quarta-feira, 14 de abril de 2010

A legitimidade processual do Ministério Público no âmbito da acção popular


Em princípio, só é legítima e útil uma decisão de fundo do tribunal, se estiverem em processo os titulares da relação jurídica administrativa a que se refere o litígio. Todavia, a lei prevê a acção popular (52.º/3 CRP; 9.º/2 CPTA; L 83/95) que dá legitimidade a qualquer cidadão, autarquias locais, Ministério Público, associações ou fundações para, independentemente de qualquer interesse pessoal, promoverem judicialmente a defesa de certos valores e bens constitucionalmente protegidos. São os ditos interesses difusos tutelados pela acção popular. Há dificuldade em determinar se e em que termos são eles susceptíveis de conferir legitimidade a uma certa pessoa para surgir em juízo a litigar sobre eles. Esta é uma das razões da concessão da legitimidade ao Ministério Público.


Ao Ministério Público compete "defender a legalidade e promover a realização do interesse público". Esta legitimidade concedida ao Ministério Público não o é em França ou Espanha. É sim na Alemanha. O Ministério Público tem a função de garante institucional da legalidade democrática e de defensor da actuação legítima da Administração. Mesmo quando actua no interesse dos particulares, nomeadamente através da acção popular, o objectivo último do Ministério Público é o interesse colectivo, a fiscalização da legalidade, sempre (51.º ETAF).


Nas acções administrativas comuns, o Ministério Público não tem legitimidade em geral, representando apenas o Estado, enquanto parte. Já nas acções administrativas especiais, a sua legitimidade é plena nas de impugnação de actos administrativos (55.º/1 b) CPTA), o que é um corolário da defesa da legalidade. Para além disso, nestas últimas, assume o papel de magistrado, totalmente imparcial, dando ainda pareceres nos processos dos particulares.


No seio da acção popular, o Ministério Público fiscaliza a legalidade, representa o Estado quando este ou outras pessoas jurídicas de direito público forem parte na causa, desde que autorizado por lei. Substitui ainda o autor na hipótese de desistência da lide, substitui-se aos ausentes e incapazes e noutros casos legalmente previstos (16.º L 83/95). Há uma divergência de saber se este poder é discricionário ou vinculado.


Tem sido discutida a possibilidade utilizar a acção popular intentada pelo Ministério Público na defesa de direitos, liberdades e garantias. Carla Amado Gomes reconhece legitimidade ao Ministério Público nos casos em que o pedido se traduza na prática de um acto legalmente devido, em face da legitimidade conferida pelo artigo 68.º/1 c) CPTA. Esta visão é seguida por Anabela Leão. Por seu lado, Vieira de Andrade entende ser admissível esta acção para a defesa de direitos, liberdades e garantias inerentes aos valores constitucionais do artigo 9.º/2 CPTA, dando como exemplo a dimensão subjectiva dos direitos fundamentais em matéria de ambiente. Esta intervenção do Ministério Público é motivada por uma preocupação acrescida da ordem jurídica pela garantia dos direitos fundamentais.


O Ministério Público tem uma posição privilegiada para assumir a tutela de interesses difusos pois é um órgão autónomo do poder executivo. O argumento de falta de especialização não procede visto que o Ministério Público na sua actividade, trabalha com questões diversas e frequentemente técnicas. Teixeira de Sousa discorda, enunciando a eventual insuficiência de recursos financeiros, a possibilidade de controlo dos organismos públicos pelas próprias entidades que deviam fiscalizar, o perigo da sua asfixia por organismos governamentais, entre outros.


Nesta linha, defende-se que o mais viável seria atribuir aos próprios interessados a efectiva protecção dos interesses difusos. É o que sucede nos países da Common Law. Na Austrália, por exemplo, um sujeito ou uma associação recebe a permissão ao Atorney General, concedida dentro do seu poder discricionário de agir em juízo com os mesmos poderes que são próprios daquela entidade. O mesmo ocorre nas Class Actions americanas em que um ou vários membros de uma certa comunidade podem propor uma acção. Existe ainda a acção associativa do modelo francês, instaurada por uma organização ou associação privada representativa de certos interesses, tendo por objectivo a defesa dos mesmos.


Não obstante, não foi o caminho seguido por Portugal (vejam-se os artigos 9.º/2 CPTA, 26.º/1 c) DL 446/85, 13.º c) L 24/96 e 45.º/1 L 11/87) onde o Ministério Público pode prosseguir, defender interesses colectivos, difusos, que tenham expressão de colectividade, através desse poderoso instrumento de democracia participativa que é a acção popular.


Maria Teresa Ferreira, Subturma 3

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