamente à lógica Clássica do "processo ao acto", que consistia num tipo objectivo cuja finalidade seria a verificação da legalidade da actuação administrativa.
Segundo os parâmetros clássicos, não eram admitidos como partes no processo, nem o particular, nem a Administração, cuja única finalidade a que se apresentavam no processo era a colaboração com o Tribunal, sempre em vista da defesa da legalidade e do interesse público, excluindo a possibilidade de actuarem em interesse próprio, não havendo deste modo uma relação jurídica por ausência de partes, sendo que a autoridade que praticou o acto e o Tribunal constituem uma e só uma parte, nesta lógica objectivista.
Foi através da CRP de 1976 que ocorreu a qualificação de partes no Contencioso Administrativo Português, não obstante o termo ainda utilizado ("autoridade recorrida"), como vestígio dos "velhos traumas" (art.26º da LEPTA).
Para a plenitude do Contencioso Administrativo como um processo de partes, são partes o particular (que afirma a lesão de um direito) e a Administração (que defende a legalidade e o interesse público), perante um juíz, constituindo deste modo uma "tríplice aliança", encontrando-se tanto a Administração como o particular em igualdade processual (art. 6º CPTA), consagrando o princípio da igualdade (art. 13º CRP) de forma a que se estabeleçam barreiras aos privilégios da Administração, estando, tanto a Administração como o particular igualmente sujeitos ao princípio da cooperação e da boa fé (art.8º CPTA), contribuindo assim para a certeza de um modelo subjectivista completamente desprovido do passado objectivista, em sintonia com a CRP e com o princípio da separação de poderes no seu verdadeiro sentido.

Acção de Impugnação VS Acção de Condenação

A questão que se levanta entre optar pela proposição de uma acção de impugnação ou uma acção de condenação deve-se simplesmente ao facto de se estar perante um acto de indeferimento.
Antes de mais, e apenas por uma questão de curiosidade, esta questão não se coloca apenas no sistema português, é também um problema existente noutros sistemas, como por exemplo o alemão.

Na opinião de Mário Aroso de Almeida será de propor uma acção administrativa especial de impugnação quando o acto tiver conteúdo positivo e o particular apenas pretender que ele desapareça da ordem jurídica. Caso se esteja perante um acto de conteúdo negativo e o interessado quiser a sua substituição por outro acto, será de propor uma acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido. Por último, quando se trata de uma apreciação de litígios inseridos no âmbito de relações paritárias, será de propor uma acção administrativa comum.
Cingindo-nos agora mais concretamente à questão proposta pelo Prof Vasco Pereira da Silva, ou seja, saber se o particular, quando confrontado com um acto de indeferimento, deve propor uma acção de impugnação ou uma acção de condenação à prática de acto devido (ambas acções especiais como já vimos), a resposta mais correcta parece ser a propositura de uma acção de condenação à prática de acto devido, visto que nesta acção será apreciada a validade do indeferimento, seja este de mérito ou “liminar”. A acção de condenação á prática de acto devido será também a mais adequada para os casos de actos discricionários, sendo que nestes casos o juiz deve obedecer aos limites de pronúncia previstos no art. 71º nº2 CPTA, ou seja, não determinando o conteúdo do acto, mas apenas as vinculações a observar pela Administração.
Olhando para a questão de uma forma mais simples, a opção entre propor uma acção de impugnação ou uma acção de condenação à prática de acto devido diferencia-se pelo facto de a primeira se cingir à invalidação do acto impugnado, já a segunda vai mais longe, permitindo que o interessado obter não só a invalidade do acto, mas também a condenação da Administração em agir. Perguntar-se-ão, mas então e se em vez da propositura de uma acção de condenação se proceder à propositura de uma acção de impugnação cumulativamente com uma pedido de condenação – art. 47º, nº2, alínea a)? Mesmo nestes casos, a acção de condenação à prática de acto devido continua a ser mais “viável”, visto que esta tem um efeito duplo – verificação da validade do indeferimento e posterior condenação, não precisando de proceder a uma cumulação de pedidos que consigo pode trazer mais demoras.

Coloco eu agora uma questão... Será que no nosso sistema, como acontece no alemão, enganando-se o particular na via processual (ou seja, propor uma acção de impugnação em vez da acção de condenação à prática do acto devido), o Tribunal considere a pretensão inadmissível? Colaço Antunes, aquando da reforma, entendeu que se deveria deixar ao juiz o poder de corrigir, com base nos princípios pró actione e de tutela judicial efectiva, criando uma regra geral que defendesse esta mesma permissão, desde que o pressuposto da tempestividade, juntamente com os restantes pressupostos necessários para o meio processual devido, fosse respeitado. Hoje o nosso CPTA prevê claramente uma ideia contrária à seguida pelos tribunais alemães, como podemos verificar no art. 51º nº4 CPTA (“tribunal convida o autor a substituir petição “). O nosso sistema é contrário ao alemão no que diz respeito a esta questão, porque, tal como o Prof. Vasco Pereira da Silva refere no seu manual, o sistema português classifica ambos os pedidos (impugnação e condenação) como acção administrativa especial. Resolvido este problema, coloca-se um outro problema, o de saber se este “convite” é vinculativo ou não, ou seja, se o particular terá que alterar o meio processual, mesmo naqueles casos em que apenas pretenda a mera anulação do acto porque perdeu interesse na decisão do litígio. Esta questão apenas poderá ser respondida com base no caso concreto, mais concretamente, no interesse em agir. Deve-se comprovar que o interesse do particular reside na mera impugnação do acto por motivos de tutela judicial efectiva e não, como acontece em alguns casos, baseado numa intenção de escapar ao controlo do Direito. Não nos devemos esquecer, aquando da análise destas questões que no Direito Administrativo não se dá a consolidação de actos inválidos, apenas a mera convalidação.

Resta agora analisar o que acontece nos casos em que o acto administrativo é parcialmente desfavorável ao particular, como acontece com os actos de deferimento que contêm cláusulas acessórias, com condições que no entender do particular são ilegais. Propõe acção de impugnação ou acção de condenação à prática de acto devido? Nestes casos o interessado pretende em vez de uma anulação, uma modificação do acto, logo a recorrer à acção de impugnação, apenas poderia ser por via da redução pedindo anulação parcial, mas esta acção seria na mesma insuficiente porque iria dar lugar a um vazio que só a Administração ou o Tribunal poderiam preencher através de um pedido condenatório. Aplicamos então a acção de condenação ou recorremos à cumulação de pedidos – art. 47º, nº2, alínea a), cumulando com o pedido de impugnação com o pedido de condenação? A meu entender, seguindo a opinião da Dra. Paula Barbosa, a solução mais viável seria a acção de condenação, visto que através desta acção procede-se à anulação parcial e simultaneamente ao preenchimento do vazio criado por essa anulação, sem necessidade de cumular pedidos, sendo assim uma solução mais harmoniosa.


Angela Barros Chaves - subturma 11

domingo, 25 de abril de 2010

Recurso Hierárquico Necessário no Acórdão

O acórdão 07/01/09 de 11/03/2010, que nos foi dado para analisar levanta a questão controversa de saber se a impugnação do acto administrativo se encontra dependente da interposição de recurso hierárquico necessário.
O acórdão apresenta a situação do STAL, representante de B, que inconformado com o acórdão do TCAN, com fundamento na inimpugnabilidade do acto impugnado interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo.
O acto impugnado é o despacho do presente da câmara Municipal da Figueira da Foz, que indeferiu a reclamação do acto homologatório da avaliação do desempenho apresentado por B.
O procedimento para avaliação do desempenho é regulada por a lei nº 10/04 e pelos Decretos regulamentares nº19-A/04 e 6/06.
Passando a uma análise de Recurso hierárquico necessário.
Antes da Reforma a lei a fim de evitar a intervenção dos tribunais desnecessariamente em questões que tenham que ver com a impugnação de actos administrativos submetia o acesso aos tribunais a uma prévia pronúncia administrativa.
O Pr.Vasco Pereira da Silva defendia a inconstitucionalidade da regra do Recurso hierárquico necessário, por entender que existia uma violação de diversos princípios constitucionais que são eles: o principio da tutela dos direitos dos particulares (art.268º, nº4 da CRP); pr.da desconcentração administrativa (art.267º,nº2, da CRP), o pr.da efectividade da tutela (art.268º, nº4 da CRP) e por fim o pr. da separação entre a Administração e a justiça.
No entanto o Pr.Vasco Pereira da Silva encontrava-se algo isolado na sua opinião, já que tanto a jurisprudência (ex: Acórdão nº499/96 do TC) como a doutrina (ex: Prs.Mário A. de Almeida e Vieira de Andrade) tenham opiniões divergentes.
O Pr. Vieira de Andrade, no seu livro “ A justiça Administrativa” considera que a exigência desta regra em casos determinados não contraria o art.268.º, nº4 da CRP. Esta Regra é um condicionamento legítimo do Direito de Acção, não sendo uma restrição dado que não se impede o exercício posterior do direito de acção contra aquele acto, caso não haja pronúncia do órgão recorrido.
A jurisprudência, vai no mesmo sentido, defendendo que apenas haverá inconstitucionalidade se para chegar aos tribunais, se suprimir ou restringir de forma intolerável o direito do acesso ao tribunal ou se prejudicar a protecção judicial dos cidadãos. Defende-se que tal não acontece dado que os meios administrativos suspendem a eficácia do acto, são informais, e apresentam diversas vantagens (tais como: maior qualidade de pronuncia de entidade administrativa, maior facilidade da preparação da petição da acção).
Com a reforma do Contencioso, O CPTA deixa de fazer referência do requisito da definitividade (art.25º, n.1 da LPTA) e o art.34º da LPTA deixa de exigir a impugnação administrativa necessária como pressuposto da impugnabilidade. Há um alargamento da impugnabilidade dos actos administrativos que passa a ser determinada em razão da eficácia externa e da lesão do direito dos particulares (art.51.º, n.º1 do CPTA), dando cumprimento ao art.268.º da CRP. Por fim, dos art.51º e 59º decorre a regra de que a impugnação administrativa não é necessária para aceder aos tribunais,
Sendo assim actualmente as impugnações administrativas necessárias só são aceitáveis quando haja uma determinação expressa ou sentido inequívoco da lei.
Voltando ao Acórdão, a “matéria” referenciada no mesmo, a matéria do procedimento para avaliação do desempenho é regulamentada pela lei n.10/04 e nº6/06 aonde esta prevista a existência de reclamação, seguida de recurso hierárquico, tal situação leva a que a regra do art.51º seja inaplicável por existência de determinação legal expressa.


Bibliografia:
_ Vieira de Andrade, “A justiça Administrativa”, 6ªedição, pág.293-294
_Mário Aroso de Almeida, “O novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativo”, pag.146 a 148.
_Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2.ºEdiçao, pag.342 a 349
Daniela Almeida Subturma3 nr 15635

Evolução do Contencioso Administrativo nos Sistemas Britânico e Francês

O Contencioso Administrativo surgiu na sequência da Revolução Francesa (1789), enquanto movimento reactivo ao Antigo Regime (no qual vingava a ideia de Estado todo-poderoso insusceptível de ser julgado por qualquer juíz, evidenciando-se, assim, a concepção teórica de Estado, preconizada sobretudo por Maquiavel), exaltando-se a criação do Conselho de Estado como juiz privativo da Administração (cujo desiderato fulcral era obstar à actuação dos tribunais judiciais) e a criação de um contencioso especial para a Administração. Neste contexto, inicia-se a denominada, pelo professor Vasco Pereira da Silva, Fase do Pecado Original, sendo que esta traduziu uma flagrante promiscuidade entre a Administração e a Justiça, ou seja, entre as tarefas de administrar e julgar, uma vez que os tribunais comuns se encontravam proibídos de interferir na esfera da Administração, apelando ao princípio da separação de poderes. Implantou-se a ideia de "juíz doméstico" e os revolucionários franceses manifestram-se apologistas de que “julgar a Administração é ainda administrar” logo, se os tribunais comuns julgassem a Administração estavam a usufruir de um poder que não era o seu. Esta interpretação incorrecta do princípio da separação de poderes constituiu o cerne de um sistema em que o administrador era juíz e o juíz era administrador. Antagonicamente, no Reino Unido a concepção de separação de poderes que então vigorava assentava no facto de cada poder ser autónomo e independente, limitado reciprocamente, mas sem que isso significasse a sua integração em qualquer entidade superior. Deste modo, evidenciou-se uma submissão da Administração aos tribunais e às regras de “direito comum”. Neste sentido, assumiu-se a inexistência de um Direito Administrativo propriamente dito em Inglaterra, afirmação sustentada pela inexistência de normas, tribunais e privilégios, sendo que a ideia de que o Common Law não resolve tudo só veio a ser sufragada posteriormente, perante a inevitabilidade de apelo ao Direito Administrativo.
Com a passagem para o Estado Social, surgiu consequentemente uma Administração Prestadora e o Sistema Britânico sofreu, inevitavelmente, algumas perturbações. Deste modo, a maior intervenção dos poderes públicos na vida económica, social e cultural possibilitou a criação de normas reguladoras da actividade administrativa, assim como o reconhecimento a certas autoridades administrativas de poderes de autotutela das suas decisões e, inclusivamente do aparecimento de especificidades contenciosas, mesmo no que concerne ao funcionamento dos tribunais, sendo que uma jurisdição única não afasta uma progressiva especialização, na mesma linha de orientação de vasco Pereira da Silva.Todavia, veio a verificar-se um tendencial desfasamento do sistema administrativo britânico face à realidade de então, na medida em que o juíz do tribunal comum usufruiria de alguma discricionariedade, tornando menos efectivo o controlo judicial; evidencia-se crucial relevar que se criaram órgãos administrativos especiais, com tarefas administratibas e jurisdicionais, atendendo à existência de distintas normas processuais para os litígios administrativos.
Simultaneamente, o sistema francês já preconizava a jurisdicionalização do Contencioso Administrativo, inicinado-se a Fase do Baptismo, na qual as decisões do Conselho de Estado, que ainda na primeira fase deixaram de exigir a homologação do Chefe de Estado, se autonomizaram e se impuseram; deste modo, um órgão que era consultivo adquiriu carácter jurisdicional, apelando ao seu prestígio. Evidenciou-se um crescente afastamento do sistema francês no que diz respeito aos traumas da fase do pecado original na medida em que a Justiça Administrativa se autonomizava cada vez mais em relação ao poder administrativo.

De acordo com o supracitado, constacta-se uma aproximação entre os dois sistemas em questão pois, não obstante os distintos caminhos percorridos por cada um, ambos evidenciavam a existência de entidades autónomas encarregadas de fiscalizar a Administração: no sistema francês, tratavam-se de verdadeiros tribunais; no sistema britânico, assumiam-se entidades administrativas especiais.
A terceira fase, denominada pela regência por Fase do Crisma ou da Confirmação, consistiu em dois aspectos fulcrais: uma reafirmação da natureza jurisdicionalizada, através da qual o juíz exalta o gozo de plenos poderes relativamente à Administração; e uma consagração de uma dimensão subjectiva cujo escopo incidia na protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares.
A referida Confirmação traduz-se através de fénomenos de constitucionalização e de europeização (apelando ao Direito Comunitário). Neste contexto, no sistema francês, o Conselho Constitucional consagra que o Contencioso Administrativo é tarefa de verdadeiros tribunais e que os particulares gozam de direitos de acesso ao processo para a defesa das suas posições subjectivas em face da Administração. Salvaguarde-se que o sistema francês sofreu, posterioremente, reformas legislativas de extremo relevo. No que concerne ao sistema britânico, verificou-se um significativo incremento de processos referentes ao controlo judicial das decisões de autoridades públicas, considerando-se, consequentemente, o Contencioso Administrativo como parte integrante da Constituição material. Para esse efeito desempenhou também um papel crucial a actuação criadora dos juízes. Saliente-se que, simultaneamente, prosperava uma progressiva especialização do Contencioso Administrativo. Assim, denota-se uma reaproximação dos referidos sistemas em análise. Resta mencionar que a referida europeização tem revelado uma influência crecente pois, actualmente, é cada vez mais frequente o recurso a fontes europeias em matéria de Contencioso Administrativo, quer ao nível das fontes de Direito Comunitário (integração vertical), quer ao nível dos princípios consagrados pela União Europeia no âmbito do Processo Administrativo (integração horizontal).

Recurso hierárquico (Des)necessário?? - Análise do Ac. STA 0701/09

O acórdão em análise trata da situação de uma funcionária do Município da Figueira da Foz que reclamou para o Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz da avaliação de desempenho que lhe foi atibuída. O Presidente da Câmara, por despacho, negou provimento à reclamação apresentada pela funcionária. Este último despacho foi objecto de impugnação.
O recurso de revista era contra o Acórdão do TCAN que confirmou a sentença do TAF de Coimbra que julgou irrecorrível o acto do Presidente da Câmara de indeferimento da reclamação da avaliação de desempenho.
A questão central seria saber se o novo paradigma patente no art. 51º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, doravante CPTA, estaria em conflito com o regime previsto na Lei 10/2004 de 22 de Março e no Decreto-Regulamentar 19-A/2004 de 14 de Maio, que se aplicavam ao procedimento de avaliação de desempenho. Importaria saber qual a natureza da referida reclamação!
O STA, no acórdão referido, entendeu que é pacífica a relação entre o art.51.º/1 CPTA (regra geral - impugnabilidade dos actos administrativos em razão da eficácia externa e da lesão dos particulares, afastando a exigência de recurso hierárquico) e as impugnações administrattivas necessárias. Sendo assim, essa regra geral, segundo o entendimento sufragado no douto acórdão, deixaria de se aplicar sempre que existisse determinação legal expressa, anterior ou posterior à sua entrada em vigor, que previsse a necessidade de impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa.
Ora, no caso analisado pelo acórdão, os diplomas aplicados ao procedimento de avaliação de desempenho previam a existência de reclamação nesse procedimento, que seria necessária pois o referido decreto regulamenta a Lei 10/2004 e nesta apenas se diz que à fase de homologação se segue a fase de reclamação, por isso o decreto-regulamentar não pode conter mais ou dispor de forma diferente do que a lei regulamentada. Por isso, quando o art.28.º/1 do decreto-regulamentar dipõe "pode apresentar reclamação", tal disposição não pode ser entendida como meramente facultativa mas como necessária. Álém disso, sendo estes diplomas posteriores à entrada em vigor do CPTA e não existindo, in casu, norma revogatória expressa foi do entendimento do STA que o legislador pretendeu que a resolução do litígio fosse feita, numa primeira fase, pela Administração e só perante o fracasso dessa via se podia recorrer ao Tribunal.
Claro está, que este entendimento não está isento de críticas, não sendo por alguns autores sufrado.
Entre esses autores consta o Prof. Vasco Pereira da Silva. Segundo a sua opinião a exigência do prévio esgotamento das garantias administrativas como condição necessária do acesso aos tribunais (definitividade vertical) seria inconstitucional ,pois, seria uma negação do direito fundamental ao recurso contencioso.
Desperto para essa realidade, o legislador afastou, de modo expresso, essa necessidade de recurso hierárquico como condição de acesso aos tribunais.
Ao longo de todo o Código de Processo é visível esta tomada de atitude do legislador, nomeadamente, através da consagração da impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, não havendo qualquer referência no CPTA à necessidade de recurso hierárquico deve considerar-se como afastada. O que vale, na minha opinião, seguindo o Prof. Vasco Pereira da Silva, tanto para as disposições do CPTA como para qualquer lei avulsa que consagre a obrigatoriedade de recurso hieráquico. Sendo assim, á partida, no caso presente no acórdão, a exigência feita pelo Lei e pelo decreto-regulamentar referidos, estaria afastada pela regra geral do art.51º/1 CPTA. A atribuição de efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa do acto administartivo á utilização de garantias administrativas significa que, da perspectiva do particular, as garantias administartivas, nomeadamente o recurso hierárquico, passaram a ser sempre "desnecessárias", mas são úteis. Pois, o particular que opte previamente pela via administrativa sabe que o prazo para impugnação contenciosa só volta a correr depois da reapreciação administrativa. Por outro lado, mesmo quando tenha optado, primeiramente, pela via graciosa, o particular não fica impossibilitado de imediatamente impugnar por via contenciosa. Através deste factores, pode concluir-se que todas as garantias administrativas são, agora, "facultativas", não sendo pressuposto de acesso ao juiz.
Apesar destes argumentos, alguns autores defendem um entendimento diferente. Assim, na esteira do que foi entendido pelo STA, o Prof. Mário Aroso de Almeida defende uma interpretação restritiva do novo regime jurídico do CPTA. De acordo com este autor, existe apenas uma revogação expressa da regra geral da exigência de recurso hierárquico necessário, mas isso não implica a revogação de eventuais leis avulsas que contenham regras especiais, nem afastaria a possibilidade do estabelecimento de similares exigèncias em lei especial.
Salvo o devido respeito, não me parece, de todo, que este seja o melhor entendimento. E isso essencialmente por dois factores, para mim decisivos:
  • ao afirmar que apenas foi revogada a regra geral de exigência de recurso hierárquico e não as regras especiais, está-se a esquecer que as tais normas ditas "especiais" não eram especiais ao tempo da antiga regra geral.
  • por outro lado, essas regras contidas em leis avulsas, anteriores ou posteriores à reforma, não foram revogadas, simplesmente caducaram por falta de objecto.
Tudo isto visto, no meu entendimento a Lei 10/2004 e o referido decreto-regulementar, já não seriam aplicáveis, não exigiriam qualquer garantia administrativa, apenas claro está o particular teria essa faculdade, que podia ou não utilizar.
Em suma, parece-me perfeitamente desnecessário continuar a exigir recurso hierárquico quando tal exigência deixou de ser um pressuposto de impugnação dos actos administrativos. Pois até tal exigência colocaria em causa o princípio constitucional da separação entre a Administração e a Justiça, pois o direito de acesso ao tribunal estaria vedado pela não utilização de uma garantia administartiva.
Bibliografia:
"O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Vasco Pereira da Silva
"O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", Mário Aroso de Almeida
Trabalho realizado por:
Liliana Almeida, sub 3

Análise do Acórdão 0701/09, de 11-03-2010, do STA no contexto da impunação administrativa (des)necessária

No Acórdão em análise , o STA manifesta-se pela inexistência de conflito entre o disposto no artigo 51º/1 do CPTA e as impugnações administrativas necessárias, sendo que se defende que o referido preceito será inaplicável nas situações em que exista determinação legal expressa que remeta para a necessidade de impugnação administrativa, enquanto pressuposto de impugnação contenciosa.
Deste modo, o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 28º/1 do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2008 ao não considerar a reclamação em questão como necessária. Na sequência disso, foi também considerado que o artigo 51º/1 do CPTA fora incorrectamente interpretado. Torna-se fulcral remeter para a contra alegação realizada pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, na qual sobressaíram os argumentos de o recuroso apresentado carecer de quaisquer requisitos de excepcionalidade e de o despacho realizado pelo Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz não se tratar de um acto administrativo, mas antes de um acto confirmativo que nenhuma repercussão manifesta no conteúdo do acto administrativo de homologação de avaliação . Antagonicamente, o STA vem defender que o acto de avaliação, após a homologação, deve ser considerado acto administrativo, tornando-se susceptível de reclamação, recurso hierárquico e impugnação. Salvaguarde-se que a Procuradoria Geral da República emitiu um parecer manifestando-se pelo provimento do recurso hierárquico necessário, na medida em que, segundo o seu entendimento , o CPTA admite impugnações administrativas necessárias quando estas se encontrem especialmente previstas , tal como era o caso. Evidencía-se ainda que o acto impugnado assentava em fundamentos que não constavam do acto reclamado, pelo que o mesmo se apresentava como um acto com efeitos inovatórios e, como tal, contenciosamente impugnável.
Deste modo, os aspectos cruciais para contextualização do exposto supra, são o facto de a associada do A., B, se tratar de uma funcionária do Município da Figueira da Foz e ter-lhe sido atribuída a classificação de "Bom" no que concerne a uma avaliação referente ao seu desempenho . Insatisfeita,a destinatária reclamou desta avaliação que, por sinal, já tinha sido objecto de homologação, para o Presidente da referida CM. Face a isto, o Presidente da CM negou provimento à reclamação realizada ao despacho, após ter solicitado um parecer ao Conselho da Coordenação de Avaliação.
Verifica-se assim que, na mesma linha do TAF de Coimbra, também o TCAN julgou irrecorrível o acto do Presidente da Câmara, indeferindo a reclamação de avaliação e absolvendo o réu instância. Note-se que existiam previsões em distintos diplomas quanto à possibilidade de existir reclamação; porém, esta constituía num meio de impugnação meramente facultativo. Esse carácter facultativo resulta não só dos artigos 28º/1 do Decreto Regulamentar 19-A/04 de 14 de Maio, e 61º/1 do CPA, como também da circunstância de ser formulada perante o próprio autor do acto reclamado, não se evidenciando como prévia condição de acesso à via contenciosa.
O STA realiza assim duas considerações: exalta o carácter facultativo da reclamação e o facto de despacho emitido pelo Presidente da CM manter na ordem jurídica o anterior acto reclamado. Perante tal, o STA vem considerar que o acto de eficácia externa --- susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos e que produziu efeitos numa situação individual e concreta --- é o acto homologatório de avaliação de desempenho, em consonância com o disposto nos artigos 51º/1 e 51º/3 do CPTA, a contrario.
Neste sentido, coloca-se a questão de saber se, estando em causa uma reclamação facultativa, o despacho que sobre ela recaíu é juridicamente irrecorrível ou se, antagonicamente, esta é indispensável para a abertura da via contenciosa de impugnação. O STA sublinhou que a Revisão Constitucional de 1989 concedeu uma nova redacção ao disposto no artigo 284º/4 da CRP, tornando-se fulcral no âmbito da recorribilidade, já não a definitividade, como sucedera outrora, mas antes a lesividade do acto, o que traduz que já não seriam recorríveis os actos defintivos e executórios mas sim os q fossem lesivos dos direitos e interesses legítimos dos seus destinatários. Porém, evidencía-se na perspectiva do STA que esta revisão Constitucional não consagrou o direito à imediata impugnação judicial dos actos lesivos, pois ainda assim o artigo 25º/1 da LPTA era harmonizável com a nova redacção do artigo 284º/4 da CRP. Todavia, o artigo 51º/1 do CPTA sofreu uma significativa alteração colocando em voga a dúvida assente na necessidade de saber se todo o acto administrativo com eficácia externa podia ser imediata e judicialmente impugnado, sendo desnecessário prévio esgotamento da via administrativa. O STA defendeu que o artigo 51º/1 do CPTA se concilia com a existência de impugnações administrativas necessárias justificando este entendimento por o legislador do CPTA não ter querido revogar as múltiplas disposições avulsas que obrigavam à existência prévia de uma impugnação juducial do acto. Assim, a regra geral contida no artigo 51º/1 do CPTA seria inaplicável sempre que houvesse determinação legal expressa, anterior ou posterior, à sua entrada em vigor, que previsse a necessidade de impugnação administrativa, enquanto pressuposto de impugnação contenciosa.


O professor Vasco Pereira da Silva , a propósito deste tema, aborda também as transformações internas e externas do acto administrativo, sendo no âmbito das segundas que nos devemos focar para o efeito. Neste sentido, o professor Vasco Pereira da Silva revela-se apologista da inutilização da impugnação hierárquica necessária, apresentando distintos argumentos que serão de seguida enunciados. Assim, destaca-se o princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (268º/4, CRP), pois na óptica do professor, se não se admitir o recurso contencioso só porque previamente não tenha existido recurso hierárquico necessário, evidenciar-se-à uma verdadeira negação do direito fundamental de recurso contencioso; outro princípio posto em causa é o princípio constitucional de separação entre Administração e Justiça (artigos 114º, 205º e ss e 266º e ss da CRP), na medida em que não haveria direito de acesso ao tribunal se não se utilizasse uma garantia que neste caso seria o recurso hierárquico necessário; é também manifestamente relevante o princípio da desconcentração administrativa (artigo 267º/2 da CRP) pois, o artigo 142º do CPA permite que o superior hierárquico revogue os actos lesivos dos subalternos; o princípio da efectividade da tutela (artigo 268º/4 da CRP) destaca-se pela impugnabilidade da decisão administrativa se encontrar sujeita a 1 prazo de trinta dias (artigo 168º/2 do CPA) logo, se o particular estivesse dependente da existência de recurso hierárquico necessário, o referido prazo poderia ser manifestamente encurtado por estar na dependência do recurso. Na mesma linha de orientação, o professor Vasco Pereira da Silva defende que o legislador da reforma afastou de modo "expresso e inequívoco" a necessidade de recurso hierárquico necessário. Daí surge a possibilidade de um novo elenco de argumentos favoráveis à sustentabilidade desta posição. Primeiramente, exalta-se a consagração da impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja dotado de eficácia externa (artigo 51º/1 do CPTA); assim, os actos dos subalternos e os actos dos superiores hierárquicos, são susceptíveis de serem autonomamente impugnados, sendo que não havendo no CPA qualquer referência, expressa ou implícita, à necessidade de prévia interposição de uma garantia administrativa para o uso de meios contenciosos, ela deve ser afastada pela legislação contenciosa. Outro argumento incide na atribuição do efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo à utilização de garantias administrativas (artigo 59º/4), conferindo-se uma maior eficácia à utilização de garantias administrativas , uma vez que o particular que decida optar previamente por essa via , sabe agora que o prazo para impugnação contenciosa só voltará a correr depois da decisão do seu pedido de reapreciação do acto administrativo; acrescente-se, neste sentido, que o professor Vasco Pereira da Silva vai um pouco mais longe e manifesta-se apologista de que o ideal seria o legislador ter aproveitado a reforma para ter garantido a plena eficácia e utilidade das garantias administrativas; assim, para além de ter consagrado o efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa, poderia ter também consagrado o efeito suspensivo da própria execução. Outro argumento utilizado remete para o facto em que, mesmos nos casos em que o particular utilizou previamente uma garantia administrativa e beneficiou da consequente suspensão do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, estes factores não constituirem impedimento para que se recorra de imediato à via contenciosa (artigo 59º/5 do CPTA); actualmente é pacífico afirmar que não existe qualquer exigência no CPTA no que concerne aos actos administrativos terem que ser objecto de prévia impugnação administrativa para posteriormente lhes ser permitido serem objecto de impugnação contenciosa. Nesta linha de raciocínio, o professor Mario Aroso de Almeida revela-se também apologista deste entendimento não obstante efectuar uma interpretação restritiva e minimalista deste regime, através da qual se estaria aqui apenas perante uma revogação da regra geral da existência do recurso hierárquico necessário, constante do CPA, sendo que esta não implicaria a revogação de eventuais regras especiais, que consagrassem tal exigência, nem afastaria a possibilidade do estabelecimento de similares exigências em lei especial. Deste modo, para Mario Aroso de Almeida, estas disposições só poderiam desaparecer mediante disposição expressa que determinasse que todas elas se deviam considerar extintas. Noutras palavras, para o referido professor, os actos administrativos com eficácia externa passam a ser impugnáveis perante tribunais administrativos, sem a prévia utilização de qualquer via de impugnação administrativa; o mesmo não sucederia com com as decisões administrativas que continuariam a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso se encontre expressamente previsto na lei. Antagonicamente, Vasco Pereira da Silva contra argumenta referindo que se a unica razão de ser da necessidade de recurso hierárquico era a de permitir a impugnação do acto administrativo e agora se consagra sempre a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, não faria sentido considerar que tal exigência se mantinha, já que esta não poderia produzir efeitos do ponto de vista contencioso; deste modo, não é compreensível como se pode compatibilizar a "regra geral" da admissibilidade de acesso à justiça, independentemente de recurso hierárquico necessário, com as "regras especiais" que supostamente manteriam tal exigência. Além disso, afirmar que o CPTA revogou a "regra geral" do recurso hierárquico necessário do CPA mas não as "regras especiais" implicaria admitir que, antes da reforma, tais normas ditas "especiais" não possuiriam qualquer especialidade, pois ter-se-íam evidenciado como mera confirmação ou reiteração da regra geral de impugnação hierárquica necessária. Retornando os argumentos surgidos no seio da nova reforma, na linha de orientação de Vasco Pereira da Silva, é possível determinar também um argumento de cariz formal, assente no facto de tanto no que concerne às garantias constantes do CPA, como relativamente às que se encontrem contidas em legislação avulsa e independentemente de serem ou não anteriores à reforma, não se colocar em causa uma situação de revogação mas antes de caducidade por falta de objecto; verifica-se assim, que caducam pelo desaparecimento das circunstâncias de direito que as justificavam; além do exposto,de uma perspectiva constitucional, a regência considera que o recurso hierárquico necessário deveria ser considerado inscontitucional, sobretudo depois da reforma, face à qual tal questão se tornou inegável; assim, para que se permita que existam excepções quanto à desnecessidade de impugnação administrativa, teria que se aceitar um contencioso "privativo", uma vez que se estariam a criar "privilégios de foro" para certas categorias de actos administrativos, evidenciando-se uma violação do conteúdo essencial do princípio constitucional da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, assim como do princípio da igualdade de tratamento dos particulares, perante a Administração e perante a Justiça Administrativa. Por fim, é focado ainda um argumento de ordem simultaneamente sistemática e constitucional, que remete para o facto de o CPA, concretizando o direito fundamental de acesso ao Contencioso Administraivo (268º/4, CRP), estabelecer um princípio de "promoção do acesso à justiça" (artigo 7º do CPTA), segundo o qual o "mérito" deve prevalecer sobre as "formalidades", visando que se evitem "diligências inúteis" (artigo 8º/2, CPTA).

sábado, 24 de abril de 2010

Observatório da Realidade


Ao fim de 18 anos e de uma longa batalha judicial, o Supremo Tribunal Administrativo condenou o Serviço de Saúde da Região da Madeira a pagar uma indemnização de 241 mil euros à família de uma mulher que, em Junho de 1992, morreu no parto. O SESARAM tem agora 30 dias para pagar a indemnização e os juros que se foram acumulando. A família e o advogado esperam que isso aconteça e que não seja necessário recorrer aos tribunais para executar a pena.

O dinheiro da indemnização irá ajudar a filha, agora com 20 anos, a frequentar a universidade. Palavras para quê...


In Diário de Notícias da Madeira, 23/04/2010

No dia em que o Rei foi condenado à prática do acto devido

- os poderes de pronúncia dos druidas e o artigo 71.º/2 do CPTA.


Era uma vez um Rei de um reino distante. Esse Rei tinha muita vontade de fazer o bem, decidir o que era melhor e cumprir a lei. No reino desse Rei havia unicórnios, ogres e anões mineiros.
Havia também outras figuras míticas – como o “princípio da legalidade sempre obedecido” e um “contencioso administrativo encantado”.

Esse Rei queria muito administrar bem, mas tinha um problema: via muito mal.

Havia uma regra milenar que obrigava todos os monarcas a entregar um par de sapatos de cristal à princesa “vestida em tons de fogo” que cantasse a “canção preferida do Rei”.

Naquela tarde, cinco princesas foram cantar ao Rei: a Princesa Cor-de-Laranja de Orange, a Princesa Encarnada de Magenta, a Princesa Azul de Turquesa, a Princesa Verde das Florestas do Sul e a Princesinha Amarelinha “Casca-de-Ovo”.

O Rei era muito míope e, depois de ter ouvido todas as canções, decidiu (discricionariamente, afinal era a “canção preferida” dele!) entregar os sapatos de cristal à Princesa Azul de Turquesa que lhe pareceu cumprir os requisitos.

Foi o escândalo no reino! O povo saiu à rua em algazarra, mas já não houve arraial nem foguetes no ar. O Rei tinha violado a regra e tinha entregado os sapatos a uma Princesa “vestida em tons de mar” – toda a gente sabia que essas ganhavam peúgas de seda, e não sapatos de cristal!

Ora, os Duques de Orange eram, para além de grandes feiticeiros, juristas. Mais concretamente, administrativistas, e decidiram “condenar o rei à prática do acto devido”, no tribunal dos druidas brancos.

Então, através do regime CPTA desse reino (que, por coincidência, era igual ao Português de hoje em dia), o rei foi condenado a entregar os sapatos de cristal a uma princesa “vestida em tons de fogo”.

Os druidas eram sábios e amavam as plantas, os animais e a justiça administrativa. Esses juízes tinham muitos poderes, mas sabiam que só se podiam pronunciar como mandava o precioso artigo 71.º.

Então, e vendo muito bem o caso concreto, explicaram ao Rei que “tons de fogo” só podiam ser cores como o amarelo, o laranja e o encarnado. A Princesa Azul de Turquesa e a Princesa Verde da Floresta nunca poderiam receber os sapatos. E, neste caso concreto, nem a Princesinha Amarelinha “Casca-de-Ovo” poderia calçar o presente – nenhum fogo arde em amarelo tão claro!

E os druidas não determinaram o conteúdo do acto, mas explicitaram as vinculações a observar pelo Rei – deveria decidir (de acordo com todos os princípios gerais do procedimento) qual a canção preferida entre as que foram cantadas pela Princesa Cor-de-Laranja de Orange e a Princesa Encarnada de Magenta. E o Rei escolheu.

Os Duques de Orange não gostaram nada da solução, mas, como bons juristas, voltaram para o seu Palácio conformados. E a Princesa Encarnada de Magenta, com os sapatos de cristal, continuou a cantar como o bardo – “no dia em que o Rei fez anos…”


Abril de 2010
Miguel da Câmara Machado
(sub-turma 10, aluno n.º 16791)

“Necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais!”

Ainda a “impugnação administrativa necessária” e o Acórdão n.º 0701/09 do STA a 11 de Março de 2010


O acórdão que nos serviu de ponto de partida veio lembrar que “no procedimento para avaliação do desempenho regulamentado pela Lei n.º 10/04 e pelos Decretos Regulamentares n.º 19-A/04 e n.º 6/06 está prevista a existência de reclamação, à qual se seguirá recurso hierárquico, e sendo que estes diplomas são posteriores à entrada em vigor do CPTA é forçoso concluir que a reclamação neles prevista é necessária.”

Esta ideia de esgotamento das vias de interpelação administrativa antes da possibilidade de escolha da via contenciosa choca com a tese defendida por Vasco Pereira da Silva que encontra na lógica do CPTA uma desnecessidade de impugnação prévia na via administrativa (segundo este Professor, se tanto teremos um “recurso hierárquico útil” – pelo regime do art. 59.º/1 do CPTA “ganha-se prazo” – convivendo com a possibilidade do particular poder desistir de esperar pela Administração.

Assim, a posição do Regente da Cadeira é simples: o particular, perante um acto do subalterno tem três hipóteses - (1) impugnação contenciosa directamente do acto; (2) usar a garantia administrativa, “antigo recurso hierárquico necessário”, impugnação administrativa do prazo, suspendendo-se os prazos e (2.1) espera pela resposta da administração; (2.2) impugna directamente sem esperar.

Vasco Pereira da Silva, a propósito do direito fundamental a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, consagrado no artigo 268.º/4 da CRP, concebe-o como “pedra angular” e leva esse direito à sua extensão máxima (veja-se, a propósito deste tema, a discussão com Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida), pretendendo superar os “traumas da infância” com uma “emancipação antecipada” que até impressiona pela necessidade de negar a necessidade do recurso escudada na Constituição – ainda que a alteração de paradigma operada pelas mais recentes alterações legislativas tenha feito o “recurso hierárquico necessário” entrar em “vias de extinção” (não entraremos no problema da “mega-revogação” das normas que consagravam recursos hierárquicos necessários antes apenas confirmando e, agora, eventualmente, excepcionando, a regra geral), não nos parece ser este caminho contrário à Constituição.

Concordamos com a posição de Vieira de Andrade , contra Salgado Matos , que não encontra na eventual consagração legal deste pressuposto uma contrariedade ao art. 268.º/4, apenas um “condicionamento legítimo do direito de acção contra actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos” – não estamos, sequer, perante uma restrição, dado que não impede o exercício posterior do direito de acção contra aquele mesmo acto, seja quando não haja pronúncia autónoma do órgão recorrido, seja mesmo quando haja acto expresso que decida o recurso” – remetendo-nos depois para outros Acórdãos do STA no mesmo sentido daquele que nos serviu de ponto de partida.

Parece-nos, então, que a questão se coloca em vários planos (e evite-se a discussão de saber se existe ou não alguma regra que consagra um recurso hierárquico necessário – será, certamente, excepcional).

Em primeiro lugar, os “traumas de infância” do Contencioso Administrativo, e a (bem) abandonada “presunção” de que a Administração decidia bem, não devem dar lugar a uma presunção contrária. A ideia repetida de que o superior irá confirmar o acto não deve ter-se como aceite, ainda mais quando for evidente que o acto ofende e deve ser impugnado. Não apenas os custos (monetários e de “entupimento dos tribunais”), mas também a lógica lembrada por Vieira de Andrade de que os meios de impugnação administrativa “quando a lei os considere ‘necessários’” são informais e permitem uma interposição mais fácil, barata e rápida são argumentos para ir para além da “utilidade” do recurso. Defender a contrariedade à Constituição é, não apenas optar por esta presunção de que a Administração confirma o que decide mal (ainda que apenas subliminarmente), como negar a legitimidade de um condicionamento que parece perfeitamente legítimo.

Como se o “direito ao voto” implicasse levar a sua concretização ao máximo – com mesas de voto abertas 24 horas por dia e a receber votos de qualquer eleitor em qualquer ponto do país.

Perceber se o núcleo do direito fundamental a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, consagrado no artigo 268.º/4 da CRP é tocado se houver em algum caso a consagração (excepcional - seja nos casos antigos que Aroso de Almeida, Freitas do Amaral e Vieira de Andrade ainda aceitam; seja nos eventuais “casos novos”, como este que se parece encontrar no Acórdão) de recursos hierárquicos necessários é a questão que nos ocupa.

Então, lembremos o que escrevem os Juízes do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito dos regimes dos artigos 13.º e 14.º da Lei 10/04 e dos artigos 22.º, 28.º e 29.º do Decreto-Regulamentar 19-A/04: “o legislador quis que, numa primeira fase, a resolução do litígio pudesse ser feita ou, pelo menos, tentada no seio da Administração e que só perante o insucesso desta tentativa se podia recorrer a Tribunal”. Este parágrafo só parece confirmar a ideia de que temos “novos recursos hierárquicos necessários”.

Ainda, o “Acórdão do Pleno foi claro ao afirmar que o novo paradigma de impugnação contenciosa dos actos administrativos lesivos introduzido pelo art.º 51.º/1 do CPTA não determinou a revogação das normas existentes em diplomas avulsos que previssem, em termos expressos, a existência reclamações graciosas inseridas num determinado procedimento. E que, por ser assim, e, salvo disposição em contrário, tais reclamações continuaram a ser necessárias para a abertura da via contenciosa. Ora, in casu, essa norma revogatória não existe”- a posição do Supremo é, também aqui, clara, optando pela posição contrária à de Vasco Pereira da Silva. Não querendo tomar posição nesse debate, não deixamos de questionar a facilidade com que o Tribunal toma esta posição sem argumentar nesse sentido, desmontando a eventual “revogação tácita” introduzida pelo 51.º/1 do CPTA – remetemos a leitura desses argumentos para os locais indicados, nas obras dos Professores já referidos.

Por fim, decidem os Juízes: “nesta conformidade, é forçoso concluir que a reclamação prevista nos transcritos normativos é necessária e que, por isso, a mesma constitui pressuposto processual do uso de ulterior meio judicial de impugnação”.
Tendemos a concordar que, neste caso, deverá entender-se existir uma reclamação necessária e que, por tudo o que tem sido dito, ainda que sinteticamente, não choca com o direito fundamental em análise. Afinal até o processo executivo civil pressupõe um processo declarativo civil, ou, pelo menos um título executivo que, para ter exequibilidade poderá carecer de prévia interpelação do executado.

O artigo 51.º/1 do CPTA desenha um princípio geral em que não há recurso hierárquico necessário e, com esse princípio, aumenta o catálogo de actos administrativos impugnáveis e até, acreditamos, garante melhor a tutela plena e efectiva prevista no artigo 268.º/4 da CRP. No entanto, é um princípio e não uma regra (lembremos a repetida distinção de Alexy e, entre nós, David Duarte) e é uma opção de um legislador que não foi claro na extensão que queria dar ao âmbito de aplicação dessa norma.

Quanto à invocação dos números 4 e 5 do artigo 59.º do CPTA nesta discussão parece-nos despropositada. Se o regime do número 4 confortará aqueles que encontram nas eventuais reclamações necessárias, caminhos lógicos (afinal os prazos suspendem-se!), bastará para que outros apenas aí vejam uma regra sobre “recursos hierárquicos úteis”. E o regime do número 5, que poderá servir para sustentar uma “desnecessidade geral” de recursos hierárquicos, poderá ser uma mera concretização, quanto aos prazos, da regra geral do artigo 51.º do CPTA, devendo verificar-se, em cada caso, se haverá algum outro impedimento (que não a suspensão de prazos do número 4) que impeça os interessados de procederem à impugnação contenciosa dos actos na pendência de impugnação administrativa.

É neste espaço – o tema dos prazos – que encontramos maior extensão para o problema do direito fundamental a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, consagrado no artigo 268.º/4 da CRP, em cada caso deveremos compatibilizar regimes que não foram totalmente alterados e tornados compatíveis (lembre-se a solução que avançámos em aula prática para “salvar a conformidade à Constituição de recursos hierárquicos necessários” – aplicando os prazos do 58.º CPTA aos prazos para impugnação de actos com eventual regime de recurso hierárquico necessário – esta construção partirá, e carecerá de desenvolvimentos, dos artigos 268.º da CRP, 9.º do CC, e de outras regras de interpretação conforme à Constituição que poderemos desenvolver noutro local).

Assim, não encontramos qualquer imposição constitucional de afastamento dos “recursos hierárquicos necessários” e vemos até com muito pesar essa alteração de paradigma, como o adolescente que passa a presumir que os pais estão sempre enganados e não o compreendem. Isso é mau para a Administração, mau para o Contencioso Administrativo e mau para os particulares.

Como cantava o urso Balu no filme “O Livro da Selva” – “necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais” – também assim devem os particulares encontrar a via contenciosa, como extraordinária. E, muitas vezes, é demais (em todos os sentidos!).

Abril de 2010
Miguel da Câmara Machado
(sub-turma 10, aluno n.º 16791)

Articulação entre a acção impugnatória e a acção condenatória: o acto de indeferimento

O âmbito de aplicação das acções de impugnação de acto administrativo e de condenação à prática de acto devido parece, à partida, de fácil definição. Se o acto tiver um conteúdo positivo e o particular quiser opor-se à sua manutenção na ordem jurídica, o meio processual adequado será a impugnação; se o acto tiver um conteúdo negativo e o interessado quiser a sua substituição por outro acto favorável às suas pretensões, a via contenciosa a seguir será a condenação.

Mediante este entendimento, um acto de indeferimento (sendo um acto de conteúdo negativo) deve ser objecto de uma acção condenatória, uma vez que o particular pretenderá que a Administração proceda à prática do acto previamente recusada. Além disso, a sentença a proferir na acção de condenação será sempre mais ampla que na acção de impugnação – na primeira conseguir-se-á a condenação da Administração a praticar o acto devido e a eliminação do acto de indeferimento da ordem jurídica (art. 66º, nº2 do CPTA), enquanto na segunda obter-se-á apenas a eliminação.

Mas será que o administrado, face a um acto de indeferimento, pode já não pretender obter o acto administrativo e desejar apenas a invalidação daquele acto? Poderá o particular, em vez de propor uma acção condenatória, limitar-se a impugnar o acto de indeferimento? Será este interesse juridicamente relevante?

A lei parece responder de forma negativa, na medida em que se for deduzido um pedido de impugnação contra um acto de indeferimento, o tribunal convida o autor a substituir a petição com o adequado pedido de condenação à prática de acto devido (art. 51º, nº4 do CPTA).

Porém, o Professor Vieira de Andrade considera que o referido preceito legal, interpretado em função dos princípios do dispositivo e da tutela judicial efectiva, “não deve excluir a impugnabilidade autónoma de decisões de indeferimento, designadamente quando o particular demonstre um interesse relevante (interesse em agir) ou até porventura mesmo um direito à declaração de nulidade do acto”.

No primeiro caso, o Professor admite as situações em que o particular perca o interesse imediato na prática do acto administrativo, mas pretenda salvaguardar a hipótese de no futuro a requerer, mantendo o interesse na anulação do indeferimento que considera ilegal; no segundo caso, dá o exemplo do particular que tem o direito de impugnar para pedir a declaração de nulidade, passados três meses sobre a prática do acto, tendo em conta a circunstância de a acção de condenação à prática de acto devido estar sujeita a um prazo de caducidade.

Quanto à falta de interesse actual na prática do acto, aliada à salvaguarda da possibilidade de vir a pedi-la no futuro, não se vê como a acção impugnatória será mais útil. Vejamos o caso de um acto de indeferimento de uma licença de construção, que o administrado não pretende realizar imediatamente. Como ensina o Professor Vasco Pereira da Silva, nestes casos, “a sentença de condenação satisfaz completamente o interesse do particular, sem qualquer inconveniente e com todas as vantagens para o particular, já que lhe permite a faculdade de construir tanto no futuro como no presente”. Deste modo, dada a amplitude da sentença condenatória, não parece que exista um interesse atendível em propor antes uma acção de impugnação.

No que diz respeito ao exemplo relativo à declaração de nulidade, se entendermos que o legislador, ao mandar aplicar os artigos 59º e 60º ao prazo de propositura da acção de condenação em caso de indeferimento (art. 69º, nº3 do CPTA), também tinha a intenção de considerar aplicável o art. 58º, já deixa de fazer sentido recorrer à acção impugnatória, uma vez que o prazo para a acção condenatória não valeria em caso de nulidade de indeferimento expresso (art. 58º, nº1 do CPTA).

Outra hipótese levantada pela doutrina, no sentido da admissibilidade de interposição de acção impugnatória de acto de indeferimento, foi a do administrado já não ter em vista o acto devido, mas pretender a invalidação do acto de indeferimento para efeitos indemnizatórios. Neste caso, responde o Professor Vasco Pereira da Silva que “tal pretensão indemnizatória não justificaria a aplicação da acção de impugnação, devendo seguir os trâmites do art. 38º, procedendo-se, nesse âmbito, à apreciação incidental da legalidade do indeferimento”. A acção administrativa comum resolveria, assim, a questão colocada.

Em conformidade com a lei, o Professor Mário Aroso de Almeida afasta a existência de um interesse em agir que justifique a impugnação do acto de indeferimento, não concebendo situações em que possa haver qualquer vantagem em obter a invalidação do acto desfavorável em vez da condenação no comportamento devido. A seu ver, a admissão da utilização isolada de um pedido de impugnação exigiria a verificação de dois requisitos: “o autor deve demonstrar de modo concludente que da anulação do acto de indeferimento resulta para ele uma utilidade que dá resposta a uma sua necessidade efectiva de tutela judicial; por outro lado, não deve ser menos concludente a demonstração de que essa utilidade não é proporcionada pela condenação à prática do acto administrativo em causa”.

Por outro lado, se há dificuldade em criar uma situação em que a impugnação seja mais adequada que a condenação face ao acto de indeferimento, evidente é a possibilidade de cumulação das duas acções (art. 4º, nº2, “c” e art. 47º, nº2, “a” do CPTA), mesmo em casos de indeferimento, pelo menos se parcial e verificado na pendência da acção (art. 70º, nº3 do CPTA). Neste sentido avança o Professor Vieira de Andrade, considerando ainda que quando o indeferimento seja um efeito indirecto – como acontece com os actos de conteúdo ambivalente (de que é paradigma a decisão de selecção para nomeação nos procedimentos concursais) -, há todo o interesse em cumular o pedido impugnatório com o pedido condenatório.

Em conclusão, embora reconheça que é difícil conceber casos em que a acção de impugnação contra um acto de indeferimento seja mais favorável ao particular, também não me parece que haja motivo para entender o art. 51º, nº4 do CPTA de forma inflexível, impedindo o administrado de alegar o seu potencial interesse na acção impugnatória. Se esse interesse for comprovado, creio que, em nome do princípio da tutela judicial efectiva (art. 268º, nº4 da CRP), deverá ser tutelado.
Alexandra Valpaços (subturma 10)