segunda-feira, 17 de maio de 2010

Intervenção do MP - Subturma 11

PROCESSO Nº 44/10
EXMO SRº JUIZ DE DIREITO
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LISBOA


Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º85 do CPTA, vem o Ministério Público pronunciar-se como segue:

I - OBJECTO

Estamos perante uma pretensão de impugnação de um acto administrativo da segunda nomeação consecutiva de J para o cargo de Director, em regime de substituição, do Centro de Emprego do Município de Desempregados. A necessidade do acto decorreu dum adiamento do concurso público que visava o preenchimento do cargo que J veio a ocupar. Deste modo, importa dilucidar se a referida nomeação enferma dos vícios que lhe vêm imputados pelos AA. (autores), bem como outros que seguidamente se enunciarão, a saber:
a) A violação do art.º27.º, nº3 da Lei nº 51/2005 de 30 de Agosto;
b) Irrelevância jurídica do acto.
Deparamo-nos, igualmente, com uma emissão de uma Ordem de Serviço nº47 de 12/04/2010 do IEFP, que vem adiantar o concurso público. Quanto a este acto importa, igualmente analisar os vícios de que, eventualmente, venha a padecer, tais como:
a) Ilegalidade do acto;
b) Violação dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, bem como o da boa-fé, prossecução do interesse público, tutela da confiança nos actos administrativos e, consequentemente, a violação dos princípios gerais de ética, constante da Lei nº 51/2005 de 30 de Agosto.
Na contestação a entidade demandada refere:
a) Ilegitimidade de L;
b) Falta de interesse em agir de António;
c) Falta de requisitos formais na Petição Inicial.
Acrescentamos ainda a falta de outros requisitos formais não alegados pela contestação.

II - FACTOS RELEVANTES

Em relação a factos que relevam para a decisão podemos apontar os seguintes:
A primeira nomeação de J a 10/02/2010 ocorreu na sequência de uma demissão inesperada de Carlos Sortudo, o então Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados. Posteriormente, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (doravante IEFP) abriu, por Ordem de Serviço nº 43 de 22/03/2010, um concurso para provimento desse mesmo cargo. A este concorreu A.
Em 14/04/2010, por Ordem de Serviço nº 47, foi tornado público o aviso de adiamento do concurso público, com o fundamento na insuficiência de pessoal de serviço que dirige o concurso, o que obstaria à realização do mesmo dentro do prazo legal.
O procedimento concursal foi, assim, interrompido na fase de selecção de candidatos.
Na mesma data, J é novamente nomeado para o cargo que já anteriormente ocupava, sendo que o concurso nunca se veio a concluir.

III – DISCUSSÃO

Quanto às questões suscitadas relativamente ao acto de nomeação consecutiva de J, começaremos por nos pronunciar sobre a sua irrelevância jurídica.
Sabe-se que estava em curso um procedimento concursal, iniciado pela Ordem de Serviço nº 43 de 22/03/2010. Deste modo, o prazo de 60 dias constante do art.º27,nº1 da Lei nº 51/2005, de 30 de Agosto, durante o qual poderá vigorar a primeira nomeação, não se deverá aplicar, uma vez que, de acordo com o nº3 do mesmo art.º, este prazo não deverá ser tido em conta desde que haja um procedimento concursal a decorrer.
Assim, o acto que renomeava J seria inútil. No mesmo sentido, e pelos mesmos fundamentos, podemos concluir que o acto não padeceria de ilegalidade por violação do art.º27, nº1 da Lei anteriormente referida.
Ao praticar um acto inútil, o IEFP viola o princípio da celeridade constante do art.º57 do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), na medida em que não evita a emissão de actos impertinentes.
A irrelevância jurídica do acto arrasta outra consequência traduzida na inimpugnabilidade do acto, não se constituindo como um acto lesivo (art.º85.º do CPTA), visto que qualquer lesão que possa ocorrer já decorrerá do primeiro acto de nomeação de J.

Relativamente ao acto de adiamento do concurso, este será ilegal, já que não se encontra prevista esta possibilidade em nenhum preceito legal. Poderia invocar-se o argumento de que se a lei não proíbe, necessariamente permite. No entanto, este não será procedente dado que colocaria em causa de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, limitando, in casu,o direito à decisão administrativa (conforme o art.º47, nº2 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP). A alegada cessação provocada pelo adiamento do concurso, invocada na Petição Inicial, não é admissível, uma vez que, nos termos da lei, esta situação apenas está prevista para os casos do art.º38, nº1 da Portaria nº 83-A/2009 de 22 de Janeiro, ex vi Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro. Mesmo a admitir uma cessação, teria de ser no âmbito do art.º38.º, nº2 da Portaria nº 83-A/2009 de 22 de Janeiro, o que, ainda assim, não se afiguraria possível pela manifesta insuficiência da fundamentação e ainda à não verificação do procedimento devido (que se reporta ao envio, para homologação, pelo respectivo membro do Governo). A insuficiência da fundamentação deve-se ao facto de esta poder ser suprida através de recursos a mecanismos próprios para o efeito, como por exemplo os constantes do 20.º, nº3, 21.º, nº8 e ainda nº10 da Portaria 83-A/2009, de 22 de Janeiro, que prevê a continuidade do concurso público, mesmo em casos em que o júri inicialmente designado não possa finalizar o procedimento. Do mesmo modo, será possível o recurso a outra entidade pública competente por forma a assegurar a viabilidade do procedimento concursal, conforme o disposto no art.º21, nº7 da Lei nº51/2005 de 30 de Agosto.
Ainda configurando-se a hipótese do acto ser admissível, este seria nulo por falta de fundamentação (uma vez que a fundamentação insuficiente equivale à falta de fundamentação, nos termos do art.º125, nº2 e 133.º, nº1 do CPA).
Importará, ainda, aferir da inconstitucionalidade do mesmo acto por violação de diversos princípios constitucionais, sendo eles o princípio da igualdade, constante do art.º13.º da CRP, uma vez que limita o acesso de candidatos à ocupação do cargo, enquanto que J ocupa sucessivamente o cargo por nomeação, não se sujeitando a concurso. Viola igualmente o princípio da proporcionalidade (art.º5.º do CPA) e boa-fé (art.º6.º-A do CPA e art.º266.º, nº2 da CRP), consagrado no art.º18.º,nº2 da CRP, dado que é vedado o acesso ao cargo em questão, em nome da insuficiência de pessoal para a realização do concurso em prazo devido, sendo que esta falta poderia ser suprida pelos meios supra referidos.
A violação do princípio da prossecução do interesse público (art.º266.º, nº1 da CRP, art.º21.º, nº11 da Lei nº51/2005 de 30 de Agosto e ainda art.º4.º do CPA) é violado na medida em que não permite o exercício das funções pela pessoa mais qualificada para o efeito. Por outro lado, veda a liberdade de acesso à função pública aos particulares interessados (art.º47, nº2 da CRP). A protecção da confiança nos actos administrativos (consagrada no art.º6.º-A, nº2, al.)a do CPA)é também posta em causa uma vez que é criada uma expectativa de decisão , em tempo útil (previsto no art.º21.º, nº11 da Lei nº51/2005 de 30 de Agosto), que é frustrada, pelo que haverá uma violação dos princípios gerais de ética (art.º4.º da Lei nº 51/2005 de 30 de Agosto).

Importa agora discutir a falta de pressupostos alegada na contestação, nomeadamente a ilegitimidade de L, bem como a falta de interesse em agir de A.

Quanto à ilegitimidade de L, cumpre desde logo referir que este é Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública. Ora, L surge como autor na Petição Inicial. Na Contestação afirma-se que L não seria parte legítima na interposição da acção, invocando-se duas grandes ordens de razões. Primeiro defende-se que o Sindicato não pode promover a defesa individualizada dos interesses individuais de um associado de acordo com o Artigo 4º nº3 do Decreto-Lei nº 84/99 de 19 de Março. Em segundo lugar sustenta-se que a representação do sindicato em juízo seria levada a cabo pela sua direcção, de acordo com o Artigo 45º a) do Estatuto.
Relativamente à primeira ordem de razões invocada, esta não parece proceder na medida em que o que está em causa é antes um interesse colectivo, pelo que o Sindicato poderia promover a sua defesa. Este interesse afigura-se colectivo uma vez que não será apenas o interesse de A que está a ser tutelado pelo concurso, mas de todos os particulares que se pretendam candidatar ao mesmo. Já quanto à segunda ordem de razões invocada cabe analisar dois pontos distintos. Por um lado, na Contestação apenas se recorre ao Artigo 45º de um Estatuto sem a identificação do mesmo. Por outro, recorrendo ao Estatuto adequado, o do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública da Zona Sul e Açores vem-se a concluir que cabe ao titular máximo da Direcção (no caso L, o Presidente) essa mesma representação. Ou seja, o argumento que pretendia afastar a legitimidade de L, acaba, no entanto, por confirmá-la.

Já no que concerne ao interesse em agir de A, afigura-se necessário chamar à colação duas situações distintas. Em primeiro lugar, cumpre afirmar que o acto de adiamento é nulo, conforme supra se explicita, pelo que não produziria efeitos, não dando lugar à suspensão invocada pela Contestação. Em segundo lugar, cabe referir que, ainda que se considerasse ocorrer suspensão, haveria sempre lesão dos interesses de A uma vez que esta colidiria com uma conclusão célere do concurso.

Por último, analisamos os elementos que devem constar da petição inicial. A contestação indica a falta da referência ao domicílio do mandatário judicial (Artigo 78º nº2 al. c) do CPTA). Ora, este requisito, de facto, não se encontra preenchido. Outro requisito cuja falta é apontada é o da indicação da pessoa colectiva de Direito Público (Artigo 78º nº2 al. e)). Na verdade, este requisito está preenchido, pelo que esta alegação não procederá. Outro dos requisitos invocados é o da indicação da forma de processo (Artigo 78º nº2 al. j)) que na realidade se verifica, pelo que novamente a invocação da sua falta é improcedente.
Apesar de na Contestação nada ter sido referido nesse sentido, achamos por bem invocar a falta do requisito relativo à indicação dos factos cuja prova se propõe fazer, com junção dos documentos. Ora, os documentos foram referidos, no entanto, a junção dos mesmos não ocorreu.
Neste sentido é importante aplicar o Artigo 80º. De acordo com o Artigo 80º nº1 c) a preterição do elemento da al. c) (o que de facto ocorreu), implica a recusa do recebimento da petição inicial indicando-se o fundamento da rejeição. Ademais, ocorreu ainda a omissão da junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça cuja falta vem prevista na al. d) do mesmo Artigo.

Já a falta da junção do documento respeitante ao processo administrativo por parte da entidade demandada, poderá dar lugar a sanção pecuniária compulsória e a responsabilidade civil, disciplinar e criminal, nos termos do nº 4 do Artigo 84º do CPTA, dado que a sua junção é obrigatória nos termos do nº1 do mesmo Artigo.

IV – PARECER

Primeiramente, em relação aos pressupostos processuais analisados, estão preenchidos a legitimidade processual activa de L e interesse em agir de A.
Quanto aos requisitos da Petição Inicial, verificamos a falta de alguns elementos que importarão recusa pela secretaria nos termos do Artigo 80º Nº 1 al.c) e d) do CPTA. Nesta medida, haverá ineptidão da Petição Inicial faltando elementos essenciais supríveis em sede de despacho de aperfeiçoamento, neste sentido de acordo com o artigo 88.º, nº2 do CPTA.
Não havendo lugar ao suprimento das prescrições em falta há lugar a absolvição da instância.

De tudo o que vem de ser exposto somos de parecer que o acto de renomeação de J posto sob censura, é juridicamente irrelevante uma vez que os efeitos que dai poderiam advir seriam equivalentes aos do primeiro acto de nomeação, ao que acresce a consequência de tal acto ser inimpugnável. Neste sentido o pedido de arguição de nulidade de renovação é improcedente.

A entidade demandada deverá ser condenada à prática dos actos subsequentes do procedimento concursal em causa, uma vez que o acto que adiou o concurso é nulo pelo supra exposto, não havendo lugar à suspensão nem à cessação do procedimento.


Lisboa, 17 de Maio de 2010

O Magistrado do Ministério Público,
Ana Teresa Dagnino, subturma 10
Bruno Antunes, subturma 10
Joana Branco, subturma 11
Nuno Henriques, subturma 11
Sandra Pereira, subturma 10
Tibério Dinis, subturma 11

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