quarta-feira, 5 de maio de 2010

Legitimidade Processual-Velhos e Novos Problemas: Das Definitividades Horizontal e Vertical

Para nos debruçarmos sobre esta temática,caberá fazer um enquadramento histórico desta querela.Assim, de acordo com os artigos 25º e 34º LPTA (Antiga Lei do Processo dos Tribunais Administrativos),vigente até 2003, a impugnabilidade contenciosa dos actos administrativos dependia de um cariz triplamente definitivo (Material,Horizontal e Vertical) e igualmente de cariz executório.
Quanto à Definitividade Horizontal, a sua localização no Acto Administrativo teria que ser na resolução final de um procedimento administrativo. Assim, a sua posição endo-procedimental era anteriormente relevante para a sua qualificação como acto administrativo,ou seja,como manifestação do exercício de poderes públicos de autoridade.
No entanto, face à revisão constitucional de 1989,e mediante o artigo 268,nº4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, é garantida a impugnabilidade contenciosa de todos os actos administrativos lesivos de posições jurídicas subjectivas de particulares, independentemente do carácter definitivo e executório.
Nessa medida, o artigo 51,nº1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), vem confirmar a possibilidade de o acto a impugnar poder estar inserido no âmbito de um procedimento Administrativo e não somente num acto final, como anteriormente se exigia.
Assim todos os actos procedimentais com eficácia externa, poderão ser impugnados,nomeadamente actos no decurso de procedimento administrativo,actos internos,decisões provisórias ou até mesmo pareceres vinculativos.
Desta maneira, o acto procedimental vai projectar os seus efeitos,definitivos ou provisórios, na pretensão material que intenta valer através de um bem,direito, interesse a que o autor aspira ou, por outro lado, em qualquer posição exterior ao procedimento, que afecta os interessados ou terceiros.
Saliente-se que, exemplos de pretensões materiais são os chamados Actos Parciais.
Para o Professor Doutor Vasco da Silva Pereira, os Actos Parciais poderão ser Pré-Decisões ou Pareceres Vinculativos.
No que respeita às Pré-Decisões, são medidas ou actos inseridos em procedimentos escalonados,constituídos para resolver questões complexas,pelo número das Administrações que participam na formação da decisão do procedimento, ou pelo número de destinatários ou até mesmo pelo teor técnico da decisão.
São exemplos de Pré-decisões, as Decisões Parciais e os Actos Prévios.
Quanto às Decisões Parciais,estas precedem o seu acto final global,mas decidem já vinculativamente sobre a existência de condições ou requisitos de que depende a prática de tal acto, a nível permissivo.Tome-se como ilustração a Licença de Estruturas.
Já quanto aos Actos Prévios, estes decidem sobre um aspecto particular da decisão final,mas não produzem efeitos permissivos.Tome-se como exemplo a definição de localização de Indústrias poluentes,informações prévias,bem como a aprovação de projecto de arquitectura no procedimento de concessão de licença de construção.Assim vinculará a decisão final de licenciamento quanto às condições necessárias (havendo assim eficácia externa).
Por outro lado, quanto aos Pareceres Vinculativos, constituem pronúncias de entidades ou órgãos com funções consultivas no procedimento em causa, e que vinculam o órgão com competência decisória a decidir em conformidade com o sentido para que aponta o parecer.
Note-se,porém, que que nem toda a doutrina aceita a impugnabilidade dos pareceres vinculativos,nomeadamente Esteves Oliveira,uma vez que argumenta que,além de não terem eficácia externa, não asseguram juridicamente que o conteúdo da decisão final e externa seja fixado em conformidade com os pareceres, bem como não se substituem a uma decisão que venha a ser tomada em sentido contrário.
Em contrapartida,quanto a exemplos de posições exteriores ao procedimento, acima referidos,que afectem os interessados ou terceiros, são a abertura de concursos, que projectam externamente os seus efeitos em bens patrimoniais dos concorrentes exteriores ao procedimento, apesar de não afectarem a pretensão material dos interessados.

Cabe agora analisar a querela doutrinária da Definitividade Vertical.
Esta consiste nos casos em que os actos administrativos são praticados por órgãos sem superiores hierárquicos ou por subalternos ao abrigo de delegação de poderes ou no exercicio de competências exclusivas.
Assim os actos definitivos verticalmente podiam ser imediatamente impugnados perante os tribunais e podiam os interessados deles recorrer hierarquicamente, a titulo facultativo.
Não sendo os actos não definitivos verticalmente, segundo o regime anterior, eram insusceptíveis de impugnação contenciosa,pelo que a única forma de reacção seria o recurso hierárquico necessário, nos termos do artigo 167,nº1 e 168ºdo CPA.
Actualmente, o regime legal dispõe diversamente, uma vez que dos artigos 51º,nº1 e 59,nº4 e 5 do CPTA decorre que a utilização de vias de impugnação administrativa (recurso hierárquico como via extrajudicial) não é necessária, em termos de interesse processual, para aceder à via contenciosa.
Assim, relembremos que o artigo 51,nº1 CPTA estabelece a impugnabilidade contenciosa de todos os actos administrativos com eficácia externa. Assim, também poderão ser impugnados os actos administrativos praticados por subalternos,pois a regra da definitividade vertical foi “abandonada”.
Deste modo, o artigo 59,nº5 CPTA estabelece a possibilidade de impugnação contenciosa de actos administrativos na pendência dos recursos hierárquicos,agora de cariz meramente facultativo.
Saliente-se que a interposição legal de um recurso hierárquico facultativo não suspende a eficácia do respectivo acto nos termos do 170,nº3 CPA (salvo nos casos de pagamento de quantia certa (50,nº2 CPA)), mas suspende porém o prazo de impugnação contenciosa dos actos anuláveis, de acordo com o 59,nº4 CPTA, e só recomeça a correr com a notificação da decisão que por ele seja proferida ou no dia seguinte àquela em que cessou o prazo para a sua emissão.
Quanto ao prazo referido,segundo o artigo 58,nº2 CPTA, é de 1 ano para o Ministério Público e de 3 meses para os Particulares.Sendo que a contagem dos prazos é feita de acordo com o artigo 144 CPC,ou seja, o prazo é contínuo e que a anulabilidade consolida-se no prazo de 1 ano (prazo mais longo referido no 141º,nº2 CPA e 58,nº2 CPTA).
Note-se igualmente que a impugnação contenciosa de actos nulos ou inexistentes, não está sujeita a prazo (58,nº1CPTA).
A doutrina tem várias posições quanto à (des)necessidade de recurso hierárquico necessário.
Para Mário Aroso de Almeida, na ausência de determinação legal expressa em sentido contrário, todos os actos administrativos com eficácia externa poderão ser objecto de impugnação contenciosa. No entanto, as decisões administrativas continuama a estar sujeitas a impugnação administrativa nos casos em que: a lei expressamente a preveja,em resultado de opções fundamentadas do legislador ou em virtude de casos anteriores ao CPTA, que contemplassem legalmente impugnações administrativas necessárias.
Ademais, para este autor,o CPTA não poderá revogar as normas legais avulsas que constituam impugnações administrativas necessárias (Lei Geral não revoga Lei Especial).
Desta maneira, e na esteira da Jurisprudência do TC e do STA (nomeadamente nos Ac. TC 499/96,20/3/1996 e STA 14/7/ 1994), cabe a rejeição da inconstitucionalidade da imposição de impugnações administrativas necessárias.
A tal posição aderem Aroso de Almeida,Sérvulo Correia,Freitas do Amaral,Vieira de Andrade e Esteves Oliveira.
Assim, para estes juristas, não caberá à CRP estabelecer os pressupostos de que possam depender a impugnação dos actos administrativos, em termos de se poder afirmar que só eles são legitimos se forem objecto de expressa previsão constitucional.
No entanto, Aroso de Almeida ressalva que o recurso hierárquico necessário não será legitimo se o legislador ordinário impuser requisitos excessivos que se concretizem em restrição ilegitima de um direito fundamental de acesso à justiça administrativa.Havendo uma violação do Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva.
Veja-se que,sempre que o recurso hierárquico necessário tenha sido objecto de indeferimento expresso e não houver resposta do órgão competente para decidir haverá sempre a via contenciosa no sentido de remoção de um acto administrativo de conteúdo positivo que foi ilegalmente praticado.
Diversamente, para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, existe efectivamente uma Inconstitucionalidade Superveniente do artigo 25º LPTA e das regras nele implicitas de inimpugnabilidade contenciosa dos actos dos subalternos e do carácter necessário do recurso hierárquico.Dar-se-á assim uma uniformização dos regimes dos recursos hierárquicos.
Já para o Professor Vasco Pereira da Silva, haverá inequivocamente a Inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário, ao violar o Principio da Efectividade da Tutela (268,nº4CRP) ao ser lesado o contéudo essencial do direito e de acesso à justiça, nomeadamente por haver um conflito entre os prazos de impugnação administrativa (30 dias segundo o 168,nº2 CPA) e os prazos de impugnação contenciosa (3 meses a 1 ano,segundo o 58 CPTA), bem como a violação da separação entre a Administração e a Justiça e da Desconcentração Administrativa (267,nº2CRP).
Este Professor, contesta a interpretação restritiva de Mário Aroso de Almeida,pois afirma que a impugnação de acto administrativo por via graciosa é desprovida de efeito útil nos dias de hoje.Ademais, não poderão ser consideradas “normas especiais”,pois estas não têm qualquer cariz de especialidade, nma medida em que apenas confirmariam a regra geral de impugnação hierárquica necessária.Assim, o CPTA revogou expressamente as normas constantes do CPA quanto à imposição de recurso hierárquico necessário,bem como as normas que reiterassem tais matérias.
Igualmente perante “leis avulsas” ocorreu a sua caducidade por falta de objecto, e decorrente de inconstitucionalidade do 25ºLPTA.Até mesmo aquelas normas que se projectem para o futuro,posteriores ao CPTA,com novas hipóteses de recurso hierárquico necessário,também serão inconstirucionais pois violam a CRP. Assim Vasco Pereira da Silva entende que a impugnação necessária constitui uma diligência inútil e com expediente dilatório, nos termos do 8.nº2 CPTA, e desconsideram o mérito das pretensões (7ºCPTA).
Do supra exposto, é de se entender que o Velho Problema das Definitividades Verticais e Horizontais continua, até aos dias de hoje, a ser discutido nos nossos Tribunais:
Ora a favor da inconstitucionalidade do artigo 25ºLPTA, nomeadamente no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 4616/00, 03/14/2002, ao afirmar: “O art. 25º nº 1, da LPTA ao dispor que só cabe recurso contencioso dos actos definitivos e executórios é materialmente inconstitucional por violar o disposto no nº 4, do art. 268º da CRP. - O artigo 268º nº 4 da CRP, ao admitir o recurso contencioso de quaisquer actos administrativos lesivos dos direitos ou interesses legalmente protegidos, independentemente da sua forma, afasta o princípio geral do direito administrativo, segundo o qual só é admissível recurso contencioso dos actos definitivos e executórios”.
Ora contra a inconstitucionalidade do artigo 25ºLPTA, por exemplo, com o acórdão do TCAS,Processo nº01510/98, de 15/07/98, ao entender que: “Ainda que na redacção anterior do art.º 268º da CRP se falasse em actos administrativos «definitivos e executórios» e que agora não se faça tal referência, tal não significa necessariamente que sejam recorríveis contenciosamente os actos , ou pelo menos todos os actos dos subalternos.
O acento tónico era posto então na definitividade e executoriedade dos actos administrativos e agora é posto na possibilidade de lesão dos direitos ou interesses legalmente protegidos, nada impedindo que o legislador ordinário exija a via do recurso hierárquico como condição para a via contenciosa. Pela simples razão de que por esta via não se torna o acto irrecorrível, nem se retira ao interessado qualquer direito.(...) Não pode falar-se de qualquer desconformidade entre aquele regime e a CRP, "pois se trata de um condicionamento legítimo, adequado, proporcionado e constitucionalmente fundado, do direito do recurso contencioso, e não de uma sua restrição, pois o acto é recorrível mediatamente, incorporado no acto, expresso ou silente, que decide o recurso hierárquico.
"O nº1 do artº 25º da LPTA não ofende a norma do artº 268º nº4 da CRP pelo que não é materialmente inconstitucional.".
Bem como com o recentíssimo Acórdão STA 0701/09, de 11/3/2010, que vai contra a ideia sufragada por Vasco Pereira da Silva: “O art.º 51, n.º 1, do CPTA, introduzindo um novo paradigma de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos, convive com a existência de impugnações administrativas necessárias, não só quando a lei o disser expressamente, como também em todos aqueles casos, anteriores à vigência do CPTA, que contemplavam impugnações administrativas, previstas na lei, comummente tidas como necessárias.”

Marina Martins,Aluna nº16776
Subturma 11



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