domingo, 9 de maio de 2010

Reacção contra actos de indeferimento irá retirar espaço ao processo de impugnação?

A condenação à prática de acto administrativo devido encontra-se devidamente regulada, em sede de acção administrativa especial, a partir do artigo 67º e seguintes do Código de Processo dos Tribunais Administrativos. Destina-se à prática de um acto administrativo ilegalmente recusado ou omitido. Cabe, por isso, densificar esta questão: Para que haja lugar à condenação da Administração à prática do acto que esteja em causa, seja ele um acto de conteúdo positivo ou um acto de conteúdo negativo ou, até, uma omissão, é necessário que exista uma vinculação quanto à oportunidade da prática do acto nas palavras do Prof. Mário Aroso de Almeida, de forma a que possamos induzir que, no caso concreto, a Administração agiu ilegalmente ao se ter abstido de actuar ou por se ter recusado a actuar. Haverá lugar à condenação quando a lei impor um dever de agir – as chamadas situações de vinculação quanto à oportunidade de actuação – ou quando o próprio Tribunal considere que a Administração tem esse dever de agir face às circunstâncias concretas do caso e que o autor tem o poder de exigir essa actuação – as situações de redução da discricionariedade quanto à oportunidade de actuação.
A situação que importa, agora, abordar é a recusa da prática de um acto devido, com sede legal no art. 67º/1b) do CPTA e que consiste no indeferimento, por parte da Administração, de uma pretensão que tenha sido deduzida através da apresentação de um requerimento.
A natureza do acto de indeferimento, refira-se, é a de um verdadeiro acto administrativo, consistindo este num acto administrativo de conteúdo declarativo que exprime o entendimento da Administração de que não pode ou não deve praticar o acto que lhe foi solicitado, pelo que não introduz a modificação na ordem jurídica pretendida embora produza efeitos na esfera dos seus destinatários.
Acontece que, face ao novo Contencioso Administrativo, a reacção contra actos administrativos de indeferimento passa a ser através da dedução de um pedido de condenação da Administração à prática do acto pretendido e já não mediante um processo de impugnação dirigido à anulação ou à declaração de nulidade destes actos. Atendamos aos arts. 51º/4 e 66º/2 do CPTA: O titular de uma posição subjectiva de conteúdo pretensivo deve fazer valer a sua pretensão no âmbito de um processo de condenação da Administração à prática do acto que foi ilegalmente recusado, até porque “o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento”, sendo que a eliminação deste acto da ordem jurídica irá resultar da pronúncia condenatória à prática do acto pretendido. A eliminação do acto de conteúdo negativo irá, nestes termos, ocorrer num processo de condenação à prática de acto devido, estando em causa uma impugnação de jurisdição.
Inclusivamente, “se contra um acto de indeferimento for deduzido um pedido de estrita anulação”, o próprio tribunal deve convidar o autor a substituir a petição inicial de forma a que este formule o adequado pedido de condenação à prática do acto devido e que foi recusado, conforme dispõe o primeiro preceito atrás referido. Desta forma, o tribunal passa a pronunciar-se sobre a pretensão do interessado, não devendo, apenas, limitar-se a verificar se a recusa foi ilegal ou não.
De resto, refira-se que da própria exposição de motivos do CPTA consta que “se pretende acabar com a anulação de indeferimentos e que a condenação à prática do acto devido substitui a pronúncia anulatória – pelo que, uma vez proferida sentença de condenação, não se pode sustentar que o indeferimento ainda subsiste na ordem jurídica, por não ter sido devidamente anulado”.
O titular de uma posição subjectiva de conteúdo pretensivo que deduza um pedido de condenação à prática de acto devido irá fazer valer a sua pretensão, exigindo o seu reconhecimento, pelo que não estará em causa o acto de recusa com os fundamentos que possa ter. Assim, o objecto do processo será essa pretensão e não o acto de recusa, sublinhe-se. Por outro lado, em sede de recurso contencioso de anulação de actos de indeferimento, o objecto era o próprio acto impugnado.
De referir que, para efeitos de uma sentença de condenação do acto devido, o momento a que se deve atender é aquele em que esta venha a ser proferida e não o momento em que o acto de indeferimento tenha sido praticado. Assim sendo, deverão ser consideradas as circunstâncias de facto e de direito que, naquele momento, se verificavam.
O processo de impugnação de actos administrativos destina-se, por sua vez, à sua anulação ou declaração de nulidade quando a Administração tenha praticado um acto administrativo de conteúdo positivo que modifique a situação jurídica do requerente mas sem satisfazer as suas pretensões. O interessado encontra tutela do seu interesse através da eliminação do acto que esteja em causa, não pretendendo a prática de um determinado acto.
Com o novo Contencioso Administrativo, o processo de impugnação de actos administrativos só poderá ser utilizado quando estejam em causa actos de conteúdo positivo, ou seja, aqueles cujo conteúdo não se esgote na simples recusa de introduzir modificações jurídicas que tenham sido requeridas, como acontece com os actos de indeferimento. Isto advém do facto de os Tribunais Administrativos disporem, agora, da faculdade de poder condenar a Administração à prática de actos que esta tenha recusado ou omitido de forma ilegal, o que retira a “necessidade” de se recorrer a pedidos de impugnação de actos de indeferimento para a obtenção dos efeitos pretendidos. A tutela dos interessados passa a estar acautelada através da possibilidade de requerem à Administração a prática de um acto que seja pretendido por eles e que tenha sido ilegalmente recusado ou omitido, pelo que deixa de fazer sentido optar-se pela impugnação. Também se atendermos às duas formas de tutela dos interessados que se discutem – a impugnação de actos administrativos e a condenação à prática de acto devido, a intensidade em causa tem 2 graus diferentes: Mais intensa respeitante à condenação da prática de acto devido e menos intensa em relação à impugnação, constituindo mais um motivo para se optar pela acção de condenação.
Se o autor interessado tem, efectivamente, direito à prática de determinado acto que foi ilegalmente recusado e tem interesse em obter uma pronúncia do Tribunal garantindo esse mesmo acto é uma acção de condenação que deve ser deduzida. Será neste tipo de acção que o autor poderá fazer em juízo a sua pretensão, debatendo todas as questões relevantes.
Portanto, e para organizar ideias, o processo de impugnação de actos administrativos deverá ser usado quando se pretenda reagir contra actos de conteúdo positivo através da sua anulação ou declaração de nulidade. Para actos de conteúdo negativo em que há a recusa da prática de um acto administrativo pretendido pelo particular, a forma de tutela adequada será através da exigência da prática desse acto pretendido e que foi recusado mediante um processo de condenação.
Entende-se não existir interesse em impugnar um acto de indeferimento pelas razões expostas, embora na hipótese de o autor deduzir um pedido de anulação juntamente com o respectivo pedido de condenação, não exista problema já que, havendo uma sentença de condenação, ocorre, também, a eliminação do acto de indeferimento da ordem jurídica. Se, por outro lado, tiver sido deduzido um pedido de estrita anulação do acto de indeferimento o juiz deverá convidar o autor a substituir a petição, consubstanciando-se isto no já referido art. 51º/4 do CPTA.
Surge, agora, uma outra situação em que poderá ser admitida a impugnação de actos de indeferimento e que tem sido discutida entre alguma doutrina. Trata-se da remoção do acto de indeferimento para efeitos de reconhecimento judicial de que o acto foi ilegal, sem que o autor pretenda ver concretizado o acto que foi recusado. Desta forma, haverá um interesse autónomo em obter o reconhecimento da ilegalidade do acto de recusa e não poderá o autor pretender a prática do acto recusado porque, nesse caso deverá optar pela acção de condenação à prática do acto devido. Verificando-se estes dois requisitos – um interesse num simples reconhecimento da ilegalidade do acto e a não pretensão da prática de certo acto – é possível deduzir-se um pedido de anulação de um acto de indeferimento de forma autónoma sem que o juiz convide o autor a substituir a petição.
Decidi focar-me com maior demora nos actos de indeferimento porque é um caso em que há a substituição da acção de impugnação pela acção de condenação à prática de acto devido. Isto prende-se, também com o facto de os Tribunais passarem a ter a faculdade de condenar a Administração à prática de actos sem que isso interfira com a tarefa de administrar, não estando, por isso, o princípio da separação de poderes em causa, de acordo com o Prof. Vasco Pereira da Silva. Efectivamente, a condenação da Administração à prática de actos é a forma mais adequada para reagir contra comportamentos da Administração que prejudiquem direitos dos particulares resultantes da recusa de actos legalmente devidos, até porque existe uma prevalência da condenação sobre a anulação em caso de conflito de pedidos. Para além disso, a tutela dos direitos dos particulares fica “fortalecida” quando se debatem as questões relevantes em juízo, até porque o Tribunal irá pronunciar-se sobre a pretensão material do interessado exigindo a prática do acto devido, não se limitando a devolver a questão ao órgão administrativo competente depois da anulação ou declaração de nulidade do acto de indeferimento, conforme o art. 71º/1.
Por isso, parece-me que, tendo o interessado a possibilidade de fazer valer a sua pretensão através de uma condenação, será ela a forma mais adequada de reacção para concretizar esse seu interesse, sendo notório nos casos de actos de indeferimento em que as acções de condenação passam a substituir as de impugnação desses actos, havendo a condenação da prática do acto favorável ao particular em substituição do acto desfavorável antes praticado.
Daí que responda de forma afirmativa à questão que o Prof. Vasco Pereira da Silva coloca mas ressalvando a função importante do processo de impugnação que até surge no 268º/4 da Constituição da República Portuguesa que consagra um direito fundamental de impugnação de actos administrativos susceptíveis de lesar direitos dos particulares.

Alexandra Guerra, nº 16179 A3

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