sábado, 24 de abril de 2010

Articulação entre a acção impugnatória e a acção condenatória: o acto de indeferimento

O âmbito de aplicação das acções de impugnação de acto administrativo e de condenação à prática de acto devido parece, à partida, de fácil definição. Se o acto tiver um conteúdo positivo e o particular quiser opor-se à sua manutenção na ordem jurídica, o meio processual adequado será a impugnação; se o acto tiver um conteúdo negativo e o interessado quiser a sua substituição por outro acto favorável às suas pretensões, a via contenciosa a seguir será a condenação.

Mediante este entendimento, um acto de indeferimento (sendo um acto de conteúdo negativo) deve ser objecto de uma acção condenatória, uma vez que o particular pretenderá que a Administração proceda à prática do acto previamente recusada. Além disso, a sentença a proferir na acção de condenação será sempre mais ampla que na acção de impugnação – na primeira conseguir-se-á a condenação da Administração a praticar o acto devido e a eliminação do acto de indeferimento da ordem jurídica (art. 66º, nº2 do CPTA), enquanto na segunda obter-se-á apenas a eliminação.

Mas será que o administrado, face a um acto de indeferimento, pode já não pretender obter o acto administrativo e desejar apenas a invalidação daquele acto? Poderá o particular, em vez de propor uma acção condenatória, limitar-se a impugnar o acto de indeferimento? Será este interesse juridicamente relevante?

A lei parece responder de forma negativa, na medida em que se for deduzido um pedido de impugnação contra um acto de indeferimento, o tribunal convida o autor a substituir a petição com o adequado pedido de condenação à prática de acto devido (art. 51º, nº4 do CPTA).

Porém, o Professor Vieira de Andrade considera que o referido preceito legal, interpretado em função dos princípios do dispositivo e da tutela judicial efectiva, “não deve excluir a impugnabilidade autónoma de decisões de indeferimento, designadamente quando o particular demonstre um interesse relevante (interesse em agir) ou até porventura mesmo um direito à declaração de nulidade do acto”.

No primeiro caso, o Professor admite as situações em que o particular perca o interesse imediato na prática do acto administrativo, mas pretenda salvaguardar a hipótese de no futuro a requerer, mantendo o interesse na anulação do indeferimento que considera ilegal; no segundo caso, dá o exemplo do particular que tem o direito de impugnar para pedir a declaração de nulidade, passados três meses sobre a prática do acto, tendo em conta a circunstância de a acção de condenação à prática de acto devido estar sujeita a um prazo de caducidade.

Quanto à falta de interesse actual na prática do acto, aliada à salvaguarda da possibilidade de vir a pedi-la no futuro, não se vê como a acção impugnatória será mais útil. Vejamos o caso de um acto de indeferimento de uma licença de construção, que o administrado não pretende realizar imediatamente. Como ensina o Professor Vasco Pereira da Silva, nestes casos, “a sentença de condenação satisfaz completamente o interesse do particular, sem qualquer inconveniente e com todas as vantagens para o particular, já que lhe permite a faculdade de construir tanto no futuro como no presente”. Deste modo, dada a amplitude da sentença condenatória, não parece que exista um interesse atendível em propor antes uma acção de impugnação.

No que diz respeito ao exemplo relativo à declaração de nulidade, se entendermos que o legislador, ao mandar aplicar os artigos 59º e 60º ao prazo de propositura da acção de condenação em caso de indeferimento (art. 69º, nº3 do CPTA), também tinha a intenção de considerar aplicável o art. 58º, já deixa de fazer sentido recorrer à acção impugnatória, uma vez que o prazo para a acção condenatória não valeria em caso de nulidade de indeferimento expresso (art. 58º, nº1 do CPTA).

Outra hipótese levantada pela doutrina, no sentido da admissibilidade de interposição de acção impugnatória de acto de indeferimento, foi a do administrado já não ter em vista o acto devido, mas pretender a invalidação do acto de indeferimento para efeitos indemnizatórios. Neste caso, responde o Professor Vasco Pereira da Silva que “tal pretensão indemnizatória não justificaria a aplicação da acção de impugnação, devendo seguir os trâmites do art. 38º, procedendo-se, nesse âmbito, à apreciação incidental da legalidade do indeferimento”. A acção administrativa comum resolveria, assim, a questão colocada.

Em conformidade com a lei, o Professor Mário Aroso de Almeida afasta a existência de um interesse em agir que justifique a impugnação do acto de indeferimento, não concebendo situações em que possa haver qualquer vantagem em obter a invalidação do acto desfavorável em vez da condenação no comportamento devido. A seu ver, a admissão da utilização isolada de um pedido de impugnação exigiria a verificação de dois requisitos: “o autor deve demonstrar de modo concludente que da anulação do acto de indeferimento resulta para ele uma utilidade que dá resposta a uma sua necessidade efectiva de tutela judicial; por outro lado, não deve ser menos concludente a demonstração de que essa utilidade não é proporcionada pela condenação à prática do acto administrativo em causa”.

Por outro lado, se há dificuldade em criar uma situação em que a impugnação seja mais adequada que a condenação face ao acto de indeferimento, evidente é a possibilidade de cumulação das duas acções (art. 4º, nº2, “c” e art. 47º, nº2, “a” do CPTA), mesmo em casos de indeferimento, pelo menos se parcial e verificado na pendência da acção (art. 70º, nº3 do CPTA). Neste sentido avança o Professor Vieira de Andrade, considerando ainda que quando o indeferimento seja um efeito indirecto – como acontece com os actos de conteúdo ambivalente (de que é paradigma a decisão de selecção para nomeação nos procedimentos concursais) -, há todo o interesse em cumular o pedido impugnatório com o pedido condenatório.

Em conclusão, embora reconheça que é difícil conceber casos em que a acção de impugnação contra um acto de indeferimento seja mais favorável ao particular, também não me parece que haja motivo para entender o art. 51º, nº4 do CPTA de forma inflexível, impedindo o administrado de alegar o seu potencial interesse na acção impugnatória. Se esse interesse for comprovado, creio que, em nome do princípio da tutela judicial efectiva (art. 268º, nº4 da CRP), deverá ser tutelado.
Alexandra Valpaços (subturma 10)

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