quarta-feira, 5 de maio de 2010

Comentário ao acórdão do S.T.A. de 11/03/2010 nº de processo 0701/09

A questão que se coloca no acórdão para analise é a de saber se perante legislação extravagante que contrarie o sentido do artigo 51º nº 1 do C.P.T.A. é obrigatório proceder à prévia impugnação administrativa (recurso hierárquico necessário) ou se, ao invés, este pode logo lançar mão do mecanismo de impugnação contenciosa do acto.
Neste caso, temos um acto administrativo (avaliação do desempenho) que segundo o autor da acção lhe é lesivo, ou seja um acto que não lhe é favorável. Desse acto cabe recurso hierárquico para o membro do governo competente, de acordo com o artigo 29º nº1 do decreto - regulamentar 19-A/04 que regula a lei 10/04. Esta legislação especial vai contra o preceituado no artigo 51º nº 1 do C.P.T.A. que apenas refere que é impugnável um acto administrativo com eficácia externa, bem como os actos cujo conteúdo seja lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos.
Verificam-se aqui dois critérios separados, no entendimento do Prof. Vasco Pereira da Silva. A questão em análise não se punha durante a vigência da L.P.T.A. uma vez que esta, no seu artigo 25º nº 1, determinava que só após estar esgotado o recurso hierárquico necessário é que o particular poderia proceder a impugnação contenciosa de um acto administrativo lesivo, ou seja, era pressuposto processual para a impugnação de actos administrativos a definitividade vertical e horizontal do acto. Estávamos aqui perante uma reminiscência do período do Administrador-Juiz, na medida em que a administração se deveria de julgar a si mesma e só após esgotado esse julgamento se poderia recorrer ao poder judicial como forma de resolução daquele litígio.
Esta situação foi alterada com a entrada em vigor do C.P.T.A.. Assim, o artigo 51ºnº 1 da referida lei deixou de exigir a prévia impugnação administrativa (recurso hierárquico necessário) como pressuposto processual da impugnação contenciosa do acto administrativo, pelo que perante esta situação, o particular pode desde logo impugnar judicialmente o acto administrativo sem a necessidade da prévia impugnação contenciosa. Esta questão começa a levantar problemas em relação a legislação extravagante (lei especial) que exigia o recurso administrativo prévio antes da impugnação judicial do acto e que se manteve em vigor após a entrada em vigor do C.P.T.A.
Alguma doutrina, nomeadamente o Prof. Mário Aroso de Almeida acompanhado pela secção do Pleno do S.T.A. entendem que o C.P.T.A., tratando-se de lei geral, não revoga a lei especial, pelo que em relação aos casos que se exija em lei especial o recurso hierárquico necessário prévio este tem de ser interposto e só posteriormente o particular pode impugnar o acto contenciosamente. Os argumentos apresentados são os de que a lei geral não revoga a lei especial, como determina o artigo 7º nº 3 do C.C.; como o de que o legislador optou por deixar inalterados os casos de recurso hierárquico necessário previsto em lei especial intencionalmente.
Por outro lado surge a interpretação sugerida pelo professor Vasco Pereira da Silva, que vem defender que a interpretação feita pelo Prof. Mário Aroso de Almeida contraria a constituição, bem como o regime previsto no C.P.T.A.
Vasco Pereira da Silva defende a inconstitucionalidade da legislação extravagante que exige o recurso hierárquico necessário, por violação do artigo 268º nº4 da C.R.P. (direito á tutela jurisdicional efectiva), bem como a violação do princípio da separação de poderes, na medida em que só após a decisão do órgão de topo da administração competente para conhecer do recurso é que o particular pode recorrer ao poder judicial como forma de resolução deste litígio.
Jorge Miranda por seu lado defende que a revisão constitucional de 1997 ao introduzir o nº4 ao artigo 268º da C.R.P. vem retirar o fundamento constitucional da definitividade horizontal do acto como elemento essencial para a impugnação contenciosa. Contudo defende que daí não decorre a inconstitucionalidade das normas que exijam o recurso administrativo como condição da impugnação judicial do acto, uma vez que a impugnação administrativa tem efeito suspensivo na execução do acto. Refere ainda, este autor, que o legislador nesta área tem alguma discricionariedade, porém, está limitado pelo princípio da proporcionalidade (artigo 20º da C.R.P.)
Concluímos que segundo o entendimento do professor Vasco Pereira da Silva, não é necessário o particular impugnar o acto administrativamente antes da impugnação contenciosa (mesmo que esteja previsto em lei especial), uma vez que, a não ser assim, estaríamos perante uma negação do direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 286º nº4 da C.R.P.). Uma vez que o acto já é dotado de lesividade para o particular, não é necessária a sua eficácia externa (como defende o Prof. Vasco Pereira da Silva) para a impugnação contenciosa deste.
Contrariamente ao referido no acórdão, concluímos ainda que o artigo 51º nº1 do C.P.T.A determina que os diplomas avulsos (nos quais se exigia a reclamação graciosa) tenham caducado, uma vez que estes se limitavam à confirmação da regra geral - após essa regra ter sido revogada os preceitos que a confirmavam caducam. Esta é a interpretação que assegura ao particular uma maior garantia do princípio da efectividade da tutela jurisdicional efectiva

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