sábado, 24 de abril de 2010

No dia em que o Rei foi condenado à prática do acto devido

- os poderes de pronúncia dos druidas e o artigo 71.º/2 do CPTA.


Era uma vez um Rei de um reino distante. Esse Rei tinha muita vontade de fazer o bem, decidir o que era melhor e cumprir a lei. No reino desse Rei havia unicórnios, ogres e anões mineiros.
Havia também outras figuras míticas – como o “princípio da legalidade sempre obedecido” e um “contencioso administrativo encantado”.

Esse Rei queria muito administrar bem, mas tinha um problema: via muito mal.

Havia uma regra milenar que obrigava todos os monarcas a entregar um par de sapatos de cristal à princesa “vestida em tons de fogo” que cantasse a “canção preferida do Rei”.

Naquela tarde, cinco princesas foram cantar ao Rei: a Princesa Cor-de-Laranja de Orange, a Princesa Encarnada de Magenta, a Princesa Azul de Turquesa, a Princesa Verde das Florestas do Sul e a Princesinha Amarelinha “Casca-de-Ovo”.

O Rei era muito míope e, depois de ter ouvido todas as canções, decidiu (discricionariamente, afinal era a “canção preferida” dele!) entregar os sapatos de cristal à Princesa Azul de Turquesa que lhe pareceu cumprir os requisitos.

Foi o escândalo no reino! O povo saiu à rua em algazarra, mas já não houve arraial nem foguetes no ar. O Rei tinha violado a regra e tinha entregado os sapatos a uma Princesa “vestida em tons de mar” – toda a gente sabia que essas ganhavam peúgas de seda, e não sapatos de cristal!

Ora, os Duques de Orange eram, para além de grandes feiticeiros, juristas. Mais concretamente, administrativistas, e decidiram “condenar o rei à prática do acto devido”, no tribunal dos druidas brancos.

Então, através do regime CPTA desse reino (que, por coincidência, era igual ao Português de hoje em dia), o rei foi condenado a entregar os sapatos de cristal a uma princesa “vestida em tons de fogo”.

Os druidas eram sábios e amavam as plantas, os animais e a justiça administrativa. Esses juízes tinham muitos poderes, mas sabiam que só se podiam pronunciar como mandava o precioso artigo 71.º.

Então, e vendo muito bem o caso concreto, explicaram ao Rei que “tons de fogo” só podiam ser cores como o amarelo, o laranja e o encarnado. A Princesa Azul de Turquesa e a Princesa Verde da Floresta nunca poderiam receber os sapatos. E, neste caso concreto, nem a Princesinha Amarelinha “Casca-de-Ovo” poderia calçar o presente – nenhum fogo arde em amarelo tão claro!

E os druidas não determinaram o conteúdo do acto, mas explicitaram as vinculações a observar pelo Rei – deveria decidir (de acordo com todos os princípios gerais do procedimento) qual a canção preferida entre as que foram cantadas pela Princesa Cor-de-Laranja de Orange e a Princesa Encarnada de Magenta. E o Rei escolheu.

Os Duques de Orange não gostaram nada da solução, mas, como bons juristas, voltaram para o seu Palácio conformados. E a Princesa Encarnada de Magenta, com os sapatos de cristal, continuou a cantar como o bardo – “no dia em que o Rei fez anos…”


Abril de 2010
Miguel da Câmara Machado
(sub-turma 10, aluno n.º 16791)

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