domingo, 25 de abril de 2010

Análise do Acórdão 0701/09, de 11-03-2010, do STA no contexto da impunação administrativa (des)necessária

No Acórdão em análise , o STA manifesta-se pela inexistência de conflito entre o disposto no artigo 51º/1 do CPTA e as impugnações administrativas necessárias, sendo que se defende que o referido preceito será inaplicável nas situações em que exista determinação legal expressa que remeta para a necessidade de impugnação administrativa, enquanto pressuposto de impugnação contenciosa.
Deste modo, o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 28º/1 do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2008 ao não considerar a reclamação em questão como necessária. Na sequência disso, foi também considerado que o artigo 51º/1 do CPTA fora incorrectamente interpretado. Torna-se fulcral remeter para a contra alegação realizada pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, na qual sobressaíram os argumentos de o recuroso apresentado carecer de quaisquer requisitos de excepcionalidade e de o despacho realizado pelo Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz não se tratar de um acto administrativo, mas antes de um acto confirmativo que nenhuma repercussão manifesta no conteúdo do acto administrativo de homologação de avaliação . Antagonicamente, o STA vem defender que o acto de avaliação, após a homologação, deve ser considerado acto administrativo, tornando-se susceptível de reclamação, recurso hierárquico e impugnação. Salvaguarde-se que a Procuradoria Geral da República emitiu um parecer manifestando-se pelo provimento do recurso hierárquico necessário, na medida em que, segundo o seu entendimento , o CPTA admite impugnações administrativas necessárias quando estas se encontrem especialmente previstas , tal como era o caso. Evidencía-se ainda que o acto impugnado assentava em fundamentos que não constavam do acto reclamado, pelo que o mesmo se apresentava como um acto com efeitos inovatórios e, como tal, contenciosamente impugnável.
Deste modo, os aspectos cruciais para contextualização do exposto supra, são o facto de a associada do A., B, se tratar de uma funcionária do Município da Figueira da Foz e ter-lhe sido atribuída a classificação de "Bom" no que concerne a uma avaliação referente ao seu desempenho . Insatisfeita,a destinatária reclamou desta avaliação que, por sinal, já tinha sido objecto de homologação, para o Presidente da referida CM. Face a isto, o Presidente da CM negou provimento à reclamação realizada ao despacho, após ter solicitado um parecer ao Conselho da Coordenação de Avaliação.
Verifica-se assim que, na mesma linha do TAF de Coimbra, também o TCAN julgou irrecorrível o acto do Presidente da Câmara, indeferindo a reclamação de avaliação e absolvendo o réu instância. Note-se que existiam previsões em distintos diplomas quanto à possibilidade de existir reclamação; porém, esta constituía num meio de impugnação meramente facultativo. Esse carácter facultativo resulta não só dos artigos 28º/1 do Decreto Regulamentar 19-A/04 de 14 de Maio, e 61º/1 do CPA, como também da circunstância de ser formulada perante o próprio autor do acto reclamado, não se evidenciando como prévia condição de acesso à via contenciosa.
O STA realiza assim duas considerações: exalta o carácter facultativo da reclamação e o facto de despacho emitido pelo Presidente da CM manter na ordem jurídica o anterior acto reclamado. Perante tal, o STA vem considerar que o acto de eficácia externa --- susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos e que produziu efeitos numa situação individual e concreta --- é o acto homologatório de avaliação de desempenho, em consonância com o disposto nos artigos 51º/1 e 51º/3 do CPTA, a contrario.
Neste sentido, coloca-se a questão de saber se, estando em causa uma reclamação facultativa, o despacho que sobre ela recaíu é juridicamente irrecorrível ou se, antagonicamente, esta é indispensável para a abertura da via contenciosa de impugnação. O STA sublinhou que a Revisão Constitucional de 1989 concedeu uma nova redacção ao disposto no artigo 284º/4 da CRP, tornando-se fulcral no âmbito da recorribilidade, já não a definitividade, como sucedera outrora, mas antes a lesividade do acto, o que traduz que já não seriam recorríveis os actos defintivos e executórios mas sim os q fossem lesivos dos direitos e interesses legítimos dos seus destinatários. Porém, evidencía-se na perspectiva do STA que esta revisão Constitucional não consagrou o direito à imediata impugnação judicial dos actos lesivos, pois ainda assim o artigo 25º/1 da LPTA era harmonizável com a nova redacção do artigo 284º/4 da CRP. Todavia, o artigo 51º/1 do CPTA sofreu uma significativa alteração colocando em voga a dúvida assente na necessidade de saber se todo o acto administrativo com eficácia externa podia ser imediata e judicialmente impugnado, sendo desnecessário prévio esgotamento da via administrativa. O STA defendeu que o artigo 51º/1 do CPTA se concilia com a existência de impugnações administrativas necessárias justificando este entendimento por o legislador do CPTA não ter querido revogar as múltiplas disposições avulsas que obrigavam à existência prévia de uma impugnação juducial do acto. Assim, a regra geral contida no artigo 51º/1 do CPTA seria inaplicável sempre que houvesse determinação legal expressa, anterior ou posterior, à sua entrada em vigor, que previsse a necessidade de impugnação administrativa, enquanto pressuposto de impugnação contenciosa.


O professor Vasco Pereira da Silva , a propósito deste tema, aborda também as transformações internas e externas do acto administrativo, sendo no âmbito das segundas que nos devemos focar para o efeito. Neste sentido, o professor Vasco Pereira da Silva revela-se apologista da inutilização da impugnação hierárquica necessária, apresentando distintos argumentos que serão de seguida enunciados. Assim, destaca-se o princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (268º/4, CRP), pois na óptica do professor, se não se admitir o recurso contencioso só porque previamente não tenha existido recurso hierárquico necessário, evidenciar-se-à uma verdadeira negação do direito fundamental de recurso contencioso; outro princípio posto em causa é o princípio constitucional de separação entre Administração e Justiça (artigos 114º, 205º e ss e 266º e ss da CRP), na medida em que não haveria direito de acesso ao tribunal se não se utilizasse uma garantia que neste caso seria o recurso hierárquico necessário; é também manifestamente relevante o princípio da desconcentração administrativa (artigo 267º/2 da CRP) pois, o artigo 142º do CPA permite que o superior hierárquico revogue os actos lesivos dos subalternos; o princípio da efectividade da tutela (artigo 268º/4 da CRP) destaca-se pela impugnabilidade da decisão administrativa se encontrar sujeita a 1 prazo de trinta dias (artigo 168º/2 do CPA) logo, se o particular estivesse dependente da existência de recurso hierárquico necessário, o referido prazo poderia ser manifestamente encurtado por estar na dependência do recurso. Na mesma linha de orientação, o professor Vasco Pereira da Silva defende que o legislador da reforma afastou de modo "expresso e inequívoco" a necessidade de recurso hierárquico necessário. Daí surge a possibilidade de um novo elenco de argumentos favoráveis à sustentabilidade desta posição. Primeiramente, exalta-se a consagração da impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja dotado de eficácia externa (artigo 51º/1 do CPTA); assim, os actos dos subalternos e os actos dos superiores hierárquicos, são susceptíveis de serem autonomamente impugnados, sendo que não havendo no CPA qualquer referência, expressa ou implícita, à necessidade de prévia interposição de uma garantia administrativa para o uso de meios contenciosos, ela deve ser afastada pela legislação contenciosa. Outro argumento incide na atribuição do efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo à utilização de garantias administrativas (artigo 59º/4), conferindo-se uma maior eficácia à utilização de garantias administrativas , uma vez que o particular que decida optar previamente por essa via , sabe agora que o prazo para impugnação contenciosa só voltará a correr depois da decisão do seu pedido de reapreciação do acto administrativo; acrescente-se, neste sentido, que o professor Vasco Pereira da Silva vai um pouco mais longe e manifesta-se apologista de que o ideal seria o legislador ter aproveitado a reforma para ter garantido a plena eficácia e utilidade das garantias administrativas; assim, para além de ter consagrado o efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa, poderia ter também consagrado o efeito suspensivo da própria execução. Outro argumento utilizado remete para o facto em que, mesmos nos casos em que o particular utilizou previamente uma garantia administrativa e beneficiou da consequente suspensão do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, estes factores não constituirem impedimento para que se recorra de imediato à via contenciosa (artigo 59º/5 do CPTA); actualmente é pacífico afirmar que não existe qualquer exigência no CPTA no que concerne aos actos administrativos terem que ser objecto de prévia impugnação administrativa para posteriormente lhes ser permitido serem objecto de impugnação contenciosa. Nesta linha de raciocínio, o professor Mario Aroso de Almeida revela-se também apologista deste entendimento não obstante efectuar uma interpretação restritiva e minimalista deste regime, através da qual se estaria aqui apenas perante uma revogação da regra geral da existência do recurso hierárquico necessário, constante do CPA, sendo que esta não implicaria a revogação de eventuais regras especiais, que consagrassem tal exigência, nem afastaria a possibilidade do estabelecimento de similares exigências em lei especial. Deste modo, para Mario Aroso de Almeida, estas disposições só poderiam desaparecer mediante disposição expressa que determinasse que todas elas se deviam considerar extintas. Noutras palavras, para o referido professor, os actos administrativos com eficácia externa passam a ser impugnáveis perante tribunais administrativos, sem a prévia utilização de qualquer via de impugnação administrativa; o mesmo não sucederia com com as decisões administrativas que continuariam a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso se encontre expressamente previsto na lei. Antagonicamente, Vasco Pereira da Silva contra argumenta referindo que se a unica razão de ser da necessidade de recurso hierárquico era a de permitir a impugnação do acto administrativo e agora se consagra sempre a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, não faria sentido considerar que tal exigência se mantinha, já que esta não poderia produzir efeitos do ponto de vista contencioso; deste modo, não é compreensível como se pode compatibilizar a "regra geral" da admissibilidade de acesso à justiça, independentemente de recurso hierárquico necessário, com as "regras especiais" que supostamente manteriam tal exigência. Além disso, afirmar que o CPTA revogou a "regra geral" do recurso hierárquico necessário do CPA mas não as "regras especiais" implicaria admitir que, antes da reforma, tais normas ditas "especiais" não possuiriam qualquer especialidade, pois ter-se-íam evidenciado como mera confirmação ou reiteração da regra geral de impugnação hierárquica necessária. Retornando os argumentos surgidos no seio da nova reforma, na linha de orientação de Vasco Pereira da Silva, é possível determinar também um argumento de cariz formal, assente no facto de tanto no que concerne às garantias constantes do CPA, como relativamente às que se encontrem contidas em legislação avulsa e independentemente de serem ou não anteriores à reforma, não se colocar em causa uma situação de revogação mas antes de caducidade por falta de objecto; verifica-se assim, que caducam pelo desaparecimento das circunstâncias de direito que as justificavam; além do exposto,de uma perspectiva constitucional, a regência considera que o recurso hierárquico necessário deveria ser considerado inscontitucional, sobretudo depois da reforma, face à qual tal questão se tornou inegável; assim, para que se permita que existam excepções quanto à desnecessidade de impugnação administrativa, teria que se aceitar um contencioso "privativo", uma vez que se estariam a criar "privilégios de foro" para certas categorias de actos administrativos, evidenciando-se uma violação do conteúdo essencial do princípio constitucional da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, assim como do princípio da igualdade de tratamento dos particulares, perante a Administração e perante a Justiça Administrativa. Por fim, é focado ainda um argumento de ordem simultaneamente sistemática e constitucional, que remete para o facto de o CPA, concretizando o direito fundamental de acesso ao Contencioso Administraivo (268º/4, CRP), estabelecer um princípio de "promoção do acesso à justiça" (artigo 7º do CPTA), segundo o qual o "mérito" deve prevalecer sobre as "formalidades", visando que se evitem "diligências inúteis" (artigo 8º/2, CPTA).

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