quinta-feira, 15 de abril de 2010

Tarefa 2- Legitimidade: Os Sujeitos e os Interesses na Acção Popular

De entre os vários pressupostos processuais quanto aos sujeitos, a legitimidade destaca-se como o pressuposto cujas regras determinam quais os sujeitos que efectivamente podem e/ou devem fazer parte no processo, sendo mais relevante para a acção popular a legitimidade activa1.

No âmbito do Contencioso Administrativo, a legitimidade activa aparece-nos no art.9º/1 CPTA como uma legitimidade que nasce no sujeito (o autor) pelo facto de alegar “ser parte na relação material controvertida” (9º/1 in fine CPTA). Ou seja, a lei considera uma parte como legítima para propor uma acção quando essa alegue a titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido. Trata-se de um interesse subjectivo, individual, específico2, contrapondo-se ao interesse subjacente à acção popular, cuja ressalva do art.9º/1, 1ªparte CPTA e a 1ªparte do art.9º/2 CPTA será indicador disso mesmo.

No dito art.9/º2 CPTA está expressamente consagrada a possibilidade de qualquer cidadão ou grupo de cidadãos interporem uma acção com o objectivo de defesa de “bens e valores” constitucionalmente protegidos, a chamada acção popular. Assiste-se assim a um alargamento da legitimidade activa de modo a possibilitar a defesa de interesses difusos3, independentemente da relação com os bens ou interesses, no âmbito, está claro, de uma relação de natureza administrativa4.

O art.52º/3 CRP reconhece expressamente o direito de acção popular, apesar de remeter para a lei os casos em que tal acção pode ser proposta. A lei 83/955 no seu art.1º/2 designa como interesses protegidos a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público; a que o 9º/2 CPTA acrescenta “o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias”, o que se compreende no âmbito das acções do Contencioso Administrativo.

Destes valores se denota a importância que a acção popular pode ter na nossa sociedade moderna. Com a crescente massificação da produção, distribuição, informação e consumo e na sociedade de riscos sociais, de subsistência e tecnológicos em que vivemos, estamos mais facilmente perante situações que nos afectam de uma maneira que ultrapassa o nosso exclusivo interesse. São pois supra-individuais.

Ressalve-se que o autor nesta acção não tem necessariamente de ser titular de um interesse difuso, podendo ser titular de um interesse individual homogéneo, termo particularmente importante na prática, nas relações de consumo e na determinação de indemnização, enquanto que em teoria as diferenças são mínimas. O próprio art.52º/3 da CRP consagra o direito à indemnização decorrente da acção popular, que no caso de um interesse individual homogéneo, ao contrário do que acontece com os interesses difusos, terá que ter em conta o interesse de cada lesado, já que se pode reconduzir um interesse geral em jogo à situação específica de cada um.

Imaginemos por exemplo, que uma empresa pública de telecomunicações lança um produto (em larga escala e com preços competitivos) defeituoso que prejudica gravemente o sistema operativo dos computadores de cada utilizador e que a dita empresa se recusa a retirar do mercado e a responsabilizar-se pelos danos causados. O interesse geral, público, é a defesa do consumo que se refere a todos os produtos prejudiciais no mercado e a todos os actuais e possíveis utilizadores. No entanto, em sede de indemnização, essa apenas terá lugar nos casos em que efectivamente se lesou o bem, apesar de outros poderem também ser parte activa (ter legitimidade activa) na acção.

Quanto às partes, o art.9º/2 confere legitimidade para acção popular “a qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público”. Esta última figura será a que de entre as partes a que mais se destaca, a que de facto reafirma o dito alargamento de legitimidade activa no âmbito do Contencioso Administrativo.

O Ministério Público aparece no processo como magistrado em defesa da legalidade e do interesse público munido de um estatuto próprio. É um órgão com um estatuto especial e de independência face a outros e com um regime próprio de intervenção processual, podendo apresentar-se como parte acessória especial (334º CPC), apresentando-se neste caso como parte principal, como autor popular. Pelas suas funções, repito, de defesa da legalidade e do interesse público se compreende a lógica subjacente à legitimação como parte na acção popular, posto que são precisamente estes os interesses que a acção popular visa proteger. E, apesar de aproximar a defesa deste valores dos cidadãos ser o outro objectivo subjacente a este alargamento de legitimidade activa, não torna nem poderia tornar a defesa dos ditos absolutamente dependente da vontade e iniciativa dos cidadãos.

Pode-se dizer que o Ministério Público ao agir neste âmbito estará a fazê-lo em representação dos cidadãos e dos “seus” interesses. Representante então do Estado, se se entender o Estado como baseado na soberania popular (art.2º CRP).

Não deixa de ser estranha ao olho destreinado a possibilidade, no âmbito da acção comum, de uma acção popular de iniciativa do Ministério Público contra o Estado, em que é o próprio Ministério Público que age como representante do Estado (art.11º/2 e 40º/1 b) CPTA)...Possível?

Em conclusão, no tocante à legitimidade enquanto importante pressuposto processual no Contencioso Administrativo quanto aos sujeitos, a extensão da legitimidade activa na acção popular, ao abdicar da exigência de um interesse pessoal e directo na relação material controvertida, permite a defesa pelos cidadãos (ou pelo MP em sua representação) de interesses que, para além de individuais, são comuns e indivisíveis (difusos) e cuja defesa é essencial para a boa vivência e convivência em sociedade.


1Isto porque, ao contrário da activa, a legitimidade passiva não sofre alargamentos nem alterações face aos processos que se integram na acção popular.

2 V. 29-04-2003 STA

3V. 15-12-1999 STA

4V. 14-05-2009 STA

5http://dre.pt/pdf1sdip/1995/08/201A00/54645467.pdf


Joana Alfaiate, 16070, subturma3

Sem comentários:

Enviar um comentário