domingo, 25 de abril de 2010

Evolução do Contencioso Administrativo nos Sistemas Britânico e Francês

O Contencioso Administrativo surgiu na sequência da Revolução Francesa (1789), enquanto movimento reactivo ao Antigo Regime (no qual vingava a ideia de Estado todo-poderoso insusceptível de ser julgado por qualquer juíz, evidenciando-se, assim, a concepção teórica de Estado, preconizada sobretudo por Maquiavel), exaltando-se a criação do Conselho de Estado como juiz privativo da Administração (cujo desiderato fulcral era obstar à actuação dos tribunais judiciais) e a criação de um contencioso especial para a Administração. Neste contexto, inicia-se a denominada, pelo professor Vasco Pereira da Silva, Fase do Pecado Original, sendo que esta traduziu uma flagrante promiscuidade entre a Administração e a Justiça, ou seja, entre as tarefas de administrar e julgar, uma vez que os tribunais comuns se encontravam proibídos de interferir na esfera da Administração, apelando ao princípio da separação de poderes. Implantou-se a ideia de "juíz doméstico" e os revolucionários franceses manifestram-se apologistas de que “julgar a Administração é ainda administrar” logo, se os tribunais comuns julgassem a Administração estavam a usufruir de um poder que não era o seu. Esta interpretação incorrecta do princípio da separação de poderes constituiu o cerne de um sistema em que o administrador era juíz e o juíz era administrador. Antagonicamente, no Reino Unido a concepção de separação de poderes que então vigorava assentava no facto de cada poder ser autónomo e independente, limitado reciprocamente, mas sem que isso significasse a sua integração em qualquer entidade superior. Deste modo, evidenciou-se uma submissão da Administração aos tribunais e às regras de “direito comum”. Neste sentido, assumiu-se a inexistência de um Direito Administrativo propriamente dito em Inglaterra, afirmação sustentada pela inexistência de normas, tribunais e privilégios, sendo que a ideia de que o Common Law não resolve tudo só veio a ser sufragada posteriormente, perante a inevitabilidade de apelo ao Direito Administrativo.
Com a passagem para o Estado Social, surgiu consequentemente uma Administração Prestadora e o Sistema Britânico sofreu, inevitavelmente, algumas perturbações. Deste modo, a maior intervenção dos poderes públicos na vida económica, social e cultural possibilitou a criação de normas reguladoras da actividade administrativa, assim como o reconhecimento a certas autoridades administrativas de poderes de autotutela das suas decisões e, inclusivamente do aparecimento de especificidades contenciosas, mesmo no que concerne ao funcionamento dos tribunais, sendo que uma jurisdição única não afasta uma progressiva especialização, na mesma linha de orientação de vasco Pereira da Silva.Todavia, veio a verificar-se um tendencial desfasamento do sistema administrativo britânico face à realidade de então, na medida em que o juíz do tribunal comum usufruiria de alguma discricionariedade, tornando menos efectivo o controlo judicial; evidencia-se crucial relevar que se criaram órgãos administrativos especiais, com tarefas administratibas e jurisdicionais, atendendo à existência de distintas normas processuais para os litígios administrativos.
Simultaneamente, o sistema francês já preconizava a jurisdicionalização do Contencioso Administrativo, inicinado-se a Fase do Baptismo, na qual as decisões do Conselho de Estado, que ainda na primeira fase deixaram de exigir a homologação do Chefe de Estado, se autonomizaram e se impuseram; deste modo, um órgão que era consultivo adquiriu carácter jurisdicional, apelando ao seu prestígio. Evidenciou-se um crescente afastamento do sistema francês no que diz respeito aos traumas da fase do pecado original na medida em que a Justiça Administrativa se autonomizava cada vez mais em relação ao poder administrativo.

De acordo com o supracitado, constacta-se uma aproximação entre os dois sistemas em questão pois, não obstante os distintos caminhos percorridos por cada um, ambos evidenciavam a existência de entidades autónomas encarregadas de fiscalizar a Administração: no sistema francês, tratavam-se de verdadeiros tribunais; no sistema britânico, assumiam-se entidades administrativas especiais.
A terceira fase, denominada pela regência por Fase do Crisma ou da Confirmação, consistiu em dois aspectos fulcrais: uma reafirmação da natureza jurisdicionalizada, através da qual o juíz exalta o gozo de plenos poderes relativamente à Administração; e uma consagração de uma dimensão subjectiva cujo escopo incidia na protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares.
A referida Confirmação traduz-se através de fénomenos de constitucionalização e de europeização (apelando ao Direito Comunitário). Neste contexto, no sistema francês, o Conselho Constitucional consagra que o Contencioso Administrativo é tarefa de verdadeiros tribunais e que os particulares gozam de direitos de acesso ao processo para a defesa das suas posições subjectivas em face da Administração. Salvaguarde-se que o sistema francês sofreu, posterioremente, reformas legislativas de extremo relevo. No que concerne ao sistema britânico, verificou-se um significativo incremento de processos referentes ao controlo judicial das decisões de autoridades públicas, considerando-se, consequentemente, o Contencioso Administrativo como parte integrante da Constituição material. Para esse efeito desempenhou também um papel crucial a actuação criadora dos juízes. Saliente-se que, simultaneamente, prosperava uma progressiva especialização do Contencioso Administrativo. Assim, denota-se uma reaproximação dos referidos sistemas em análise. Resta mencionar que a referida europeização tem revelado uma influência crecente pois, actualmente, é cada vez mais frequente o recurso a fontes europeias em matéria de Contencioso Administrativo, quer ao nível das fontes de Direito Comunitário (integração vertical), quer ao nível dos princípios consagrados pela União Europeia no âmbito do Processo Administrativo (integração horizontal).

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