Data: 18/05/2010
Processo nº 101/2010
A jurisdição competente é a administrativa nos termos do art. 4º, n.º 1, al. f) do ETAF.
O Ministério Público, enquanto organismo estadual tem como tarefa principal a defesa, a título institucional, da legalidade e do interesse público, nos termos do art. 219º nº 1 da CRP e do art. 1º do Estatuto do Ministério Público. Desde a reforma do Contencioso Administrativo de 2004, o MP tem poderes alargados de intervenção no processo, tanto a nível de emissão de pareceres como (85º/1 do CPTA) como enquanto autor (85º nº1, última parte). Nos termos dos poderes que lhe competem enquanto sujeito processual, por via da acção pública e atentando o disposto no art. 9º nº 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, o MP tem legitimidade para intervir no âmbito da presente acção administrativa.
Cabendo ao Ministério Público, nos termos do artigo 85º CPTA, os poderes de intervenção nos processos em que não se afigura parte e tendo sido recebida petição inicial com os documentos que a instruem cabe-nos apreciar o mérito da causa, visto estarem preenchidos os requisitos do artigo 85º nº 2.
A acção em questão é susceptível de tutela jurisdicional efectiva pelo art. 2º nº1 CPTA, visto que aos direitos e interesses protegidos corresponde uma tutela jurisdicional que visa obter a anulação do acto administrativo (art. 2º nº2 al. d)) e cumulativamente a condenação à prática do acto administrativo legalmente devidos (art. 2º nº2 al. i) CPTA). Esta cumulação é admissível nos termos do art. 4º nº1 al. a) e art. 4º nº2 c) CPTA). Desta forma, está-se no âmbito da acção administrativa especial (art. 46º nº1 e nº2 al. a) e b)). Considera-se, ainda possível uma cumulação subsidiária ao pedido de anulação de acto administrativo, visto que existe uma relação material de conexão com este (art.47º nº1). Assim cumular-se-ia ao pedido de anulação o pedido de condenação da administração à adopção dos actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (art.47º nº2 b)). Quanto à impugnação do acto aplicam-se os arts. 50º nº1, 51º nº1 CPTA.
Em primeiro lugar, no que concerne à excepção de ineptidão da Petição Inicial invocada pelo R. verifica-se que a secretaria deveria ter recusado o recebimento da mesma por aplicação do artigo 80º nº 1 alínea c) por não ter sido indicado o valor da causa como estabelece o artigo 78º nº 2 alínea i) nem a identificação dos documentos que acompanham a petição (artigo 78º nº 2 m)).
No que diz respeito à excepção de ilegitimidade invocada pelo R. importa referir que apesar de António Atento não ser filiado e, como tal, Luís Sindicalista não poder representá-lo, ainda assim este terá legitimidade por aplicação do artigo 9º nº 2 CPTA que confere legitimidade às associações defensoras dos interesses dos seus associados, independentemente de terem interesse pessoal na demanda. Com efeito, Luís Sindicalista não está apenas a defender os interesses de António Atento mas sim de todos os trabalhadores da Função Pública que estejam em situações idênticas à de António, como aliás já sucedeu em centenas de casos idênticos, de modo a evitar que o mesmo suceda futuramente.
Por outro lado, uma vez que os dois autores intentaram a acção em regime de coligação, mesmo que Luís Sindicalista não tivesse legitimidade tal não implicaria a absolvição da instância (artigo 89º nº 1 alínea d) e artigo 12º nº 4), devendo a acção prosseguir por se verificar a legitimidade de António Atento.
Não obstante tal situação constituir uma excepção dilatória que dá lugar à absolvição da instância (artigo 89º nº 1 alínea a)) é possível o seu suprimento por intervenção do juiz que deve procurar corrigir oficiosamente a ineptidão da petição, nos termos do artigo 88º CPTA.
Importa, primeiramente referir que o Centro de Emprego constitui uma unidade orgânica local que se encontra inserida nos serviços regionais organizados de forma descentralizada em função das áreas de actuação a nível territorial, ao qual é aplicável o art. 26º nº1 al. c) da Portaria nº 637/2007 de 30 de Maio e está inserida no Instituto de Emprego e Formação Profissional, “abreviadamente designado por IEFP, I.P.,” e é “um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio.” (art.1º nº1 DL 213/2007 de 29 de Maio).
O estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local e regional do Estado é regido pela Lei 51/2005 de 30 de Agosto, tal como delimita o seu artigo 1º nº 1 sendo aplicável aos institutos públicos por força do nº 2 deste mesmo artigo.
Deste modo, de acordo com o art. 2º nº1 da Lei 51/2005 a direcção do instituto e seus serviços centrais e regionais é exercida por cargos dirigentes, cargos estes que consistem em cargos de direcção, gestão, controlo e coordenação dos serviços, estando abrangidos pela Lei 51/2005 no seu art. 1º nº1.
No que diz respeito aos cargos de direcção estes qualificam-se em cargos de direcção superior e em cargos de direcção intermédia, de acordo o art.2º nº2 da Lei 51/2005 e podem subdividir-se em dois graus, em função do nível hierárquico, das competências e das responsabilidades que lhes estão cometidas, tal como prevê o referido preceito. Constituem cargos de direcção superior de 1º grau, os de director-geral, secretário-geral, inspector-geral e presidente e são de 2º grau os de subdirector-geral, adjunto do secretário-geral, subinspector-geral, vice-presidente e vogal de direcção, de acordo com o nº 3 do artigo 2º da referida lei.
No âmbito da presente acção estamos perante um cargo de director de centro pelo que se trata de um cargo de direcção intermédia de 1º grau, tal como definido pelo nº 4.
Ora, de acordo com a lei nº 51/2005 a nomeação de director de centro tem que ser feita através da abertura de concurso público nos termos do artigo 20º e 21º (além de ser exigida a sua publicação em Diário da República, na 2ª Série, de acordo com o artigo 21º nº 2 da lei nº 51/2005), sendo que nos termos do artigo 20º nº 1 é exigido que o funcionário candidato apresente determinados requisitos, nomeadamente serem “licenciados dotados de competência técnica e aptidão para o exercício de funções de direcção, coordenação e controlo que reúnam seis ou quatro anos de experiência profissional em funções, cargos, carreiras ou categorias para cujo exercício ou provimento seja exigível uma licenciatura, consoante se trate de cargo de direcção intermédia do 1º grau ou do 2º grau, respectivamente”.
Por outro lado, o nº 4 do referido preceito estabelece que nos casos em que o procedimento concursal fique deserto ou em que nenhum dos candidatos reúna condições para ser nomeado nos termos do nº 6 do art. 21º, “…os titulares dos cargos de direcção intermédia podem igualmente ser recrutados, em subsequente procedimento concursal, de entre indivíduos licenciados sem vínculo à Administração Pública que reúnam os requisitos previstos no nº 1….”.
Assim, a lei é clara em exigir a abertura de concurso público para o recrutamento de futuro nomeado para o titular do cargo de direcção intermédia, tanto mais que nos termos do artigo 21º nº 1 o procedimento concursal é publicitado na bolsa de emprego público durante um prazo de 10 dias, aliás com a indicação dos requisitos formais de provimento, preocupando-se a lei em dar a conhecer, atempada e publicamente, a existência do concurso e respectivos requisitos de acesso. Como é evidente, é do interesse público que assim se proceda a fim de garantir iguais condições de acesso aos cargos da Administração Pública, com total transparência e isenção.
Ora, nos termos presentes na acção dirigida a este tribunal e em relação à qual o Ministério Público tem de se pronunciar, verifica-se que em virtude de ter ocorrido vacatura do lugar na sequência da morte do anterior director do centro Joaquim Maçaroca no dia 9 de Janeiro de 2010 esta primeira substituição ocorreu legitimamente.
Todavia, quanto à segunda nomeação de João Sempre Disponível em regime de substituição, verifica-se que o R. fundamenta a sua defesa com base no regime da substituição, alegando que não houve qualquer preterição das regras estabelecidas na lei e que todo o seu regime foi respeitado. Com o devido respeito, não se pode, contudo, concordar com tal opinião.
Atente-se que nos termos do artigo 27º da Lei nº 51/2005 o regime da substituição para os cargos dirigentes apenas pode ocorrer nos casos de ausência ou impedimento do respectivo titular quando se preveja que tais situações irão persistir por mais de 60 dias ou na situação de haver vacatura do lugar (nº 1), sendo que a substituição cessa quando o titular retome as suas funções ou decorridos os 60 dias sobre a data em que ocorreu vacatura do lugar (nº 4), exigindo-se ainda que a nomeação em regime de substituição seja realizada pela entidade competente, com observância “ de todos os requisitos legais exigidos para o provimento do cargo” (nº 2).
Assim sendo, facilmente se compreende que o sentido legal subjacente ao regime da substituição não constitui uma forma de contratação, funciona apenas como uma transferência temporária de cargo por motivos de impedimento, ausência ou vacatura do lugar.
Não esqueçamos que estamos perante uma exigência da própria CRP que no seu artigo 50º consagra o direito de acesso a cargos públicos prevendo que todos os cidadãos têm o direito de aceder a estes cargos em condições de igualdade e liberdade (nº 1).
Ora, o que sucede neste caso é efectivamente uma cessação da substituição depois de ultrapassados os 60 dias após a data da vacatura do lugar, tal como impõe o artigo 27º nº 3, de modo que não estando sequer aberto procedimento concursal pelo facto de ter sido adiado não é possível invocar a ressalva da parte final do nº 3 do referido artigo. De facto, tal como o próprio R. afirmou: “Era intenção do R. proceder à abertura do concurso público”, embora tenha sucedido que “a insuficiência de pessoal impossibilitou a abertura de procedimento concursal”, de modo que não está a decorrer nenhum procedimento concursal.
Efectivamente, nada na lei dispõe que o concurso possa ser adiado, pelo que aquilo que consta na lei, expressamente, é a obrigatoriedade da abertura do concurso,
Assim sendo, seria necessária a abertura do concurso público o que não ocorreu, segundo o Presidente do IEFP, devido à insuficiência do pessoal de serviço que dirige, o que o impediria de realizar o concurso público dentro do prazo legal. Sucede que tal argumento não é procedente em virtude de a lei ser clara em exigir a abertura de concurso público e, ainda que seja exigida a constituição de um júri composto por três elementos, nos termos do nº 3 do artigo 21º, certo é que o nº 7 deste mesmo preceito prevê que a pedido do serviço ou organismo interessado, o procedimento do concurso pode ser assegurado por entidade pública competente, integrada em diferente ministério, com dispensa de constituição de júri mas com intervenção do elemento previsto na alínea c) do nº 3 do artigo 21º, ou seja, apenas com a intervenção de “indivíduo de reconhecida competência na área funcional respectiva, designado por estabelecimento de ensino de nível superior ou por associação pública representativa de profissão correspondente”.
Deste modo, sempre seria possível a constituição de júri, mais que não fosse com o pedido de intervenção da associação pública representativa de profissão correspondente, verificando-se que o Presidente do IEFP, Manuel Venham Mais Cem, limitou-se a manter uma atitude de inércia perante uma suposta “insuficiência de pessoal do serviço que dirige”.
Por outro lado, não podemos esquecer que não corresponde ao espírito da Lei 51/2005 criar um mecanismo de substituições consecutivas, prolongáveis ad infinitum, com desrespeito pelo interesse público, já que constitui um direito previsto na lei fundamental o acesso aos cargos públicos e é do interesse de toda a comunidade que se realize o procedimento concursal a fim de encontrar o candidato que satisfaça, com melhores condições, os requisitos de acesso ao cargo.
Relembre-se, ainda, as consequências do regime de substituição para os nomeados por este regime, tal como consta do artigo 29º da Lei 51/2005 que prevê o direito de acesso na carreira, estabelecendo-se no nº 1 que o tempo de serviço prestado no exercício de cargos dirigentes conta como tendo sido prestado no lugar de origem, inclusive para efeitos de promoção e progressão na carreira, assim como na categoria em que o funcionário se encontre integrado, sendo este regime aplicável aos casos de substituição por força do nº 4 do artigo 29º, para além do benefício da remuneração pela nova categoria e escalão, de acordo com o nº 6, pelo que esta nomeação acaba por repercutir-se positivamente na carreira profissional do nomeado em regime de substituição, com prejuízo para todos aqueles que não tiveram a possibilidade de concorrerem ao cargo por não ter sido aberto concurso público, o que não se pode admitir em face do Princípio da Igualdade.
Acresce a tudo quanto aqui se expõe que não estamos perante um caso isolado ou uma situação excepcional e nunca antes presenciada, muito pelo contrário, já se contam centenas de casos similares, um pouco por todo o país, o que convoca a atenção por parte dos tribunais para este panorama que insiste em repetir-se e que é justificado pelo Presidente do IEFP sempre com base no mesmo argumento: a insuficiência de pessoal de serviço, revelando uma atitude de indiferença perante o regime legal que é expresso em impor a abertura de concurso público e a limitar os casos de substituição a situações restritas, expressamente delimitadas na lei.
Saliente-se que os Princípios de actuação consagrados na Secção II da Lei 51/2005 implicam para os titulares de cargos dirigentes uma actuação que tem por missão, nos termos do artigo 3º da referida lei, assegurar o bom desempenho das atribuições do serviço, através da optimização dos recursos humanos, financeiros e materiais, o que se verifica não estar a ser cumprido em virtude de já terem surgido centenas de casos idênticos de pessoas nomeadas em regime de substituição sem existência de concurso público, alegadamente devido à insuficiência de meios humanos. Igualmente, prevê o artigo 7º nº 1 alínea d) da mencionada lei que compete aos titulares de cargos de direcção superior de 1º grau (que é o cargo que aqui nos interessa em virtude do R. ser o Presidente Manuel Venham Mais Cem) “Praticar todos os actos necessários ao normal funcionamento dos serviços e organismos no âmbito da gestão dos recursos humanos, financeiros, materiais e patrimoniais...”, de modo que, a verificar-se que existiu efectivamente uma insuficiência do pessoal de serviço, então tal situação cabe ainda dentro da responsabilidade do R., Manuel Venham Mais Cem em virtude das competências que legalmente lhe são atribuídas nos termos deste artigo 7º nº 1 alínea d) da Lei 51/2005.
Nos termos da presente acção coloca-se ainda uma questão que merece atenção por este tribunal que respeita à matéria de facto apresentada na Petição inicial quanto a um suposto impedimento por parte do Presidente Manuel Venham Mais Cem devido ao facto de o autor alegar na petição inicial que o R. e o nomeado João Sempre Disponível vivem em regime de economia comum.
Com efeito, não pode a questão ser ultrapassada sem nela se atentar devidamente em virtude do regime do Código de Procedimento Administrativo consagrar uma Secção (VI) relativa às garantias de imparcialidade que prevê expressamente casos de impedimento no artigo 44º nº 1, sendo que nos termos do artigo 44º nº 1 alínea b) CPA o titular do órgão ou agente da Administração Pública não poderá intervir em procedimento administrativo sempre que este titular e o candidato vivam em economia comum.
Ora, em caso de ficar provado que o R. e o nomeado em regime de substituição João Sempre Disponível vivem em economia comum tal situação corresponde a um caso de impedimento que deveria ter sido comunicado formalmente pelo R., Manuel Venham Mais Cem, tendo ainda o dever de suspender a sua actividade no procedimento assim que tivesse sido realizada a referida comunicação ou desde o momento em que tivesse conhecimento do requerimento a que se refere o nº 2 do artigo 45º, tal como prevê o artigo 46º nº1. Como tal, se for produzida prova no sentido de existir uma situação de impedimento, como bem pede o R. ao autor e sendo tal impedimento declarado o titular do cargo em causa deveria ter sido imediatamente substituído, nos termos do artigo 47º nº 1 CPA.
Assim, caso se prove que existe regime de economia comum, uma vez que tal impedimento não foi declarado constata-se que existirá uma omissão do dever de comunicação do artigo 45º nº 1 constituindo, assim, uma falta grave para efeitos disciplinares (artigo 51º nº2), para além de que os actos praticados pelo titular são anuláveis nos termos gerais (artigo 51º nº1), embora, como foi referido, tenhamos de deixar esta questão em aberto para a audiência a fim de ser provada tal situação, tal como invoca, e bem, o R.
Saliente-se que a Administração Pública e, em particular, os titulares dos cargos dirigentes estão exclusivamente ao serviço do interesse público devendo orientar as suas condutas, no exercício das suas funções, pelos princípios da legalidade, justiça e imparcialidade, bem como agir com competência, responsabilidade, proporcionalidade, transparência e boa fé, tal como o impõe o art. 4º da Lei 2/2004 de 15 de Janeiro que prevê os princípios gerais de ética aplicáveis aos titulares dos cargos dirigentes.
Relembre-se, ainda, a importância dos princípios pelos quais se deve reger a actuação dos titulares de cargos dirigentes cujos vectores gerais de actuação ética estão expressamente previstos no artigo 4º da Lei 51/2005 e que são, nomeadamente o Princípio da Imparcialidade, da Transparência e da Boa-fé, sendo ainda aplicáveis os artigos 6º- A CPA e 266º nº 2 CRP. Igualmente importante é ainda o Princípio da prossecução do interesse público previsto no artigo 266º nº 1 CRP e artigo 21º nº 11 Lei 51/2005.
Por tudo quanto fica exposto decide o Ministério Público, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos, que deve ser considerado procedente o pedido formulado pelo autor de impugnação do acto de nomeação de João Sempre Disponível, considerando este um acto anulado nos termos do artigo 50º nº 1 CPTA. Relativamente ao pedido de condenação à prática de acto devido este não pode proceder em virtude de não estarem preenchidos os requisitos legais do artigo 67º CPTA devendo, pelo contrário, ser aplicado o artigo 47º nº alínea b) a fim de ser condenada a Administração a adoptar os actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado e ainda dar cumprimento aos deveres que ela não tenha cumprido com fundamento no acto impugnado.
Procuradoras-Gerais:
Ana Sofia Pires nº 16497
Andreia Martins nº 15961
Andreia Cruz nº 16509
Susana Cristina nº 16877
A Constituição da República Portuguesa de 1976, o poder judicial e o Supremo Tribunal Administrativo
ResponderEliminarA necessidade de criar o ponto de equilíbrio entre a individualidade e a intersubjectividade, que se traduziu numa tarefa essencial do Estado e, consequentemente, da Administração, obrigou a redescobrir, à luz da separação e independência de poderes, meios de concretização da justiça administrativa, levando à procura por uma organização dessa justiça, a fim de ultrapassar o Estado de Legalidade e impor um Estado de Direito de Justiça.
É nesse sentido que os tribunais administrativos são, na versão originária da Constituição, consagrados como órgãos de soberania, integrados no poder judicial (artigo212.º, n.º3), comungando, assim, do princípio da independência e, desse modo, sendo chamados a assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados (artigo206.º).
Nessa versão, a Constituição distinguia, na organização dos tribunais, além da hierarquia dos tribunais judiciais e dos tribunais militares, um Tribunal de Contas, autorizando a existência de uma estrutura separada de tribunais administrativos e fiscais; a natureza facultativa dos tribunais administrativos na estrutura do poder judicial manteve-se com a Revisão Constitucional de 1982, por força da corrente de opinião, presente à época, que defendia a integração destes, enquanto tribunais especializados, na ordem dos tribunais judiciais (Ver JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, p.813).
Só com a revisão de 1989 a Constituição reconhece, com natureza necessária a ordem hierárquica dos tribunais administrativos e fiscais (artigo 211.º, n.º1b)), consagrando para eles um estatuto próprio e uma competência especializada – julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídico-administrativas e fiscais (artigo 214.º).
O órgão superior desta estrutura hierárquica é o Supremo Tribunal Administrativo, que passa a ter assento constitucional (artigo 214.º, n.º1), que funciona como instância superior de julgamento das questões pertencentes à respectiva hierarquia de tribunais, salvo no que respeita às questões de constitucionalidade ou de ilegalidade por violação de leis de valor reforçado, uma vez que, nestas áreas, a última instância reside no Tribunal Constitucional (artigos 212.º, n.º 1 e 214.º, n.º 1), ficando, ainda, constitucionalmente garantido, após a revisão de 1989, o modo de designação do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 214.º, n.º2).
Após esta, ficam consolidados constitucionalmente a independência dos tribunais administrativos e o autogoverno da magistratura o que ditou o fim da possibilidade de governamentalização do Supremo Tribunal Administrativo.
Soraia Correia, subturma:4