domingo, 23 de maio de 2010

Sentença da Simulação ST 11

(publicação da sentença enviada por email:)




Processo n.º 44/10
Acção Administrativa Especial
Autores: António Atento, e Luís Sindicalista, representados judicialmente pela Dr.ª Angela Chaves e pela Dr.ª Carlota Pratas, ambas advogadas e sócias da sociedade de advogados ACCP e Associados, com sede na Rua Dos MuitoTrabalhadores, n.º 100, Lisboa
Entidade Demandada: Instituto Público do Emprego e da Formação Profissional (IEFP)
Contra-interessados: João Sempre Disponível, NIF 123456777, solteiro, com residência profissional na Rua do Bilhar Grande nº 55, 12º Esq., Lisboa
Conclusão em 2010-05-23

Decisão:
I - Relatório
António Atento, doravante A, portador do Bilhete de Identidade/Cartão do Cidadão N.º 17652855, emitido em 11/05/2009 válido até 09/06/2015, pelos Serviços de Identificação Civil de Lisboa, Contribuinte Fiscal N.º 123456789, casado, residente na Rua da Prata nº 45, 3º Esq., código postal nº 1300-133, Lisboa; e Luís Sindicalista, divorciado, portador do Bilhete de Identidade/Cartão do Cidadão N.º 18765433, emitido em 10/02/2010 válido até 09/02/2015, pelos Serviços de Identificação Civil de Lisboa, Contribuinte Fiscal N.º 123456733, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, doravante L, residente na Av. Roma nº 88, 10º Dto. em Lisboa vieram intentar acção administrativa especial contra o Instituto Público do Emprego e da Formação Profissional (IEFP), ao abrigo dos artigos 51º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA) e 66º CPTA visando:
- a declaração de nulidade da renovação da substituição, através do despacho datado de dia 14/04/2010, proferido pelo Senhor Director do IEFP, pelo qual foi nomeado Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados J;
- a condenação da Administração Pública, designadamente do júri do concurso, a concluir o concurso público para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados, adoptando os actos necessários, nomeadamente a elaboração de uma lista de classificação final, na qual, apurado que seja, previamente, o mérito relativo dos candidatos, com base nos critérios estabelecidos na Ordem de Serviço n.º 43, de 22/03/2010 do IEFP, pela qual foi tornado público o Aviso de abertura de concurso público para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados.

1 – Em petição inicial, vieram os autores fundamentar os seus pedidos enunciando os factos abaixo referidos (no capítulo relativo à matéria de facto assente), criticando a decisão de adiar o concurso – contestando o argumento supostamente invocado no despacho de adiamento de inexistência de candidatos (facto não dado como provado, e o qual foi contestado pela Entidade Demandada nos artigos 18.º, 19.º e 20.º da contestação) e o argumento de “insuficiência de pessoal” do IEFP, não o aceitando como impedimento à realização dos concursos públicos dentro do prazo legal – pelo que o autor vem afirmar que cessou “o procedimento concursal, aparentemente sem motivo justificativo.”
Contestam ainda os autores a nomeação de J para o cargo de Director, em regime de substituição – “Trata-se da segunda nomeação consecutiva de J para o cargo em causa, sem que entretanto tenha sido concluído o concurso público em que A apresentou candidatura” (12.º PI); não é contestada a primeira nomeação a 10/02/2010, também em regime de substituição, com fundamento na demissão inesperada de Carlos Sortudo, então Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados (cf. artigo 27.º/1 da Lei 51/2005).
Pediam, então, os autores que devesse a presente acção proceder:“a) sendo declarada a nulidade da renovação da substituição; eb) concluído o concurso público para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados” (27.º PI)”.

2 – Citada regularmente, em contestação, veio a Entidade Demandada alegar, também sintetizando:
- a falta de legitimidade activa de L e a falta de interesse em agir de A – não haveria legitimidade por não poder o Presidente do Sindicato fazer uma “defesa individual de interesses individuais” afastada, segundo a Entidade Demandada, pela norma do artigo 4º/3 do DL 84/99, mesmo apesar do disposto no artigo 55º do CPTA que confere legitimidade ao Sindicato de Trabalhadores da Função Pública quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender, visto tratar-se de um “um acto de natureza individual, dirigido a um único trabalhador, sendo certo que a procedência da acção só a este lhe poderá trazer benefícios que sejam consequência directa do ganho da causa e não ao sindicato”; e não aceitam haver interesse de A nestes termos: “o interesse directo do benefício fica por demonstrar, tal como a lesão desse interesse uma vez que o concurso apenas se encontra suspenso, ainda não terminou.”
- a falta de requisitos de forma exigida pelo CPTA [não desenvolveremos este ponto, pelas razões acordadas na abertura da simulação do julgamento – também os representantes da Entidade Demandada não preencheram os requisitos exigidos para a contestação e, sendo uma simulação, afastamos estes problemas, aceitando a prova, o arrolamento de testemunhas e os articulados como se todos estes requisitos tivessem sido cumpridos].
- a falsidade da invocação do argumento “inexistência de candidatos ao lugar”, aceitando que outros candidatos tivessem apresentado candidatura
- a confusão entre adiamento e cessação do concurso – procurando distinguir as duas figuras – e fundamentando novamente a decisão de adiamento em “insuficiência de pessoal”, descrevendo a conjuntura e a situação.
- a legitimidade da “continuidade da substituição até ao termo do procedimento em curso”, na medida em que esta “continuidade de João Sempre Disponível como Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados tem carácter transitório e vem assegurar a eficiência dos serviços, até ao final da realização do concurso. O facto de ocorrer uma segunda nomeação no dia 14/04/2010 não é mais do que uma prorrogação do prazo, materialmente falando, da primeira nomeação. Não se visa, com esta segunda nomeação, contornar as finalidades do regime legal. Mas tão só, assegurar a efectividade do serviço”.
Assim, pedia a Entidade Demandada a improcedência da acção.

3 – O Ministério Público (MP) foi notificado nos autos, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 85.º do CPTA, apresentando parecer, pronunciando-se como se segue, em síntese. Considerando estar perante “uma pretensão de impugnação de um acto administrativo da segunda nomeação consecutiva de J para o cargo de Director, em regime de substituição, do Centro de Emprego do Município de Desempregados. A necessidade do acto decorreu dum adiantamento do concurso público que visava o preenchimento do cargo que J veio a ocupar.” Entre outros, procurou o Ministério Público averiguar se haveria:
a) Violação da norma do artigo 27.º, nº3 da Lei nº 51/2005 de 30 de Agosto;
b) Irrelevância jurídica do acto de nomeação;
c) Ilegalidade do acto de emissão de uma Ordem de Serviço nº47 de 12/04/2010 do IEFP, adiando o concurso público
d) Violação dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, bem como o da boa-fé, prossecução do interesse público, tutela da confiança nos actos administrativos e, consequentemente, a violação dos princípios gerais de ética, constante da Lei nº 51/2005 de 30 de Agosto.
e) Ilegitimidade de L;
f) Falta de interesse em agir de António;
Defendeu o MP haver “irrelevância jurídica” do acto de nomeação de J, em nome do disposto no artigo 27.º/ n.º1 e n.º 3 in fine, da Lei n.º 51/2005 de 30 de Agosto, no mesmo sentido, não tomando como ilegal esse acto de nomeação.
Veio o MP ainda afirmar que o adiamento do concurso seria ilegal, por falta de permissão legal. Adiante, afirmando que “a insuficiência da fundamentação deve-se ao facto de esta poder ser suprida através de recursos a mecanismos próprios para o efeito, como por exemplo os constantes do 20.º, nº3, 21.º, nº8 e ainda nº10 da Portaria 83-A/2009, de 22 de Janeiro, que prevê a continuidade do concurso público, mesmo em casos em que o júri inicialmente designado não possa finalizar o procedimento”. Ainda completa a sua apreciação enumerando uma longa lista de princípios supostamente violados com a decisão de adiamento do concurso – “o princípio da igualdade, constante do art.º13.º da CRP, uma vez que limita o acesso de candidatos à ocupação do cargo, enquanto que J ocupa sucessivamente o cargo por nomeação, não se sujeitando a concurso. Viola igualmente o princípio da proporcionalidade (art.º5.º do CPA) e boa-fé (art.º6.º-A do CPA e art.º266.º, nº2 da CRP), consagrado no art.º18.º,nº2 da CRP, dado que é vedado o acesso ao cargo em questão, em nome da insuficiência de pessoal para a realização do concurso em prazo devido, sendo que esta falta poderia ser suprida pelos meios supra referidos (…) o princípio da prossecução do interesse público (art.º266.º, nº1 da CRP, art.º21.º, nº11 da Lei nº51/2005 de 30 de Agosto e ainda art.º4.º do CPA) é violado na medida em que não permite o exercício das funções pela pessoa mais qualificada para o efeito. Por outro lado, veda a liberdade de acesso à função pública aos particulares interessados (art.º47, nº2 da CRP). A protecção da confiança nos actos administrativos (consagrada no art.º6.º-A, nº2, al.)a do CPA)é também posta em causa uma vez que é criada uma expectativa de decisão , em tempo útil (previsto no art.º21.º, nº11 da Lei nº51/2005 de 30 de Agosto), que é frustrada, pelo que haverá uma violação dos princípios gerais de ética (art.º4.º da Lei nº 51/2005 de 30 de Agosto)”.
Quanto às alegadas ilegitimidade de L e falta de interesse de A, o MP desmonta o raciocínio da Entidade Demandada, defendendo que L tem legitimidade enquanto Presidente do Sindicato dos Trabalhadores, recorrendo ao Estatuto do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública da Zona Sul e Açores; e faz decorrer a demonstração do interesse em agir de A da própria argumentação da Ré, concluindo que “haveria sempre lesão dos interesses de A uma vez que esta colidiria com uma conclusão célere do concurso”.
Conclui o MP da seguinte forma: “De tudo o que vem de ser exposto somos de parecer que o acto de renomeação de J posto sob censura, é juridicamente irrelevante uma vez que os efeitos que daí poderiam advir seriam equivalentes aos do primeiro acto de nomeação, ao que acresce a consequência de tal acto ser inimpugnável. Neste sentido o pedido de arguição de nulidade de renovação é improcedente”.
A entidade demandada deverá ser condenada à prática dos actos subsequentes do procedimento concursal em causa, uma vez que o acto que adiou o concurso é nulo pelo supra exposto, não havendo lugar à suspensão nem à cessação do procedimento”.



II - Matéria de facto assente
1 – Chegou-se a julgamento com os seguintes factos fixados:
· Antes de 10 de Fevereiro de 2010 – demitiu-se (inesperadamente) Carlos Sortudo [13.º PI]
· A 10 de Fevereiro de 2010 – Primeira nomeação de João Sempre Disponível para director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados, em substituição [13.º PI]
· A 22 de Março de 2010 – Abertura de concurso público para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados – Cargo de director de serviços [2.º PI] – Ordem de Serviço n.º 43
· A 23 de Março de 2010 – António Atento candidatou-se ao concurso [6.º PI]
· Havia conflitos pessoais entre António Atento e Manuel Venham Mais Cem, Presidente IEFP – alegado e não contestado (sem repercussões) [22.º PI]
· Entre 22 de Março e 14 de Abril de 2010 – Gertrudes Exposta apresentou-se a concurso [23.º PI]
· A 14 de Abril de 2010 – Concurso foi adiado “com base na insuficiência de pessoal do serviço que dirige, o que o impediria de proceder à realização dos concursos públicos dentro do prazo legal” [4.º PI]
· A 14 de Abril de 2010 – Segunda nomeação de João Sempre Disponível para director do Centro de Emprego do Município dos Desempregados, em substituição [1.º e 11.º PI]


III – Simulação de julgamento
1 – A 21 de Maio de 2010 foram ouvidos [em simulação de julgamento], os representantes dos Autores e da Entidade Demandada e, ainda, o Ministério Público. Foram ouvidas e inquiridas as seguintes testemunhas: Gertrudes Exposta, solteira, portadora do CC 11223355, residente na Rua do Malcozinhado, n.º 10, Santarém, Barbara Mariana de Albuquerque, portadora do CC 12335566, residente na Rua dos Sofredores, n.11, 1.ºdto., Coruche, Susana Almeida, portadora do BI 12448855, residente na Rua das Desesperadas, n.º 14, 2.º esq., Cartaxo (arroladas pelos Autores); e Maria Carvalho e Jorge Abreu (arroladas pela Ré). Margarida Leal foi arrolada e não inquirida – passaremos também a um relato o mais sintético possível desses depoimentos.

2 – Através do testemunho da Sra. Bárbara Mariana de Albuquerque, tentaram os Autores provar as más relações invocadas entre o Autor e o Sr. Manuel Venham Mais Cem, marido da testemunha, que repetiu que Manuel Venham Mais Cem “tinha um interesse forte em prejudicar o autor, dizendo alto e a bom som, para toda a gente ouvir, o teu querido António Atento com toda a certeza jamais entrará no concurso”. Relatou a testemunha uma discussão no dia anterior ao adiamento do concurso, 13 de Abril de 2010.

3 – A segunda testemunha a ser ouvida, secretária de Manuel Venham Mais Cem há cerca de 5 anos, Susana Almeida, insistiu no mesmo argumento, tendo ouvido o chefe dizer que “António Atento nunca ocuparia o cargo”, e tendo presenciado uma discussão entre ambos “por volta da hora de almoço”, também do dia anterior ao adiamento (13 de Abril).

4 – Seguiu-se o testemunho de Gertrudes Exposta, funcionária do IEFP há cerca de 6 anos e candidata ao concurso em apreciação. A testemunha alegou ter recebido notícia do adiamento através de um email que veio a desaparecer tendo sido eliminado da sua caixa de correio electrónico profissional, em computador instalado no IEFP. A candidata e testemunha veio afirmar que notou “um incremento ligeiro no volume de trabalho devido à situação de desemprego do país, mas não se notava insuficiência de pessoal para realizar o dito concurso” e, “sentindo-se lesada, tentou informar-se dos motivos do adiamento do concurso”. Ainda segundo este testemunho, os motivos alegados pelo IEFP para o adiamento do concurso eram “falta de tempo e pessoas, carga excessiva de trabalho que não permitia realizar o concurso”.

5 – Também foi ouvido Jorge Abreu, júri do concurso em apreciação e Director do IEFP do Porto. Segundo este, no dia 14 de Abril, viajou para o Reino Unido “no âmbito de uma formação profissional, com 3 dos suplentes para uma acção de formação”. Ficou “retido pela Nuvem de fumo do vulcão islandês, quando decidiu voltar para Lisboa ficou retido no aeroporto por causa do cancelamento das viagens em virtude da explosão do Vulcão da Islândia, apenas podendo regressar a 21 de Abril, alegando que “não dá continuidade ao concurso por ter demasiado trabalho em mãos”, entregou prova documental no momento e ter sido uma “situação que não pode controlar por se tratar de um caso fortuito resultado de forças da natureza que não pode antever nem evitar”. Segundo o seu depoimento, “o impedimento do júri ocorreu após a candidatura”, fazendo parte do Júri “pela sua experiência enquanto director do IEFP e júri”. Segundo a mesma testemunha, “um júri convocado em substituição de modo rápido não ofereceria garantias de imparcialidade suficientes”, repetindo que “um novo júri não daria as mesmas garantias aos candidatos”. Um dos representantes do Ministério Público perguntou à testemunha o que fez de 21 de Abril a 17 Maio para não ser retomado o procedimento do concurso, tendo Jorge Abreu invocado “outras funções no IEFP muito prementes que não permitiram o seguimento do procedimento do concurso”.
Segundo a testemunha, foi a seu pedido que se deu o adiamento, tendo pedido ao Presidente do júri que adiasse as entrevistas para que este conseguisse entrevistar os candidatos, garantindo um procedimento que oferece maiores garantias – “o adiamento ia tutelar melhor os interesses dos candidatos”.

6 – Por último, foi inquirida Maria Carvalho, funcionária do centro de emprego (IEFP) e candidata ao concurso, procurando provar em que termos ocorreu o concurso. A candidata referiu que se “conformou com a notícia do adiamento” e disse ainda que “teve conhecimento não por e-mail mas por aviso”, completando dizendo que “não se sente minimamente lesada em nenhum direito ou interesse porque o concurso foi apenas adiado e assim ainda mantém uma expectativa de ser a nomeada e para além disso o concurso foi assim realizado em melhores condições oferecendo maiores garantias de imparcialidade do que com um júri substituto”. A testemunha considera-se ainda candidata – “o concurso não cessou! Apenas foi adiado no próprio dia, não sinto que tenha sido violado algum dos meus direitos”.

7 – Passou-se, então, à intervenção do Ministério Público, que repetiu oralmente as posições já expressas em parecer anteriormente referido, aceitam a legitimidade de L, sendo Presidente do Sindicato, poderá ser autor pelo disposto no artigo 4.º/3 do Decreto-Lei 84/99, e 45.º-A do estatuto do Sindicato. Questiona o MP a renomeação, podendo colocar-se em causa a proporcionalidade e boa-fé, “a administração não colocou a pessoa melhor qualificada para o cargo”. Quanto ao adiamento referiram: “se o adiamento não se encontra previsto é nulo, logo não produz efeitos, o que dá a A interesse em agir” e ainda defenderam que o “prazo de 60 dias não se aplica por não haver conclusão do concurso”. Concluem pedindo a “condenação à prática do concurso”.

8 – Muito resumidamente cite-se da intervenção final dos Autores que “o que parece claro é que não há ausência de júri que justifique o adiamento” e a invocação do artigo 21.º/8 da portaria 83-A/2009 – “diploma que os colegas pareciam desconhecer, prevê substituição em caso de força maior. Das duas uma, ou não há força maior (desaparece fundamento para adiamento) ou deveriam ter accionado o mecanismo desse artigo”. Defendem ainda que o argumento de que júri não oferecia garantias necessárias não pode proceder “se a lei o prevê; com certeza não há esse problema”. Pedem, então, condenação a pratica do acto devido – o concurso público – e anulação da renovação substituição J, sem efeitos retroactivos.
Relembram que com isto não se faz a defesa individual de L, “faz-se a defesa dos interesses colectivos de vários trabalhadores, o Sindicato vem defender o interesse colectivo dos seus trabalhadores”, alegam que L tem legitimidade, por actuar como sindicalista, maior, em concordância com o MP. Dizem, ainda, que “a renovação não pode ser considerada uma mera continuidade pois o procedimento cessou: cessa sem data determinada para reabertura do concurso; há uma dilação de todo o concurso e não apenas daquele procedimento; o que gera lesão de interesses legítimos dos candidatos, permanece a dúvida do que terá acontecido ao júri para não ser possível a sua presença”. Retomam o disposto no artigo 21º/n.º 8 da Portaria 83º-A/2009 – “prevê a substituição do júri em motivo de força maior: mas há ou não motivo de força maior? O artigo é aplicável e o júri teria que ser substituído”, e avisam: “não procede o argumento de que um júri substituto não reúne condições e garantias de imparcialidade pois o concurso encontrava-se na fase de recepção de candidaturas”.

9 – Também da forma mais abreviada possível, lembre-se que a Entidade Demandada, veio, em intervenção final, repetir: “Foi L como pessoa individual que se apresentou aos autos – isto não é permitido – não é L como pessoa singular, por uma segunda via, apenas como Presidente podia”. Defenderam também que o interesse em agir de A não foi demonstrado e defendem que a Portaria 83-A/2009 – “não é aplicável ao regulamento para cargos dirigentes”. Defende ainda que ter acontecido meramente um “adiamento” faz parte dos factos dados por adquiridos [enunciado do caso como “prova pleníssima”] e defendem que “adiar é bem diferente de cessar – extinguir/terminar/dar por acabado. Não foi isso que aconteceu, foi apenas transferido para outro dia. Não se verificaram as condições – não controlamos os acontecimentos naturais”. Afirmam ainda que o Presidente do júri teria dois caminhos – “deixar o lugar vazio, um lugar essencial à eficiência do serviço, ou fazer o que fez, uma substituição em nome do interesse público”. Lançando a questão a todos: “o que é melhor? Um serviço vazio ou um serviço pronto a atender-nos?”. Defenderam que o procedimento concursal e a nomeação em substituição foram em tudo conformes à lei, em especial à Lei 51/2005, no seu artigo 27.º.

IV – Questão a decidir
1. Factos e articulados
Tudo isto relatado e assente, importará referir previamente que os factos essenciais deveriam ter ficado assentes antes da audiência simulada. O adiamento decorrente unicamente do argumento “por causa do cancelamento das viagens em virtude da explosão do Vulcão da Islândia, apenas podendo regressar a 21 de Abril” só deveria ser admissível como superveniente, pelo disposto no artigo 86.º/1 do CPTA, devendo ter sido deduzido em novo articulado, no entanto, deveria ter sido provado que esse facto era superveniente, o que não aconteceu e dificilmente é configurável, uma vez que a Entidade Demandada já sabia disso desde o dia 14 de Maio, dificilmente encaixa na previsão do artigo 86.º/2 do CPTA [No entanto, tendo uma tramitação sui generis a nossa simulação de processo, aceitaremos este facto, não tendo sido contestado por nenhuma das partes nem pelo Ministério Público durante a simulação de audiência].

2. O “prosseguimento do processo”
Ainda em consideração prévia, importaria referir que afastamos da nossa apreciação todo o mecanismo do artigo 89.º do CPTA.
Assim:
- Aceitamos e não questionamos a não ineptidão da petição (apesar de o ser) – 89.º/1 a);
- Não abordamos os problemas de personalidade ou capacidade judiciária do autor demandado (89.º/1 b) CPTA)
- Afastamos, ainda, por não ter sido questionado até esta fase, apreciação sobre a inimpugnabilidade do acto (não nos parece ser inimpugnável, de qualquer forma), sobre a legalidade da coligação, da cumulação de pretensões, caducidade do direito de acção, litispendência e caso julgado (não parece haver problemas quanto a estas matérias, atente-se no artigo 4.º, 2, a) CPTA, segundo o qual a cumulação de pedidos nos parece ser admissível) ou sobre a falta de indicação de contra-interessados (que verificamos haver). Também não valorizamos não ter ficado provado o valor da causa (€ 30.000,01), o autor deveria referir a que se deve o valor indicado vide art. 32.º CPTA.

Assim, os juízes deste caso simulado recusam a utilização destes “meios de prova” [num sentido exageradamente “amplo” que nos permita caber na previsão do n.º 2 do artigo 90.º do CPTA e pedem que também esse olhar “pouco formalista” seja dado, como demos aos articulados, a este acórdão – quer tendo em vista as características deste caso, quer pela urgência da decisão que não permite mais do que o aqui desenvolvido].

3. Questões a abordar

Desta forma, concentramo-nos nas seguintes questões:
a) Interesse em agir de A e legitimidade de L
b) Segunda nomeação em regime de substituição de J
c) Possibilidade de adiamento do concurso
d) Fundamentação da decisão de adiamento
e) A aplicabilidade da Portaria 83-A/2009, de 22 de Janeiro, ao caso
f) Aplicabilidade de sanções pecuniárias compulsórias para que o concurso continue e termine rapidamente

a) Interesse em agir de A e legitimidade de L
A legitimidade dos autores decorrerá do disposto no artigo 68.º/1/a) CPTA para A, e para L do disposto no artigo 68.º/1/b) CPTA. Poder-se ia cruzar com o disposto no artigo 53.º/1 CPA (devendo seguir-se o Ac. TC 118/97, 24 de Abril, que declara com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade – art. 56/1 CRP – da norma constante daquele n.º, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar procedimento administrativo e para nele intervir, seja em defesa de interesses colectivos, seja em defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam).
Quanto à legitimidade de A parece não se colocar qualquer problema e parece ter sido demonstrado, até pela Entidade Demandada, que haveria interesses individuais em presença e que a decisão de adiamento afectou e até poderia ter lesado A, podendo isolar-se neste candidato um interesse em ver o concurso terminado, parece impor esta posição o desenho geral do contencioso administrativo. O particular, A, terá que ver titulado o seu interesse em ver a sua situação decidida e estabilizada, o que é impossível enquanto não terminar o concurso, havendo uma pretensão perfeitamente válida.
Concordamos com as alegações dos Autores e desenvolvemos desta forma aquilo que o MP já alegara.
Quanto à legitimidade de L também aderimos à argumentação do MP, e entendemos, embora isso devesse ter ficado mais claro na petição inicial, que este está a agir enquanto Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, podendo ser identificado como autor na petição inicial - a representação do sindicato em juízo seria levada a cabo pela sua direcção, de acordo com o Artigo 45º a) do Estatuto do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública da Zona Sul e Açores. Conclui-se que cabe ao titular máximo da Direcção (no caso L, o Presidente) essa mesma representação.
E se é certo que o Sindicato não pode promover a defesa individualizada dos interesses individuais de um associado de acordo com o Artigo 4º nº3 do Decreto-Lei nº 84/99 de 19 de Março, sabemos que está em causa um interesse colectivo, pelo que o Sindicato poderia promover a sua defesa. “Este interesse afigura-se colectivo uma vez que não será apenas o interesse de A que está a ser tutelado pelo concurso, mas de todos os particulares que se pretendam candidatar ao mesmo”.

Quanto à legitimidade passiva, importará também dizer que o IEFP, IP é pessoa colectiva de Direito público ex vi 3.º, n.º1 in fine e 4.º Lei 3/2004 (Lei Quadro Institutos Públicos - LQIP); 1.º, N.º1 do DL 213/2007; art. 3.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 519-A2/79; e terá, portanto, legitimidade passiva nos termos do art. 10.º/2 CPTA.

b) Segunda nomeação em regime de substituição de J
A decisão sobre este em nada influenciará o segundo pedido, pois que sempre pretenderão os autores a reabertura do concurso. Contudo, sendo esse o primeiro pedido dos autores, importa decidir.
Tratando-se de um Instituto Público, a matéria de contratação deverá ser enquadrada pelo disposto nos artigos 34.º da LQIP, de cargos dirigentes 1.º, n.º2, 2.º, n.º1, 20.º ss. da Lei 2/2004 alterada pela Lei 51/2005 e ainda, por se tratar do IEFP, art. 27.º- A dos Estatutos do IEFP, I.P. republicados na sua última alteração pela Portaria 570/2009. A Entidade Demandada suscita, ainda, a aplicação da Portaria 83 – A/2009, ora esse diploma, como referiu - e bem - a defesa da Ré (contudo surpreendentemente expendem argumentação com base nessa mesma Portaria vide verbi gratia o art. 21.º da Contestação), não é aplicável por força da cláusula de exclusão de regime constante do art. 1.º, n.º 3, se é a própria Portaria que afasta do seu âmbito de aplicação, as situações de recrutamento para cargos dirigentes, tão pouco por analogia se poderia alcançar a aplicação do diploma. Ainda se deve referir a aplicação da Lei 12-A/2008. Com esta base legal avançamos que o regime de substituição é tipicamente provisório, isto é, aplica-se apenas para situações pontuais em que, pela vacatura do cargo, vemos que seria inviável manter o serviço sem o dirigente. O carácter provisório molda-se nos termos de necessidades não criadas, mas inesperadas. Nesta sequência pretende-se alcançar que a situação de substituição deve ser suprida o quanto antes. Veja-se os artigos 27.º e 27.º-A, artigos centrais da Lei 2/2004 alterada pela lei 51/2005.
Independentemente da qualificação jurídica como “acto inútil” dada pelo MP, acreditamos que este acto era necessário, devendo contextualizar-se a segunda nomeação em substituição de J nesta segunda necessidade inesperada, decorrente da impossibilidade de continuar o concurso. A substituição não cessaria para J, estando em curso um procedimento (ainda que com algum dos seus trâmites adiados) tendente à nomeação de novo titular – caberá isto no artigo 27.º/3 da Lei 2/2004 alterada pela Lei 51/2005 (atentem nesta alteração e na lei originária quer as partes, quer o MP, que citaram apenas a lei de alteração). A nova nomeação pode ser explicável como comunicação a J de que, ao contrário do previsto, a sua substituição não cessa. Não deverá, portanto, ser anulada ou declarada nula esta substituição, devendo manter-se como está até que o procedimento concursal termine.

c) Possibilidade de adiamento do concurso
Não deixa este tribunal de ter ficado com muitas dúvidas quanto às razões invocadas pela Entidade Demandada para haver adiamento do procedimento concursal, primeiro parecia tratar-se apenas de “insuficiência de pessoal”, seguindo-se referência à actual conjuntura do país que inviabilizava qualquer hipótese de atempada realização do procedimento concursal (artigos 32.º e seguintes da contestação), vindo depois a conjuntura a ganhar outros contornos – agora já em sessão de julgamento – transformando-se numa nuvem de cinzas vulcânicas.
Não deixamos de ver o concurso como um procedimento que, em si, não poderia ser adiado, apenas as entrevistas, ou os actos que sejam necessários nesse procedimento, poderiam, em si, ter sido adiadas, devendo ter sido feita nova calendarização pelo Presidente.
Se parece ser claro que motivos alheios à vontade e capacidade do júri servem como fundamentação a essa decisão, não deixa de ser também claro que o concurso deve seguir e que o dever de celeridade obriga toda a administração.
E deve afastar-se por completo o argumento segundo o qual a substituição do júri garantiria menos as expectativas dos candidatos – não há júris insubstituíveis e não pode existir de forma alguma essa presunção por membros de qualquer júri.
Parece que o acto de adiamento das entrevistas seria possível, o acto de adiamento da totalidade do concurso, não, devendo o IEFP retomar esse procedimento o quanto antes.

d) Fundamentação do acto de adiamento
Aceitando que esse acto de adiamento – das entrevistas a realizar, em concreto, por J, ou mesmo do concurso (adiamento como recalendarização dos trabalhos), este acto seria nulo por falta de fundamentação (uma vez que a fundamentação insuficiente equivale à falta de fundamentação, nos termos do art.º125, nº2 e 133.º, nº1 do CPA).
Parece esta decisão ser determinante. O adiamento deveria ter sido comunicado a todos os candidatos, concretizando-se os termos e a fundamentação – seria impensável, num caso real, só se alegar em audiência a “nuvem vulcânica” que reteve o membro do júri e os suplentes em Inglaterra, este argumento deveria ter constado da fundamentação e, mais ainda, da Contestação.
O acto de adiamento seria nulo, nestes termos.

e) A aplicabilidade da Portaria 83-A/2009, de 22 de Janeiro, ao caso
A aplicabilidade desta Portaria não pode ser invocada, não procedendo a argumentação do MP e dos Autores neste sentido. O artigo 1.º/3 da mesma é inequívoco: “A presente portaria não é igualmente aplicável ao recrutamento para cargos dirigentes”.
Assim, o nº3 do Artigo 20.º - “No mesmo acto são designados o membro do júri que substitui o presidente nas suas faltas e impedimentos, bem como os suplentes dos vogais efectivos.” E os seguintes números do artigo 21.º:
“8 - A composição do júri pode ser alterada por motivos de força maior, devidamente fundamentados, nomeadamente em caso de falta de quórum.
9 - No caso previsto no número anterior, a identificação do novo júri é publicitada pelos meios em que o tenha sido o procedimento concursal.
10 - O novo júri dá continuidade e assume integralmente todas as operações do
procedimento já efectuadas.”

Devem ser afastados. A solução a dar ao caso não poderá passar por aqui.

f) A aplicabilidade de sanções pecuniárias compulsórias para que o concurso continue e termine rapidamente

Tudo visto e apreciado, importará, então, condenar a Administração, na pessoa do IEFP, IP, a continuar o procedimento, obrigando-a a um prazo de decisão o mais reduzido possível. Esse prazo terá que ser dado em benefício dos concorrentes. Se já estamos em fase de selecção e não de envio, terá que se remeter para o prazo médio que foi utilizado em concursos anteriores (aceitemos um prazo médio de 10 dias, ficcionado para este caso). De qualquer forma, deverá haver duas sanções cumulativas, uma até ao inicio da execução da sentença e outra até à conclusão do concurso.
Mesmo tendo em conta o princípio do pedido (artigo 95.º do CPTA), poderá o tribunal condenar desta forma, o tribunal pode ordenar ainda as diligências que considere necessárias, após o que se segue a abertura de vista simultânea aos juízes-adjuntos, quando se trate de tribunal colegial, sendo proferida a decisão final (artigo 95.º/3 CPTA).
Este tribunal colegial considera justificado, ao abrigo do artigo 66.º/3 CPTA a imposição de sanções pecuniárias compulsórias. Quando o considere justificado, pode o tribunal impor, logo na sentença de condenação, sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o incumprimento, sendo, neste caso, aplicável o disposto no artigo 169.º. Dispõe este artigo que a imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença. A sanção pecuniária compulsória é fixada segundo critérios de razoabilidade, podendo o seu montante diário oscilar entre 5% e 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento. Se o órgão ou algum dos órgãos obrigados for colegial, não são abrangidos pela sanção pecuniária compulsória os membros do órgão que votem a favor da execução integral e imediata, nos termos judicialmente estabelecidos, e que façam registar em acta esse voto, nem aqueles que, não estando presentes na votação, comuniquem por escrito ao presidente a sua vontade de executar a sentença. A sanção pecuniária compulsória cessa quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença, quando o exequente desista do pedido ou quando a execução já não possa ser realizada pelos destinatários da medida, por terem cessado ou sido suspensos do exercício das respectivas funções. As importâncias devidas ao exequente a título de indemnização e aquelas que resultem da aplicação de sanção pecuniária compulsória são cumuláveis, mas a parte em que o valor das segundas exceda o das primeiras constitui receita consignada à dotação anual, inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a que se refere o n.º 3 do artigo 172.º

Consideramos, assim, dever impor-se sanção pecuniária compulsória para que o concurso comece no primeiro dia útil seguinte a esta decisão e outra sanção pecuniária compulsória, acelerando os procedimentos concursais, caso o concurso não tenha terminado nos próximos 12 dias, tendo em conta que o tempo médio [ficcionado] para concursos deste tipo é de 10 dias.


V – Decisão
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, o Tribunal julga a presente acção administrativa especial improcedente na parte em que é pedida anulação da nomeação de J e condena a Entidade Demanda a retomar o concurso, declarando nulos por falta de fundamentação todos os actos de adiamento. Condena ainda a Entidade Demandada a sanção pecuniária compulsória enquanto não seja retomado o concurso e a outra sanção pecuniária compulsória caso este não tenha terminado em 12 dias.
Custas a dividir pelos Autores e Entidade Demandada, com taxa de justiça que fixamos em 20 UC, a reduzir a metade, de acordo com os artigos 73.º-D/3 e 73.º-E, b) do Código das Custas Judiciais.
Registe e notifique.

*

Após o trânsito em julgado da presente decisão, devolva o processo administrativo apenso.
(texto elaborado e revisto pelo signatário – cfr. Artigo 138.º/5 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do CPTA – incorporado no SITAF, com assinatura electrónica avançada, nos termos do artigo 7.º/1 da Portaria n.º1417/2003, de 30 de Dezembro).
Lisboa, 2010-05-23
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal da FDL,

O colectivo de juízes,
Andreia Sofia Candeias Rosa, n.º 16948 (ST 11)
Célia Maria Fernandes Sobral, n.º 16562 (ST 10)
Vanessa Julieta Vieira Rolo, n.º 16906 (ST 11)
Miguel da Câmara Pestana Pedrosa Machado, n.º 16791 (ST 10)
Pedro Ramos, n.º 15906 (ST 11)
Saulo Emanuel Vigário Chanoca, n.º 16867 (ST 11)

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