segunda-feira, 26 de abril de 2010

Acórdão 0701/09 - Necessário??

Antes da Reforma do Contencioso Administrativo, para que fosse possível a impugnabilidade contenciosa de actos administrativos era necessário esgotar todas as vias de impugnação administrativa para se conseguir chegar à impugnação contenciosa, daí o recurso hierárquico necessário ser um pressuposto processual fundamental para o uso da via contenciosa.
Ainda na fase da pré-reforma surgiram vozes discordantes como a do Professor Vasco Pereira da Silva que afirmava a inconstitucionalidade de tal diposição por violação do disposto no art. 268º/4 CRP. A doutrina do Professor "vence" e com a reforma é afastado o recurso hierárquico necessário como pressuposto processual para chegar à via contenciosa. Assim, hoje em dia, é possivel impugnar actos do subalterno por via contenciosa desde que preenchidos os requisitos da lesão de um direito do particular e a exterioridade da eficácia do acto. Vejamos então os artigos que o comprovam:
- art. 51º/1 CPTA: não impõe como pressuposro o recurso hierárquico necessário;
- art. 59º/4 CPTA: prevê que no caso de o particular optar por previamente usar a via administrativa, o prazo de impugnação contenciosa só volta a correr depois da decisão da via administrativa. Uma pequena reflexão sobre este artigo leva a crer que apesar de o recurso hierárquico necessário afinal ser desnecessário, ele não perde a sua importância em situações como esta.
- art. 59º/5 CPTA: consagra que mesmo que o particular opte pela via de impugnação administrativa, nada o impede de vir a impugnar imediatamente pela via contenciosa.
Em suma, o que se retira daqui é que os recursos passam então a ser todos facultativos, isto é, que a reclamação por via administrativa não é indispensável para se poder recorrer pela via contenciosa. Esta parece-nos ser a melhor doutrina.

O Acórdão sob judice coloca essencialmente o problema de saber se o despacho do Presidente da Câmara Municipal é de reclamação necessária, e portanto se a mesma é indispensável para passar à via contenciosa de impugnação da qualificação, ou se a reclamação é facultativa, e portanto o despacho é judicialmente recorrível.
O STA vem a concluir que " a reclamação prevista nos transcritos normativos é necessária e que, por isso, a mesma constitui pressuposto processual de uso de ulterior meio judicial de impugnação".
Assim, segundo o entendimento do acórdão deixa de ser aplicável a regra geral do art. 51º/1 CPTA, visto existir uma determinação legal expressa - a lei 10/2004 de 22 de Março e o Decreto Regulamentar 19-A/2004 de 14 de Maio - que prevê a necessidade de haver impugnação administrativa prévia à impugnação contenciosa.
Analisemos agora a posição da doutrina no que respeita a esta matéria. O Professor Vasco Pereira da Silva opta mais uma vez por defender a violação do regime previsto no art. 268º/4 CRP que estipula a desnecessidade de haver uma impugnação administrativa prévia. Por outro lado, o Professor Mário Aroso de Almeida e o Professor Vieira de Andrade defendem que a nova concepção do regime do CPTA após a reforma não abrange a revogação de regras especiais avulsas que exijam o recurso hierárquico necessário para a impugnação contenciosa, porque o CPTA não tem alcance para tal.
Posto isto reiteramos uma vez mais a nossa defesa pela posição do Professor Vasco Pereira da Silva.
No entanto, a jurisprudência do STA no acórdão em análise mostra-se defensora da doutrina seguida pelo Professor Mário Aroso de Almeida e pelo Professor Vieira de Andrade, interpretando restritivamente o novo regime do CPTA, o que consequentemente não implica a revogação das leis avulsas de natureza diversa da prevista no art. 51º/1 CPTA, prevalecendo então o regime previsto na Lei 10/2004 e no Decreto Regulamentar 19-A/2004 o que tem como consequência a consideração da reclamação como necessária.
Pelo exposto resta-me concluir que, salvo o devido respeito, discordo da posição adoptada pelo STA, entendendo então que é desnecessário exigir o recurso hierárquico para se poder chegar à via contenciosa o que me leva a não afastar o regime do art. 51º/1 CPTA ao caso concreto. Assim, e a título conclusivo, parece-me que com a reforma do contencioso foi revogado, ainda que tacitamente, o recurso hierarquico necessário.

Tatiana Castanheira
16890
Sub-Turma 3

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