terça-feira, 13 de abril de 2010

Acto administrativo impugnável: Conceito amplo ou restrito?


“ No entanto, o conceito processual de acto administrativo impugnável não coincide com o conceito de acto administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro mais restrito”.


J.C Vieira de Andrade
“A justiça Administrativa”




Antes de proceder à análise da frase em apreço, importa, proceder a algumas considerações prévias.
A afirmação objecto de comentário da autoria do Professor Vieira de Andrade, refere-se ao conceito de acto impugnável para efeitos de um pedido de impugnação (artigos 50º a 65º do CPTA), meio processual integrado na Acção Administrativa Especial.
A Acção Administrativa Especial encontra-se regulada nos artigos 46º e seguintes do CPTA e constitui uma das formas de acesso à Justiça ao lado da Acção Administrativa Comum.
O nº 2 do mesmo preceito legal, delimita quais os pedidos que podem ser formulados no âmbito desta acção.
Segundo o disposto no artigo 46º nº2 a alínea a.), um dos pedidos principais da Acção Administrativa Especial constitui, precisamente, a anulação de acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica.
Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva em “ O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, esta acção de impugnação de actos administrativos constitui uma subespécie da acção administrativa especial.
Cabe agora, analisar quais os pressupostos processuais específicos da Acção Administrativa Especial, na sua vertente de impugnação de actos administrativos.
Em primeiro lugar, temos de estar perante um acto administrativo impugnável (artigos 51º a 54º CPTA); em segundo lugar, a legitimidade (artigos 55º a 57º) e, por ultimo, a oportunidade (artigo 58º).
Feitas estas considerações prévias, irei cingir-me ao primeiro pressuposto processual, ou seja, à análise do conceito de acto administrativo impugnável, em questão na afirmação objecto de comentário.
Para se poder compreender o alcance que o Professor Vieira de Andrade pretende atribuir a esta frase importa, em primeiro lugar, definir o conceito de acto administrativo (em sentido material ou substancial) e o de acto administrativo impugnável (conceito processual), procedendo, posteriormente, a um juízo comparativo de ambos.
De harmonia com o disposto no artigo 120º do CPA, a acto administrativo são “as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito publico visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.
No que concerne ao conceito de acto administrativo impugnável, resulta do disposto no artigo 51º nº1 do CPTA, que são impugnáveis actos administrativos, “ ainda que inseridos num procedimento administrativo”com “eficácia externa” e “ cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos”; o nº2 do mesmo preceito legal estatui que “… são impugnáveis as decisões materialmente administrativas proferidas por autoridades não integradas na Administração Publica e por entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo”.
É de salientar que tradicionalmente, apenas se poderia recorrer dos actos administrativos definitivos e executórios, isto é, dos actos que punham fim a um procedimento administrativo. Contudo, como resulta do disposto no artigo 51º do CPTA, este requisito da definitividade horizontal é afastada da noção de acto administrativo impugnável, como resulta do nº1 do artigo 51º que admite a possibilidade de impugnar um acto inserido num procedimento administrativo.
Deste modo, o particular tem a faculdade de optar entre impugnar um determinado acto inserido num procedimento administrativo, ou de apenas impugnar o acto administrativo final ( artigo 51ºnº3 do CPTA).
Note-se que os dois critérios constantes do artigo 51ºnº1, são autónomos, existem para situações jurídicas diferentes, uma vez que, o artigo 54º CPTA admite a impugnação de actos administrativos lesivos sem eficácia externa.
Assim, o critério de impugnabilidade de um acto administrativo depende da função e da natureza da acção, ou seja, conforme esteja em causa uma acção de impugnação de um direito de um particular ou uma acção de defesa do interesse público.
Como sustenta o Professor Vasco Pereira da Silva, o critério da eficácia externa é relevante, quando esteja em causa a tutela directa do interesse público e da legalidade, sendo este critério aplicável apenas à acção pública ou popular.

Feita a análise de ambos os conceitos, podemos concluir que não há coincidência entre o conceito de acto administrativo e o conceito de acto administrativo impugnável.
O Professor Vieira de Andrade, entende que o conceito de acto administrativo impugnável é mais vasto do que o conceito de acto administrativo “apenas na dimensão orgânica, na medida em que não depende da tradicional qualidade administrativa do seu Autor: inclui, não só as decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos, como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Publica” ( como resulta do artigo 51ºnº2).
De facto, no que toca a esta dimensão orgânica, o conceito de acto administrativo está limitado pela própria lei. Resulta do artigo 120º do CPA que são actos administrativos as “decisões dos órgãos da Administração”. Ora, isso implica, à partida uma limitação orgânica ao conceito de acto administrativo.
É “mais restrito, na medida em que só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 51ºnº1).
Os actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzam efeitos nas relações jurídicas administrativas externas.
Assim, segundo este Professor, do conceito de acto administrativo impugnável excluem-se os actos internos, isto é, aqueles que visam produzir efeitos somente nas relações intra-pessoais.
Coloca-se a questão de saber se as decisões administrativas preliminares ( por exemplo, os pareceres vinculativos) podem ser impugnáveis, uma vez que só produzem efeitos externos através da decisão final.
Quanto a esta questão, o Professor Vieira de Andrade defende uma “defesa antecipada” dos interesses, na medida em que muito provavelmente irão causar lesões nos seus direitos. Na sua opinião esta impugnabilidade deveria correr expressamente de uma lei, visto não estar determinada no artigo 51º do CPTA.
O Professor Vasco Pereira da Silva, na sua tese de Doutoramento intitulada “Em Busca do Acto Administrativo Perdido”, refere que os actos administrativos impugnáveis tornaram-se, “ hoje, em dia, uma realidade de contornos muito amplos, que compreende não apenas as decisões administrativas finais e perfeitas, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares, que tanto podem ser intermédios, como decisões preliminares, ou simples actos de execução”.
O Professor Vasco Pereira da Silva sustenta que “actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar, ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis”.
Trata-se de um novo conceito de acto impugnável que contém ora um pendor objectivista (eficácia externa), ora um pendor subjectivista (acto lesivo dos direitos dos particulares).
Já o Professor Mário Aroso de Almeida aponta como elemento decisivo da noção de acto administrativo impugnável a eficácia externa ou seja, para que um acto administrativo possa ser considerado impugnável é necessário que os efeitos que ele se destina a introduzir na ordem jurídica sejam susceptíveis de se projectar na esfera jurídica de qualquer entidade privada ou pública.
Assim, segundo o Prof. Mário Aroso de Almeida, só os actos que não afectem a esfera jurídica de “ninguém” ou que não produzem quaisquer efeitos jurídicos externos não podem ser impugnados. Como tal, só os actos com eficácia externa, ou seja, o acto susceptível de produzir efeitos na esfera jurídica de alguém são imediatamente impugnáveis.
O Professor Vasco Pereira da Silva por sua vez reafirma a opção pela natureza subjectiva do acto, ou seja, pelo acto lesivo dos direitos dos particulares. O acto impugnável é o acto que lese direitos dos particulares ou seja susceptível de o fazer. A sua opinião tem apoio directo na lei, no artigo 54º do CPTA, que ao possibilitar que actos que não têm eficácia externa possam ser impugnados vem dizer que o critério ponderante não é o da eficácia mas sim o da lesão.

Assim, se a frase do Professor Vieira de Andrade poderá ser, parcialmente, procedente, na parte em que defende que o conceito de acto administrativo impugnável é mais vasto que o conceito de acto administrativo, já na parte em que sustenta que aquele pode ser mais restrito, não parece proceder, na medida em que o mesmo compreende não apenas as decisões administrativas finais, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também as outras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares, que tanto podem ser intermédias, como decisões preliminares.
Em suma, entendo que por imposição Constitucional do artigo 268ºnº4, que consagra um direito fundamental de impugnação de “quaisquer actos administrativos”, que lesem direitos de particulares e em nome de um Contencioso Administrativo de pendor predominantemente subjectivista, todos os actos administrativos serão susceptíveis de ser contenciosamente impugnados, desde que tenham aquele potencial lesivo.

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