terça-feira, 18 de maio de 2010

Condenação à prática de acto devido – pressupostos processuais

São pressupostos processuais na acção de condenação à prática de acto devido:
1.Existência de uma omissão de decisão, por parte da Administração, ou prática de acto administrativo de conteúdo negativo
2.Legitimidade das partes
3.Oportunidade do pedido

1. Existência de uma omissão de decisão, por parte da Administração, ou prática de acto administrativo de conteúdo negativo

O art 67º CPTA distingue três hipóteses relativos ao comportamento da Administração:
- “não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido”, no caso de ter sido “apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir” (alínea a)
- “tenha sido recusada a prática do acto devido” (alínea b)
- “tenha sido recusada a apreciação de requerimento dirigido à prática do acto” (alínea c)
Mas estas três hipóteses podem ser reconduzidas a duas situações a saber: existência de uma decisão administrativa (alínea a) ou existência de um acto de conteúdo negativo, que pode ser a recusa da prática de um acto favorável ou a recusa da Administração em pronunciar-se (alínea b).

A primeira situação, omissão administrativa, implica que tenha havido um pedido do particular, apresentado ao órgão competente e com o dever legal de decidir, e não tenha havido qualquer decisão desse pedido no prazo legalmente estabelecido. Até 2009, a regra era a de considerar isto como um indeferimento tácito, a fim de permitir a sua impugnação contenciosa (art 109º CPTA). O particular baseava-se nessa “ficção legal”, só que agora, a “ficção legal” torna-se desnecessária, uma vez que se permite ao particular que solicite, desde logo, a condenação da Administração na prática do acto devido, obtendo a satisfação directa da sua pretensão. Quanto a isto, Mário Aroso de Almeida e o Professor Vasco Pereira da Silva, defendem a possibilidade imediata de se obter a condenação judicial da Administração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos; isto quer dizer que o art 109/1º CPTA é tácitamente derrogado na parte em que reconhece ao interessado a “faculdade de presumir indeferida” a sua “pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”, devendo passar a ser lido como se dissesse que a falta de decisão administrativa confere ao interessado a possibilidade de utilizar o meio de tutela adequado, ou seja, a impugnação administrativa.

E o pedido de condenação também pode ter lugar nos casos em que a lei determina que a omissão administrativa equivale ao deferimento tácito da pretensão do particular (art 108º CPTA)? Deferimento “tácito” é também uma presunção legal, com pressupostos idênticos aos do indeferimento tácito – pedido do particular, órgão competente, dever legal de decidir, omissão a partir de determinado prazo -, só que tem efeitos positivos. Mário Aroso de Almeida considera o deferimento tácito um acto administrativo que resulta de presunção legal, por isso, nestas situações não há lugar para a propositura de acção de condenação à prática de acto devido uma vez que a produção desse acto já resultou da lei. O Professor Vasco Pereira da Silva, pelo contrário, não considera o deferimento tácito como acto administrativo nem considera que se deva afastar a possibilidade de pedidos de condenação na prática de acto devido. E justifica-se: uma coisa é a produção de efeitos que ocorrem por causa da “ficção legal” em caso de comportamento omisso da Administração, outra coisa é a actuação intencional da Administração materializada num procedimento destinado à emissão de um acto.

Do ponto de vista do interesse público, as exigências da Administração apontam ou para formas mais expeditas de organização e funcionamento, de acordo com os princípios da eficiência e da desburocratização (art 267º CRP e 10º CPTA), ou para o surgimento de maiores exigências de decisão efectiva por parte das autoridades administrativas, nomeadamente quando está em causa o exercício de poderes discricionários, no âmbito de relações multilaterais. Já do ponto de vista dos particulares torna-se menos necessária a exigência de “mecanismos compensatórios” para os défices de funcionamento da Administração Pública, como é o caso do deferimento tácito, tendo em conta que o novo Contencioso Administrativo, permite ao particular reagir de modo eficaz contra omissões ilegais, nomeadamente através do pedido de condenação na prática do acto administrativo devido, em acção administrativa especial. Isto obriga a repensar a lógica dos deferimentos tácitos.
Mesmo admitindo que a omissão administrativa conduz ao deferimento tácito resulta daí um acto administrativo que por si só não seria bastante para afastar o pedido de condenação uma vez que esta tanto pode ter lugar em relação a omissões como actuações administrativas desfavoráveis. Na opinião do professor Vasco Pereira da Silva a única objecção procedente relativa à admissibilidade de pedidos de condenação de omissões administrativas geradoras de deferimentos tácitos tem a ver com o facto de estar em causa uma ficção legal com efeitos positivos, isto é, favorável ao particular, em princípio. Ainda assim, no entender do Professor, não se deve afastar admissibilidadde de pedidos de condenação em pelo menos duas situações:
a) A hipótese do deferimento tácito, nos termos da lei, não corresponder integralmente às pertensões do particular, pelo que, nessa medida, pode ser considerado como parcialmente desfavorável, o que permite pedidos de condenação;
b) A hipótese do deferimento tácito, numa relação jurídica multilateral, ser favorável em relação a um ou alguns sujeitos, mas não no que respeita os demais, os quais se vêem confrontados com efeitos desfavoráveis, que lhes permite a utilização do pedido de condenação. Tendo em conta art 19º do DL 69/2000, de 3 de Maio: se o deferimento tácito corresponde à satisfação da pretenção do requerente ( ex: o dono de uma instalação fabril), ele constitui um acto desforável relatimente a outros sujeitos da relação juridica multilateral ( ex: os vizinhos da instalação), que aleguem que a decisão devia ser o indefererimento de modo a evitar, ou pelo menos, minimizar os efeitos ambientais negativos ( art 17º Lei de AIA) .

Em qualquer dos casos, estaria em causa uma omissão de acto administrativo devido, da qual, para além dos efeitos positivos decorrentes da ficção legal, podem resultar também efeitos susceptíveis de ser configurados como desfavoráveis, seja em face do requerente, que não tenha visto a sua pretensão integralmente satisfeita, seja em face de qualquer outro sujeito da relação jurídica multilateral, lesado pelo deferimento tácito. Nessas situações em que não existe acto administrativo, mas exitem efeitos desfavoráveis, o pedido adequado parace ser o de condenação, em acção administrativa especial. Se considerarmos o deferimento tácito um acto administrativo que pode ser anulado, se já era indispensável antes da reforma do Contencioso Administrativo, quando só existia o recurso de anulação, deixa de fazer sentido, depois da reforma, com a consagração dos pedidos de condenação à prática de acto administrativo especial. Em conclusão, a omissão de actuação, que constitui um pressuposto de admissibilidade do pedido de condenação à prática de acto administrativo devido, relativo ao comportamento da Administração, tanto pode verificar-se em caso de indeferimento como de deferimento tácitos.

A segunda situação, deste primeiro pressuposto, consiste na condenação em virtude de um acto administrativo desfavorável, ou de conteúdo negativo. Este tanto pode resultar da recusa da prática do acto, como da simples recusa de apreciação do pedido, as quais conduzem ao mesmo resultado de denegação do direito do particular à actuação administrativa devida. Uma das mais importantes transformações introduzidas pela reforma do Contencioso, no sentido da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, é a possibilidade de pedir a condenação imediata da Administração perante actos de conteúdo negativo.

2. Legitimidade das partes
O art 68º CPTA, estabelece regras de legitimidade específicas para a actuação administrativa especial quando estão em causa pedidos de condenação, as quais se justificam em razão da natureza do pedido. Assim, e de acordo com o art 68º as partes legítimas para apresentar pedidos de condenação são:
a) Sujeitos privados:
- os individuos ( 68/1/a) e as pessoas colectivas (68/1/b), que aleguem titularidade de um direito susceptível de ser satisfeito com a emissão de um acto administrativo. Este direito nasceu para defesa dos direitos individuais, mas é adaptável à situação das pessoas colectivas privadas;

b) Sujeitos públicos:
- as pessoas colectivas e os órgãos administrativos. O nº1/b apenas faz referência às pessoas colectivas públicas, mas não se vê qual o sentido útil em admitir pedidos de condenação no domínio de relações inter-subjectivas e exclui-las das inter-orgânicas. A considerar correcta a intenção da reforma, de alargar o âmbito de aplicação dos pedidos de condenação tanto às relações externas como às internas, então tal deve valer tanto “para dentro” cono “para fora” das pessoas colectivas. Isto justifica-se não só por se considerar que os verdadeiros sujeitos públicos, em Direito Administrativo, são os órgãos e não as pessoas colectivas, como também pelo facto de o legislador ter adoptado uma perspectiva paradigmática ao ententer que os pedidos dirigidos aos órgãos devem considerar-se como dirigidos às pessoas colectivas. (art 10/4º CPTA) para além de ter admitido expressamente a legitimidade dos órgãos “nos processos respeitantes a litígios entre órgãos da mesma pessoa colectiva (art 10/6º CPTA). Interpretada esta disposição à luz da regra geral da legitimidde passiva é de alargar a admissibilidade dos pedidos de condenação também às relações jurídicas inter-orgânicas;

c) MP
Alargou-se a legitimidade para apresentação de pedidos de condenação também no que respeita à defesa da legalidade e do interesse público, introduzindo uma componente objectivista numa lógica subjectivista, para a defesa dos direitos dos particulares nas relações de prestação, típicas da moderna Administração. Ao tomar tal posição, o legislador parece ter sentido a necessidade de fixar alguns limites, ao estabelecer no art 68/1/cº que o MP só pode formular pedidos de condenação “quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos bens referidos no art 9/2º”. Esta opção não é muito feliz, na opinião do Professor Vasco Preira da Silva: as remissões para as situações tuteláveis através da acção popular, sem qualquer restrição relativa à importância dos interesses em jogo, é manisfestamente inadequada, corendo mesmo o risco de pôr em causa a própria intenção legislativa de estabelecer limites ao alargamento da legitimidade para apresentação de pedidos de condenação, ao deixar “entrar pela janela” situações similares às que antes se tinha “fechado a porta”. Tem de haver uma interpretação correctiva desta disposição, de alargamento da legitimidade ao MP para a apresentação de pedidos de condenação, considerando que estes só se justificam quando estejam em causa interesses públicos particularmente relevantes. Como se compatibiliza o pressuposto processual da legitimidade do MP com o dos pressupostos relativos ao comportamento da Administração? Os pedidos de condenação são admissiveis tanto perante omissões de comportamento da Administração em face de pedidos apresentados por particulares, como perante actos administrativos de conteúdo negativo, que correspondam a direitos subjectivos dos privados. Quanto a isto, Vieira de Andrade diz que “estes requisitos indicam, à primeira vista, que o pedido tem fundamentalmente um alcance subjectivista, destinada à satisfação de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor, mas verifica-se que a legitmidade se alarga à acção colectiva, à acção popular e à acção pública”. Tal contradição legislativa entre objecto e função do processo, por um lado, e legitimidade, por outro lado, torna-se ainda mais evidente no que respeita às omissões administrativas, pois aí, quer as normas de processo, quer as de procedimento, fazem depender a relevância jurídica do silêncio da Administração de um pedido do particular. Na opinião do Professor, a melhor forma de compatibilizar os pressupostos processuais de legitimidade com os relativos ao comportamento da Administração é a de considerar que só é admissivel a intervenção do MP quando tenha sido emitido um acto administrativo de conteúdo negativo, mas já não quando se esteja perante uma qualquer omissão administrativa. Por sua vez, Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade partem do pressuposto de que o MP gozaria de legitimidade em ambos os casos, preocupando-se apenas com os requisitos da omissão juridicamente relevante. Segundo Mário Aroso de Almeida, “o preceito circunscreve (…) o poder de actuação do MP, neste domínio, às situações em que o dever de praticar um acto seja um dever objectivo, que resulte directamente da lei, sem dependência da apresentação de qualquer requerimento. Nestes casos o MP não tem de apresentar um requerimento dirigido à prática do acto objectivamente devido, nem de aguardar por uma resposta a esse requerimento para poder pedir a condenação da Administração ao cumprimento do deu dever objectivo de agir”. Vieira de Andrade, considera que “a dúvida é, pois, a de saber se tem de respeitar-se sempre que o princípio da provocação, isto é, que a Administração tenha sido interpelada para a emissão de um acto administrativo , mesmo quando se trate de um acto cuja prática seja imposta directamente pela lei, designadamente no que respeita à iniciativa do proccesso pelo MP”. Este autor defende então que “só neste caso não há necessidade de um requerimento prévio, embora se deva exigir, pelo menos, a comprovação de um atraso manifesto e desrazoável no cumprimento da lei”. O Professor diz que a questão está mal colocada, pois é a legitimidade do MP que tem de ser interpretada em razão da função e do objecto do processo, procurando depois compatibilizar aquele pressuposto processual com os demais. Se o regime jurídico dos pedidos de condenação constantes no CPTA tem uma função primacialmente subjectiva, se o objecto do processo é o direito ao acto administrativo devido, mas se consagrou também a possibilidadde de intervenção ao “actor público e particular”, então ela deve corresponder a situações especiais, em que se justifique esse alargamento de legitimidade também para defesa da legalidade e do interesse público. E se as duas modalidades do pedido de condenação dependem, a primeira, de um comportamento omisso da Administração, o qual implica o prévio pedido do particular, e a segunda, de um acto administrativo de conteúdo negativo, daqui parece resultar, de forma inequívoca, que o alargamento da legitimidade ao MP e ao autor popular, apenas pode ter lugar quando se está perante um acto administrativo de conteúdo negativo. Quer da perspectiva dos requisitos para a relevância jurídica da omissão administrativa, quer do pressuposto processual relativo ao comportamento da administração, o comportamento omisso da Administração encontra-se configurado segundo uma lógica jurídico-subjectiva, dependendo de um direito subjectivo do particular, que é concretizado mediante um pedido dirigido à autoridade administrativa competente. A solução de considerar que a intervenção do actor público e do actor popular nos pedidos de condenação pode ter lugar quando esteja em causa um acto de conteúdo negativo, e não de mera omissão administrativa, é igualmente a mais lógica do ponto de vista dos interesses em jogo. De uma perspectiva objectiva, de defesa da legalidade e do interesse público, é mais grave a emissão de um acto administrativo ilegal do que a verificação de uma omissão de um comportamento ilegal, ainda que do ponto de vista subjectivo, da protecção das posições de vantagem dos particulares, a omissão possa ser tão ou mais relevante do que a actuação de conteúdo negativo

d) Actor popular
De acordo com o art 68/1/dº, que remete para o art 9/2º CPTA, também o actor popular goza de legitimidade para a apresentação de pedidos de condenação à prática de actos administrativos devidos. O Professor entende que, mesmo o Contencioso Administrativo, no seu todo, tendo uma função primacialmente subjectiva, desempenha também, de forma imediata, num Estado de Direito, uma função objectiva, a qual, na nossa ordem jurídica é realizada por intermédio da acção pública e da acção popular; mesmo assim, o Professor não crê que fosse justificada a respectiva consagração. Afigura-se-lhe inadequada a opção legislativa de alargar ao actor popular, que actua para defesa da legalidade e do interesse público, independentemente de possuir interesse directo na demanada, a legitimidadde para intervir no âmbito de pedidos vocacionados para a tutela de direitos subjectivos. Independente da crítica às opções legislativas, cabe agora ao aplicador do direito interpretar as normas jurídicas, procurando resolver esta contradição entre a natureza e a função do instituto, por um lado, e as normas atributivas de legitimidade do actor popular, por outro. O primeiro problema a colocar, é o da conciliação das regras de legimidade do actor público e do actor popular designadamente quanto a saber se a intervenção do actor popular está ou não sujeita a limites respeitantes à relevância dos interesses que, em concreto, lhe cabe defender. Enquanto o art 68/1/cº, condiciona a intervenção do MP a determinados limites, relativos à natureza dos interesses públicos em jogo, já a alínea d), não parece colocar qualquer condicionamento à legitimidade do actor popular. Mesmo partindo do princípio que o legislador quis alargar a legitimidade para apresentação de pedidos de condenação, também em termos objectivos, não faz qualquer sentido que a intervenção do MP, enquanto órgão do Estado destinado à defesa da legalidade, esteja sujeita a determinadas condições, em razão da importância dos interesses em jogo. O segundo problema põe-se na questão de saber se o actor popular goza de legitimidade para pedir a condenação da Administração, quer quanto a acções quer quanto a omissões. O actor só é parte legítima quando se esteja perante um acto administrativo de conteúdo negativo, e não quando se trate de uma qualquer omissão administrativa.

3. Oportunidade do pedido
Nos termos do art 69º CPTA, o pedido de condenação à prática de acto administrativo devido encontra-se sujeito a prazo, o qual é diferente, consoante se esteja perante uma omissão, em que o prazo de 1 ano, ou se trate de um acto de conteúdo negativo, em que é de 3 meses. Os prazos são idênticos aos que vigoram para o pedido de anulação em acção administrativa especial (art 58º CPTA) e os motivos da sua consagração prendem-se igualmente com razões de segurança e de estabilidade. É aqui aplicável analogicamente o art 38º CPTA, segundo o qual o direito à emissão do acto administrativo devido, quando não exercido atempadamente, é susceptível de vir a ser, mais tarde, apreciado pelo tribunal, a título incidental (nº 1), podendo dar origem a uma acção administrativa comum, ainda que sem eicácia condenatória quanto à prática do acto (nº 2).

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