quinta-feira, 29 de abril de 2010

O Acto ou as Partes ( Que Administração? )

O Acto ou as Partes


As questões que se colocam quando se confortam os dois tipos de concepção do contencioso administrativo são a meu ver três: O contencioso administrativo tem como paradigma a defesa dos direitos dos particulares ou a defesa da legalidade? Numa acção administrativa o objecto é a lesão dos interesses dos particulares ou a legalidade do acto administrativo? Por ultimo, e como uma cúpula que abrange e influência a forma como concebemos a justiça administrativa, está a concepção de Administração que acolhemos? As respostas que encontramos na doutrina e no direito comparado podem-se resumir a dois grandes grupos: o contencioso administrativo do tipo objectivo e o contencioso do tipo subjectivo. No meu entendimento a pergunta fundamental, e que irá balizar todas as decorrências, é a última questão e a forma como encaramos a Administração.

Comecemos então por mostrar as respostas que as duas concepções de justiça administrativa dão às questões que enunciamos para concluirmos com os seus pros e os contras.


O contencioso administrativo tem como paradigma a defesa dos interesses particulares ou a legalidade do acto administrativo?


A perspectiva objectivista entende que o contencioso administrativo deve centrar-se na defesa da legalidade. O principal objectivo dos tribunais administrativos é o “cumprimento preciso, inteligente, adequado, oportuno da lei” (Professor Marcelo Caetano). Esta forma de ver a justiça administrativa leva-nos, na sequência do que o Professor Vasco Pereira da Silva considera serem os “traumas da infância do contencioso administrativo”, a que haja uma ténue separação entre os tribunais e a própria administração. No meu entendimento, é teoricamente possível que, mesmo num sistema de cariz objectivista, haja uma clara separação de poderes, no entanto não é essa a lição que a história nos ensina. Decorrente do facto de ter uma justiça centrada na legalidade do acto administrativo, os tribunais abstiam-se de condenar a administração a prática de actos que não “estritamente vinculados”. O tribunal enquanto garante da legalidade não se imiscuía em “valorações próprias da administração”, deixando fora da sua fiscalização o mérito da causa, à luz do velho brocado que ensina que “julgar a administração é ainda administrar”. Esta interpretação rígida do princípio da separação de poderes pretendia uma separação tão intensa que acabava por se quebrar sobre si mesma, fazendo com que o recurso aos tribunais fosse ainda um recurso da administração, no seguimento do recurso hierárquico. Era este, a meu ver, um dos principais pontos negativos da concepção objectivista porque a jurisdição administrativa tem que ser uma realidade diferente dos recursos hierárquicos, pautada por princípios diferentes.

Em sentido oposto a este, a concepção subjectivista do contencioso administrativo entende que o objectivo principal da justiça administrativa é a fiscalização e controle da lesão dos interesses jurídicos protegidos dos particulares que, através da actuação da administração, podem estar a ser violados. Neste sentido, passamos a contar com um “controlo administrativo funcionalmente acompanhante em vez de ser um controlo administrativo reactivo” ( Krebbs ), o que, no meu entendimento, nos permite mais facilmente dar um passo no sentido da efectiva separação entre a jurisdição administrativa e a administração. Uma vez que nos centramos na lesão de interesses legalmente protegidos, tanto a administração como os particulares vão apresentar-se em tribunal como verdadeiras partes de um processo com interesses diferentes e empenhados em fazer valer as suas posições. Desta forma será inaceitável que encaremos o contencioso como uma forma de, simplesmente, protegermos o “ambiente jurídico” de actos ilegais o que leva a termos como realidade material um recurso gracioso e não uma jurisdição própria. Decorre ainda desta visão que a separação dos tribunais da administração pública é inevitável e o juiz é visto como uma terceira parte, um árbitro que dirime os litígios e só desta forma caminharemos para uma total efectivação do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Uma outra grande vantagem desta concepção prende-se com o facto de a Administração e os particulares se apresentarem a juízo numa situação de igualdade ( art. 6º CPTA).

Passamos agora à resposta à segunda questão enunciada que está inteiramente ligada com as posições que acabamos de descrever.


Numa acção administrativa o objecto é a lesão dos interesses dos particulares ou a legalidade do acto administrativo?


Relativamente a esta questão, a vida está-nos facilitada porque ela decorre inteiramente das concepções supra apresentadas. Neste sentido, o contencioso administrativo do tipo objectivo tem como objecto da acção administrativa o acto administrativo ( actualizando a posição diríamos que, não só o acto, mas também o regulamente, o contracto, etc. ). Numa justiça administrativa actocéntrica estarão remetidos para segundo plano as lesões dos interesses dos particulares, o que a meu ver é, não só na jurisdição administrativa, mas também em outras jurisdições, o principal objectivo dos tribunais. Uma justiça material e responsável deve procurar garantir que os particulares não são injustificadamente lesados.

Do ponto de vista da teoria subjectivista do contencioso administrativo, a acção deve centrar-se na lesão dos interesses dos particulares, o que torna muito mais efectivo os objectivos que anteriormente apresentamos. Decorrente desta concepção temos que as partes se apresentam como duas partes verdadeiramente autónomas em tribunal e não como partes, formalmente consideradas, que colaboram com o tribunal para averiguar a legalidade do acto administrativo. Afastamo-nos assim de uma ideia de particulares como altruísta da legalidade que não propugnava pela igualdade de partes em juízo nem pela igualdade de armas.

Chegamos por fim aquela que é a questão fulcral das divergências entre tipo objectivo e tipo subjectivo, que extravasa um pouco os problemas técnico-jurídicos do contencioso administrativo.


Que concepção temos de Administração?


Consideramos que devemos, por imperativos de honestidade intelectual, começar por dizer que entendemos a administração como mais um sujeito da sociedade civil, especialmente quando há recurso aos tribunais onde se deve afirmar mais veemente a igualdade entre os vários sujeitos da sociedade. Neste sentido consideramos que o tipo subjectivo de contencioso administrativo é aquele que deve pautar a jurisdição administrativa. Entendemos que o recurso aos tribunais deve servir para averiguar se, para além da legalidade que também é defendida no tipo subjectivo [ “a protecção jurídica subjectiva presta também controlo juridíco objectivo ( Krebbs ); contudo, isso é “apenas uma – desejada – consequência acessória” ( Menger ) ], não há uma lesão legalmente injustificada dos interesses dos particulares, não esquecemos que a administração segue valorações de bem colectivo que muitas vezes se sobrepõe aos interesses particulares, mas para esses casos existe toda uma técnica legislativa essencialmente centrada na utilização de conceitos jurídicos indeterminados, campo em que a intervenção dos tribunais é muito mais restrita e se prende com o balizamento da actuação administrativa e não com a imposição de medidas ( art. 71º/2 CPTA ). Temos como certa esta concepção de administração porque, na sociedade de hoje em dia, a administração não se cinge à prestação de serviços básicos, vai muito para além disso e apresenta-se como uma administração prestadora de diversos serviços, bastante activa e que nas suas imensas realizações está sujeita a ferir interesses dos particulares.

Não nos parece imaginável que, mesmo num sistema objectivo, os tribunais não tivessem poderes de condenação da administração ( o que já o tornaria num contencioso misto), por isso consideramos tão importante a concepção que temos de administração. No final de todas esta considerações estamos em crer que o tipo subjectivo é o único que responde às exigências da sociedade actual porque coloca a administração num pé de igualdade com os particulares e permite a realização última do Direito Administrativo e do Direito em geral que é o livre desenvolvimento de cada um.

Como última nota queríamos levantar a questão de o nosso contencioso ainda ter alguns laivos objectivistas. Será que a legitimidade do Ministério Público (art. 9º,55º/1/b), 68º/1/c) ) não é ainda um resquício de considerações passadas? Estamos em crer que sim, que a legitimidade do MP só se entende por razões de legalidade e prossecução do interesse público, dois argumentos intimamente ligados às concepções objectivistas de contencioso, no entanto também acreditamos que os dois argumentos enunciados são fundamentais num Estado de Direito e não prever a legitimidade do MP, se bem que acompanhada da legitimidade dos particulares, seria um retrocesso no objectivo da tutela jurisdicional plena.


Bibliografia:

Professor Vasco Pereira da Silva:

  • O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise

  • Para um contencioso administrativo dos particulares

Professor Vieira de Andrade

  • Justiça Administrativa

Rodrigo Esteves de Oliveira e Mário Esteves de Oliveira

  • Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado – Volume I


    David Apolónia, subturma 10


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