sábado, 17 de abril de 2010

O tão afamado recurso hierárquico necessário....


Processo:
0701/09
Data do Acordão:
11-03-2010
Tribunal:
1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:
COSTA REIS
Descritores:
ACTOAVALIAÇÃO DE DESEMPENHOCPTARECLAMAÇÃO NECESSÁRIA
Sumário:
I - O art.º 51, n.º 1, do CPTA, introduzindo um novo paradigma de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos, convive com a existência de impugnações administrativas necessárias, não só quando a lei o disser expressamente, como também em todos aqueles casos, anteriores à vigência do CPTA, que contemplavam impugnações administrativas, previstas na lei, comummente tidas como necessárias.II - Deste modo, a regra geral contida naquele preceito será inaplicável sempre que houver determinação legal expressa, anterior ou posterior à sua entrada em vigor, que preveja a necessidade de impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa.III - Sendo assim, e sendo que no procedimento para avaliação do desempenho regulamentado pela Lei n.º 10/04 e pelos Decretos Regulamentares n.º 19-A/04 e n.º 6/06 está prevista a existência de reclamação, à qual se seguirá recurso hierárquico, e sendo que estes diplomas são posteriores à entrada em vigor do CPTA é forçoso concluir que a reclamação neles prevista é necessária.
Nº Convencional:
JSTA000P11574
Nº do Documento:
SA1201003110701
Recorrente:
SIND NAC DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL - STAL
Recorrido 1:
MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ
Votação:
UNANIMIDADE

Em virtude da tarefa que foi lançada pela Drª Alexandra Leitão, aqui deixo o comentário que fiz acerca do Acórdão supra citado.
A problemática deste Acórdão prende-se com um tema que tem feito correr “rios de tinta” entre a Doutrina, falo assim do chamado recurso hierárquico necessário e da sua admissibilidade, ou não, após a reforma do Contencioso Administrativo, com a introdução do CPTA. Primeiramente, gostaria de centrar-me no caso sub judice para, em seguida, elencar as diversas opiniões que têm sido perfilhadas por vários administrativistas quanto a esta questão. O Acórdão em apreço tem como questão de fundo saber se a reclamação do acto homologatório da avaliação de desempenho prevista nos arts. 13º da Lei 19/2004 e 28º/1 do Decreto Regulamentar 19- A/2004 é uma reclamação facultativa e, assim, o despacho que sobre ela recaiu é judicialmente recorrível ou, inversamente, se a mesma é indispensável para se abrir a via contenciosa de impugnação daquela avaliação. B, funcionária do Município da Figueira da Foz, exercendo funções de Técnica Superior de Assuntos Culturais Principais, reclamou para o Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz da avaliação de desempenho que lhe foi atribuída. Por despacho deste, foi negado provimento à reclamação apresentada por aquela.
O STA vem pronunciar-se, neste Acórdão, justamente contra a decisão proferida pelo TCAN e TAF de Coimbra, uma vez que em ambos ( TCAN e TAF) foi julgado irrecorrível o acto do Presidente da CM da Figueira da Foz, com fundamento na Lei 10/2004, de 22/03 e no Decreto Regulamentar nº 19- A/2004 ( criaram o Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública – SIADAP) que, embora previssem a possibilidade da reclamação, esta constituía um meio de impugnação meramente facultativo. Para tanto, invocaram os arts. 28º/1 Decreto Regulamentar 19- A/ 2004 que dispõe o seguinte: “ Após tomar conhecimento da homologação da sua avaliação, o avaliado pode apresentar reclamação por escrito (..)”. A interpretação que é feita em ambas as instâncias no que concerne à redacção deste artigo quando se refere a “pode” é de entender que a reclamação seria meramente facultativa, que a homologação era o acto judicialmente impugnável, havendo assim lugar à abertura da via contenciosa de impugnação a partir do momento em que aquele fosse proferido. A meu ver esta interpretação é, salvo o devido respeito, de todo “nonsense” e digo isto por dois motivos que vieram a ser invocados pelo STA e que me pareceram perfeitamente válidos:
O Decreto Regulamentar 19- A/2004 regulamenta ( passe-se a redundância) a própria Lei 10/2004, uma vez que, sendo uma norma jurídica, destina-se a pormenorizar a lei, de forma a conduzir à sua boa execução, e se assim é, o Decreto Regulamentar “não pode conter nem mais nem dispor de forma diferente da lei regulamentada” ( eis as palavras utilizadas pelo STA). Além disso, a Lei 10/2004 não contempla, em nenhum dos seus artigos, idêntica previsão a este art.
28º/1 Decreto Regulamentar nº 19- A/2004.
O Acórdão do Pleno da Secção Administrativa do STA veio entender que a introdução do conceito de acto administrativo lesivo, para efeitos de impugnação contenciosa ( art. 51º/1CPTA) não revogou as normas existentes em diplomas que previssem, em termos expressos, a existência de reclamações graciosas.
No nosso caso, essa norma revogatória não existia. Opinião muito peculiar tem o Prof Mário Aroso de Almeida, que acaba por convergir com o entendimento que é expresso neste Acórdão na medida em que, segundo este autor, não obstante a revogação da regra geral que foi operada em sede de recurso hierárquico necessário, continuam a existir leis especiais, que consagram tal exigência. O CPA não tem uma amplitude que vá ao ponto de revogar as determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias. Se tal sucedesse, seria exigir de mais do legislador? Parece que sim…
Em suma, o STA deu provimento ao recurso de B, revogou o Acórdão recorrido, entendendo assim que a reclamação do acto homologatório da avaliação de desempenho prevista nos arts. 13º da Lei 19/2004 e 28º/1 do Decreto Regulamentar 19- A/2004 era necessária para a abertura da via contenciosa de impugnação daquela avaliação. Como disse no início deste presente trabalho, a Doutrina nunca foi consentânea quanto a este tema, senão vejamos, por exemplo o prof Vasco Pereira da Silva que, antes da reforma do Contencioso Administrativo, sempre defendeu a inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário, pelas seguintes ordens de razão: Princípio da efectividade da tutela (art. 268º/4CRP); princípio da desconcentração administrativa (art.267º/2CRP); princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art. 268º/4CRP), pois a inadmissibilidade de recurso hierárquico necessário, quando não tenha existido previamente recurso hierárquico necessário, equivale a uma verdadeira negação do direito fundamental de recurso contencioso. O problema surgiu depois da Reforma, porque segundo este autor, o legislador veio afastar de forma expressa a necessidade de recurso hierárquico necessário como condição de acesso à justiça. A título meramente exemplificativo, o sr. Prof cita o art. 59º/4 CPTA: “ a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.” Este artigo, no entender do Professor, oferece claramente maior eficácia à utilização de garantias administrativas pelo que, se o particular optar por esta via, está ciente que o prazo para a impugnação contenciosa só voltará a correr depois da decisão do seu pedido de reapreciação do acto administrativo. A este propósito, cita-se o Prof Paulo Otero ( in “Impugnações Administrativas - Cadernos de justiça administrativa”), para quem a regra da suspensão dos prazos acaba por transformar a impugnação administrativa facultativa em impugnação recomendável”. Também o art. 59º/5 CPTA é mais uma prova provada da desnecessidade do tão, outrora, afamado recurso hierárquico necessário. Atente-se, assim na sua redacção: “ A suspensão do prazo previsto no número anterior não impede o interessado de proceder à imediata impugnação contenciosa do acto na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adopção de providências cautelares”. Ora, o particular que accionou uma garantia administrativa e obteve a suspensão do prazo de impugnação contenciosa, continua a ter a possibilidade de impugnar contenciosamente o acto administrativo. Parece-me que a lei é clara, não deixando margem para dúvidas acerca da, se lhe quisermos chamar “desnecessidade” do recurso hierárquico necessário, pelos argumentos (entre outros) supra mencionados.

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