domingo, 25 de abril de 2010

Recurso hierárquico (Des)necessário?? - Análise do Ac. STA 0701/09

O acórdão em análise trata da situação de uma funcionária do Município da Figueira da Foz que reclamou para o Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz da avaliação de desempenho que lhe foi atibuída. O Presidente da Câmara, por despacho, negou provimento à reclamação apresentada pela funcionária. Este último despacho foi objecto de impugnação.
O recurso de revista era contra o Acórdão do TCAN que confirmou a sentença do TAF de Coimbra que julgou irrecorrível o acto do Presidente da Câmara de indeferimento da reclamação da avaliação de desempenho.
A questão central seria saber se o novo paradigma patente no art. 51º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, doravante CPTA, estaria em conflito com o regime previsto na Lei 10/2004 de 22 de Março e no Decreto-Regulamentar 19-A/2004 de 14 de Maio, que se aplicavam ao procedimento de avaliação de desempenho. Importaria saber qual a natureza da referida reclamação!
O STA, no acórdão referido, entendeu que é pacífica a relação entre o art.51.º/1 CPTA (regra geral - impugnabilidade dos actos administrativos em razão da eficácia externa e da lesão dos particulares, afastando a exigência de recurso hierárquico) e as impugnações administrattivas necessárias. Sendo assim, essa regra geral, segundo o entendimento sufragado no douto acórdão, deixaria de se aplicar sempre que existisse determinação legal expressa, anterior ou posterior à sua entrada em vigor, que previsse a necessidade de impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa.
Ora, no caso analisado pelo acórdão, os diplomas aplicados ao procedimento de avaliação de desempenho previam a existência de reclamação nesse procedimento, que seria necessária pois o referido decreto regulamenta a Lei 10/2004 e nesta apenas se diz que à fase de homologação se segue a fase de reclamação, por isso o decreto-regulamentar não pode conter mais ou dispor de forma diferente do que a lei regulamentada. Por isso, quando o art.28.º/1 do decreto-regulamentar dipõe "pode apresentar reclamação", tal disposição não pode ser entendida como meramente facultativa mas como necessária. Álém disso, sendo estes diplomas posteriores à entrada em vigor do CPTA e não existindo, in casu, norma revogatória expressa foi do entendimento do STA que o legislador pretendeu que a resolução do litígio fosse feita, numa primeira fase, pela Administração e só perante o fracasso dessa via se podia recorrer ao Tribunal.
Claro está, que este entendimento não está isento de críticas, não sendo por alguns autores sufrado.
Entre esses autores consta o Prof. Vasco Pereira da Silva. Segundo a sua opinião a exigência do prévio esgotamento das garantias administrativas como condição necessária do acesso aos tribunais (definitividade vertical) seria inconstitucional ,pois, seria uma negação do direito fundamental ao recurso contencioso.
Desperto para essa realidade, o legislador afastou, de modo expresso, essa necessidade de recurso hierárquico como condição de acesso aos tribunais.
Ao longo de todo o Código de Processo é visível esta tomada de atitude do legislador, nomeadamente, através da consagração da impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, não havendo qualquer referência no CPTA à necessidade de recurso hierárquico deve considerar-se como afastada. O que vale, na minha opinião, seguindo o Prof. Vasco Pereira da Silva, tanto para as disposições do CPTA como para qualquer lei avulsa que consagre a obrigatoriedade de recurso hieráquico. Sendo assim, á partida, no caso presente no acórdão, a exigência feita pelo Lei e pelo decreto-regulamentar referidos, estaria afastada pela regra geral do art.51º/1 CPTA. A atribuição de efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa do acto administartivo á utilização de garantias administrativas significa que, da perspectiva do particular, as garantias administartivas, nomeadamente o recurso hierárquico, passaram a ser sempre "desnecessárias", mas são úteis. Pois, o particular que opte previamente pela via administrativa sabe que o prazo para impugnação contenciosa só volta a correr depois da reapreciação administrativa. Por outro lado, mesmo quando tenha optado, primeiramente, pela via graciosa, o particular não fica impossibilitado de imediatamente impugnar por via contenciosa. Através deste factores, pode concluir-se que todas as garantias administrativas são, agora, "facultativas", não sendo pressuposto de acesso ao juiz.
Apesar destes argumentos, alguns autores defendem um entendimento diferente. Assim, na esteira do que foi entendido pelo STA, o Prof. Mário Aroso de Almeida defende uma interpretação restritiva do novo regime jurídico do CPTA. De acordo com este autor, existe apenas uma revogação expressa da regra geral da exigência de recurso hierárquico necessário, mas isso não implica a revogação de eventuais leis avulsas que contenham regras especiais, nem afastaria a possibilidade do estabelecimento de similares exigèncias em lei especial.
Salvo o devido respeito, não me parece, de todo, que este seja o melhor entendimento. E isso essencialmente por dois factores, para mim decisivos:
  • ao afirmar que apenas foi revogada a regra geral de exigência de recurso hierárquico e não as regras especiais, está-se a esquecer que as tais normas ditas "especiais" não eram especiais ao tempo da antiga regra geral.
  • por outro lado, essas regras contidas em leis avulsas, anteriores ou posteriores à reforma, não foram revogadas, simplesmente caducaram por falta de objecto.
Tudo isto visto, no meu entendimento a Lei 10/2004 e o referido decreto-regulementar, já não seriam aplicáveis, não exigiriam qualquer garantia administrativa, apenas claro está o particular teria essa faculdade, que podia ou não utilizar.
Em suma, parece-me perfeitamente desnecessário continuar a exigir recurso hierárquico quando tal exigência deixou de ser um pressuposto de impugnação dos actos administrativos. Pois até tal exigência colocaria em causa o princípio constitucional da separação entre a Administração e a Justiça, pois o direito de acesso ao tribunal estaria vedado pela não utilização de uma garantia administartiva.
Bibliografia:
"O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Vasco Pereira da Silva
"O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", Mário Aroso de Almeida
Trabalho realizado por:
Liliana Almeida, sub 3

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