sexta-feira, 21 de maio de 2010

A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

“Instrumento que se procurou desenhar com uma grande elasticidade, que o juiz deverá dosear em função da intensidade da urgência” – Exposição de motivos do CPTA

Introdução

A intimação para a protecção dos direitos, liberdades e garantias concretiza o art.20º/5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que se trata de um processo urgente, caracterizado pela celeridade e prioridades, destinadas a assegurar a tutela efectiva deste direitos. No entanto, entende o Prof. Vieira de Andrade, estarem também incluídos os direitos análogos, e bem, já que assim se pode concluir pela interpretação conforme à Constituição, nomeadamente no seu art.17º, que consagra a aplicabilidade do mesmo regime daqueles a estes.
Por outro lado, esta protecção justifica-se tendo em conta a ligação dos direitos, liberdades e garantias com o princípio da dignidade humana, e também, pela consciência do perigo acrescido da respectiva lesão que pode ocorrer.
De acordo com a doutrina do Prof. Mário Aroso Almeida, esta intimação é” um instrumento que se define pelo conteúdo impositivo, condenatório, da tutela jurisdicional a que se dirige, cobrindo, de forma transversal, todas as relações jurídico-administrativas”, e que tanto pode sobrepor-se à acção administrativa comum, como à acção administrativa especial, desde que preenchidos os seus pressupostos materiais e formais.

Pressupostos

- A urgência

Primeiramente, para que este processo seja viável, é necessário a urgência da decisão de mérito para evitar a lesão ou inutilização do direito, sem a qual deverá haver lugar a uma acção administrativa normal, a qual pode ser acompanhada de uma providência cautelar, de acordo com o art.109º/1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA).
Este pressuposto tem um carácter gradativo, na medida em que depende das circunstâncias do caso concreto, que envolve critérios e juízos de valor próprios de uma situação de necessidade, sendo que a lei atribui ao juiz uma prerrogativa de avaliação, entendida como um poder – dever, na medida em que se destina à protecção de direitos fundamentais.
Assim, pode considerar-se que esta intimação, a par do outro tipo também previsto, é o paradigma dos processos principais urgentes, cujo carácter excepcional pode retirar-se da remissão para as acções normais, quando este pressuposto não está preenchido.

- O decretamento provisório da providência cautelar

Neste âmbito, o decretamento provisório da providência cautelar não deve ser possível ou suficiente, tendo, desta forma, a intimação um carácter subsidiário face a este (arts.109º/1 in fine e 131º CPTA), o que, segundo a doutrina do Prof. Vieira de Andrade, é uma afirmação “pleonástica”, na medida em que o que é necessário neste processo urgente é uma decisão de mérito, isto é, uma decisão definitiva, para evitar a lesão do direito, excluindo-se automaticamente o processo cautelar. Assim, as condições de suficiência e possibilidade devem ser aferias por contraposição às características próprias das medidas cautelares, nomeadamente a instrumentalidade e a provisoriedade. Ao contrário deste tipo de processo urgente, a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, desde que se assegure que o decretamento da providência cautelar seja realizado com a maior urgência.
Para concretizar a impossibilidade e a insuficiência, a primeira ocorre nos casos em que o juiz, para se pronunciar terá necessariamente de ir ao fundo da questão e falta-lhe a legitimidade para tal, porque está no âmbito de um processo cautelar; a segunda traduz-se nas situações em que a tutela do particular só se satisfaz mediante uma tutela que incida de forma definitiva sobre o fundo da questão, e não mediante uma medida cautelar, que será provisória.
Quanto às situações que estão nestas condições, são todas aquelas em que o factor tempo obriga à emissão de uma decisão que necessariamente interfere com o objecto de uma eventual acção principal, isto é, de acordo com a Prof. Isabel Celeste Fonseca, situações de “natureza improrrogável, que reivindicam uma composição jurisdicional inadiável”, como é o caso de campanhas eleitorais, situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercidos num prazo ou em datas fixas, como o direito de manifestação.
No entanto, é necessário interpretar esta subsidiariedade, no sentido de saber se esta é relativamente a toda e qualquer providência cautelar, ou se respeita apenas às que têm como objecto direitos, liberdades e garantias. Segundo certa doutrina, o nexo de subsidiariedade é de natureza genérica, estendendo-se por maioria de razão às providências cautelares específicas para protecção destes direitos.

- A legitimidade

A legitimidade para a interposição deste tipo de processo urgente cabe aos titulares dos direitos, liberdades e garantias, enquanto posições jurídicas subjectivas, embora o Prof. Vieira de Andrade admita a acção popular, desde que tal respeite a disponibilidade legítima dos direitos pelos titulares, o que a Prof. Carla Amado Gomes critica, na medida em que ou se trata de pretensões jurídicas individualizadas, as quais não correspondem a prestações universais, ou estamos perante interesses de fruição de bens colectivos.

- O pedido

O conteúdo do pedido é a condenação da Administração a uma conduta positiva ou a uma abstenção (art.109º/1 e 3 CPTA).
Aquando da formulação do pedido, que pode ser dirigido também contra particulares, desde que exista uma relação jurídica administrativa, deve identificar-se não apenas a pessoa colectiva pública ou particular que tenha legitimidade passiva, mas também a autoridade competente, que, devido à urgência característica deste tipo de processo, deve poder ser directamente citada e intimada.

- Tribunal competente

De acordo com o art.4º/ a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), cabe à jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto a tutela dos direitos fundamentais., mais concretamente, os tribunais administrativos de círculo, que são competentes para tomar conhecimento dos pedidos de intimação em primeira instância, de acordo com o art.44º/1 do mesmo diploma.
Quanto à competência territorial, esta cabe ao tribunal do lugar onde deva ter ser praticada a acção ou omissão pretendidos (art.20º/5 CPTA).

- A tramitação

Quanto à tramitação, existem três tipos, de acordo com o carácter da urgência, nomeadamente processos simples e de urgência normal (art.110º/ 1 e 2), processos complexos e de urgência normal (art.110º/3, e processos de especial urgência (art.111º), sendo que nestas situações o juiz pode optar por uma tramitação acelerada, com encurtamento do prazo de resposta do requerido, ou por uma tramitação simplificada, realizando uma audiência oral de julgamento, e decidindo no prazo de 48 horas (art.111º/1).

A sentença

Relativamente à decisão, quando a pretensão seja a prática de um acto administrativo estritamente vinculado, a lei admite, excepcionalmente, a possibilidade das denominadas sentenças substitutivas da pronúncia da Administração, designadamente quando se trate de execução de acto administrativo já praticado (art. 109º/3), constituindo, assim, a única hipótese em que a lei concede estes poderes ao juiz fora dos processos de execução de sentença. Desta forma, já não estamos perante meras intimações, mas antes perante intervenções judiciais que formalmente consubstanciam o exercício da função administrativa, embora limitado a casos em que a Administração não tem um espaço próprio de valoração ou decisão.
Por outro lado, quando a sentença não seja substitutiva, então determinará o comportamento concreto, o prazo e, se for caso disso, o órgão administrativo responsável pelo seu cumprimento, sobretudo quando implique a prática de um acto administrativo, cujo incumprimento pode levar à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória (art.110º/2, 4 e 5).

Conclusão

Primeiramente, deve concluir-se que, apesar dos critérios serem claros, não se deve abusar da interposição nos tribunais administrativos de processos urgentes, na medida em que, ao serem prioritários, estão a sacrificar outros valores ou processos.
Quanto ao âmbito, entende a Prof. Carla Amado Gomes, e bem, que o art.109º CPTA não se aplica apenas aos direitos, liberdades e garantias pessoais, pois a lei não faz esta distinção e, por outro lado a tutela de direitos não pessoais é possível através deste meio, desde que o legislador acautele devidamente a tutela de outros interesses que com estes conflituem. No entanto, esta restrição podia ter sido realizada pelo legislador legitimamente, com base no art.18º/2 CRP.
Finalmente, a doutrina maioritária, com a qual concordo, com base no princípio da tutela jurisdicional efectiva e no princípio da efectividade dos direitos, liberdades e garantias entende que, caso não se encontrem preenchidos os requisitos da intimação, o processo poderá ser convolado num processo cautelar, aplicando, para o efeito o art.121º CPTA.
Conclui-se, assim, ser o contencioso administrativo “sensível” à fragilidade destes direitos, assegurando-lhes a tutela jurisdicional efectiva exigida pelo art.20º/1 e 5 da Constituição.

Bibliografia

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- Almeida, Mário Aroso; “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”; 4ª edição; Almedina; Coimbra; 2005;
- Gomes, Carla Amado; “ Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”; Revista do Ministério Público; Ano 26; Nº104; 1005;
- Firmino, Ana Sofia; “Processos Urgentes”; Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo; AAFDL; Lisboa; 2005;pág. 409 ss.;
- Morais, Jorge Guerreiro; “ A sensibilidade e o bom senso no Contencioso Administrativo – Um breve ensaio sobre a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”; Revista O Direito; Ano 139º; V; Coimbra; 2007; pág. 1117 ss.;
- David, Sofia; “Das intimações – Considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”; Almedina; Coimbra; 2005; pág.148 ss..

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