sexta-feira, 23 de abril de 2010

O silêncio da Administração: Indeferimento tácito e Deferimento tácito

De harmonia com o artigo 9º nº1 do CPA, que consagra o Principio da decisão, os órgãos administrativos têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares.
Estabelecendo o nº2 do mesmo preceito legal, que não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.
Relativamente ao prazo dentro do qual deve a Administração concluir o procedimento, estabelece o artigo 58ºnº1 CPA, que este é de 90 dias, contados nos termos do artigo 72º do CPA.

A questão que se coloca é a de determinar o que acontece se a Administração não responder.
Antes de mais, para estarmos perante uma omissão juridicamente relevante, é necessário a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
1.) a iniciativa do particular;
2.) a competência do órgão administrativo interpelado para decidir o assunto;
3.) a existência de um dever legal de decidir;
4.) o decurso do prazo estabelecido na lei ( nos termos do artigo 58º CPA, 90 dias).

Resumindo, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva “ a omissão administrativa, para ser juridicamente relevante, implica que tenha havido um pedido do particular, apresentado ao órgão competente e com o dever legal de decidir, não tendo havido qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido”.

Feitas estas considerações prévias, cabe perguntar: o que sucede quando estamos perante uma omissão juridicamente relevante?

Tradicionalmente, entende-se que há duas possibilidades.
A primeira consiste na atribuição à omissão de um valor positivo, isto é, entende-se que o silêncio da administração equivale a um deferimento do pedido do particular (sistema do deferimento tácito).
A segunda alternativa, consiste em atribuir ao acto tácito um valor negativo, ou seja, ao silêncio da administração equivale um indeferimento do pedido (sistema do indeferimento tácito).

O CPA, adoptou uma solução original, na medida em que não corresponde a nenhum dos sistemas, mas antes a uma mistura de ambos.
Quanto estamos perante casos em que o acto administrativo cuja prática se solicita corresponde ao exercício de um poder vinculado, isto é, em que os direitos já existem na esfera jurídica dos particulares e a Administração apenas tem de remover um obstáculo jurídico, a omissão assume o significado jurídico de um deferimento (artigo 108º nº3 CPA).
O deferimento tácito ou o chamado silêncio positivo, constitui uma presunção legal de que o silêncio da administração equivale a um acto positivo, favorável à pretensão do particular.
Contrariamente, nos casos em que o acto administrativo solicitado corresponde ao exercício de um poder discricionário, tendo a Administração Publica uma livre margem de apreciação, a omissão assume o significado jurídico de indeferimento. (artigo 109º CPA).

Cabe agora perguntar: perante o silêncio da Administração, ou seja, perante uma situação de deferimento tácito ou de indeferimento tácito quais os meios de reacção de que o particular pode abrir mão?

No que respeita ao indeferimento tácito, estatui o artigo 109º nº1 CPA que “ a falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”.
O indeferimento tácito será aplicável sempre que haja um incumprimento pela Administração do dever legal de decidir e, a situação concreta, não seja qualificada pela lei como deferimento tácito.
Ou seja, o silêncio da Administração quando convocada a decidir e extinto o prazo de decisão legalmente previsto, sempre que a situação concreta não consubstancie um caso de deferimento tácito, por não cair no âmbito do artigo 108º do CPA, é valorado como recusa da pretensão do particular.
Perante um indeferimento tácito, determina o artigo 109º CPA que o particular pode propor uma acção de impugnação.

Não há dúvidas, de que a solução era esta até à Reforma do Contencioso Administrativo.
Será que actualmente, perante o silêncio da Administração, ainda é necessário ficcionar a existência de um acto tácito como uma única via de reacção contra a inércia da Administração?

A resposta é negativa.
Até à Reforma, havia uma ficção de indeferimento tácito, que se justificava pela necessidade da existência de um acto administrativo para efeitos de impugnação.
Como entende o Professor Vasco Pereira da Silva “até aqui (…) a regra era a de considerar tacitamente indeferidas tais pretensões, a fim de permitir a sua impugnação contenciosa”, desde a reforma “ essa ficção legal torna-se desnecessária, pois se permite ao particular que solicite, desde logo, a condenação da Administração na prática do acto devido”.
De igual modo, o Professor Mário Aroso de Almeida “a introdução da possibilidade de se pedir e obter a condenação judicial da Administração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos tem o alcance de fazer com que se deva entender que o artigo 109º nº1 do CPA é tacitamente derrogado”.

Como se verifica, o novo CPTA, põe esta figura do indeferimento tácito em causa, com a previsão da acção de condenação da Administração em actos legalmente devidos.
A condenação à prática de acto devido serve para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado (artigo 66º nº 1 CPTA).
É de salientar, que Segundo o Professor Vieira de Andrade acto devido “ é, portanto, aquele acto administrativo que, na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão ou uma recusa (…) quando tenha sido praticado um acto que não satisfaça uma pretensão”.
Como resulta do artigo 67ºnº1 a.) CPTA “ A condenação à prática de acto administrativo legalmente devido pode ser pedida quando tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido”, portanto, esta acção tem como “situação alvo”, nomeadamente, a inércia da Administração, condenando-a agir.
Assim, ultrapassado o prazo legalmente estabelecido para o órgão administrativo proferir uma decisão, (prazo esse que o artigo 58º do CPA determina ser, em regra, de 90 dias) o particular pode propor esta acção no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal estabelecido para a emissão da decisão ( artigo 69ºnº1 CPTA).

Deste modo, deverá entender-se, como refere o Professor Mário Aroso de Almeida que o artigo 109º do CPA foi derrogado tácita e parcialmente, devendo ser interpretado do seguinte modo: “a falta de decisão administrativa confere ao interessado a possibilidade de lançar mãos do meio de tutela adequado”.

Ou como entende o Professor João Caupers “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão final sobe pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui incumprimento do dever de decidir.
Tal incumprimento confere aos interessados o direito de fazer uso dos meios de tutela jurisdicional adequados, nomeadamente propondo no tribunal administrativo competente acção administrativa especial pedindo a condenação do órgão administrativo silente à prática do acto administrativo legalmente devido”.

A possibilidade de utilização de um meio impugnatório, como forma de reacção contra as situações de incumprimento do dever de decisão, está excluída pelo artigo 51ºnº4 do CPTA, pelo que se contra um acto de indeferimento for deduzido um pedido de anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição para formular o adequado pedido de condenação à prática de acto devido.


Será que o deferimento tácito subsiste, após a Reforma, no ordenamento jurídico-administrativo?
O pedido de condenação também pode ter lugar nos casos em que a lei determina que a omissão administrativa equivale ao deferimento tácito da pretensão do particular?


Contra esta hipótese do pedido de condenação, o Professor Mário Aroso de Almeida entende que o “deferimento tácito é um acto administrativo que resulta de uma presunção legal”, pelo que “ em situação de deferimento tácito, não há (…) lugar para a propositura de uma acção de condenação à prática do acto omitido, pelo simples motivo de que a produção desse acto já resultou da lei”.
Nestes casos será preferível a aplicação de uma acção administrativa comum de reconhecimento do direito ao abrigo do deferimento tácito “ou a acção de condenação da Administração ao reconhecimento de que assim é”.

Por seu turno, o Professor Vieira de Andrade, entende que nos casos de deferimento tácito (artigo 108º CPA), não é necessária a propositura da acção condenatória da prática de um acto administrativo. Nestas situações, entende o Professor, que o particular pode recorrer a uma acção administrativa comum, quer de reconhecimento, no caso de querer tornar certo o deferimento, quer de condenação em comportamento, se houver lugar a uma execução administrativa; seja uma impugnação, na hipótese de um terceiro ou o MP pretenderem pôr em causa em causa a validade do acto.

Em sentido contrário, o Professor Vasco Pereira da Silva, entende que o deferimento tácito não é um acto administrativo, e que não é de afastar a possibilidade de pedidos de condenação na prática de acto devido.
No entendimento do Professor, não obstante o deferimento tácito ser uma “ficção legal” de efeitos positivos, não é de afastar totalmente a admissibilidade de pedidos de condenação.
Por um lado, nas hipóteses em que o deferimento tácito não corresponde integralmente às pretensões dos particulares, sendo, portanto, considerado parcialmente desfavorável o que permite a formulação de um pedido de condenação.
Por outro lado, o deferimento tácito, numa relação jurídica multilateral, poderá ser favorável em relação a um ou alguns dos sujeitos, mas não no que respeita aos demais, os quais se vêm confrontados com efeitos desfavoráveis, que lhes deve permitir a utilização da via do pedido de condenação.

Na minha opinião, e salvo o devido respeito, numa situação em que o silêncio da Administração equivale a um deferimento tácito, não terá razão de ser a acção de condenação no acto devido, uma vez que, o efeito positivo que o particular pretende já resulta da presunção legal de deferimento tácito, pelo que a aplicação da acção de condenação será inútil.
Para além do mais, podemos retirar do artigo 157º nº3 CPTA que o deferimento tácito é um título executivo, pelo que parece-me mais vantajoso, para o particular, que se encontre munido de um deferimento tácito lançar mão de uma acção executiva.

Podemos concluir que o legislador tem de rever o CPA, de forma a adaptar o seu texto à Reforma da Justiça Administrativa.
Em suma, desde a Reforma, como diz o Professor Marcelo Rebelo de Sousa “ a ficção legal de indeferimento tácito, para possibilitar recurso, deixa de ser necessária, de ter sentido útil”.

2 comentários:

  1. O que dizer das situações em que a Administração decide antes do término do prazo para a formação do acto de deferimento tácito mas a decisão (expressa de indeferimento) é notificada ao interessado/requerente após o prazo fixado para a formação do ato tácito?

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  2. Boa noite. O processo de reforma da minha esposa está em indeferimento tácito. Mas ela entregou os documentos que pediram dentro do prazo e temos a prova. Ninguém nos avisou de nada e na segurança social não sabem o que dizer, dizem que temos razão e entregamos tudo mas nao sabem o que fazer que em lisboa ninguém atende, etc... Estamos bloqueados não temos como resolver isto. Ninguém sabe dar informacões na seguranca social...alguém pode dar alguma informaçao que nos oriente?

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