sexta-feira, 7 de maio de 2010

Recurso Hierárquico Necessário

Recurso Hierárquico Necessário

O que é? O recurso hierárquico necessário consiste numa impugnação administrativa necessária para, só depois dessa impugnação, aceder à via contenciosa. Jà foi entendida a necessidade do recurso hieráquico como condição de acesso à justiça administrativa. A impugnação administrativa seria então condição necessária à via contenciosa.

Perante um acto administrativo praticado por determinado órgão da administração, sempre que o particular se sentisse lesado, primeiro teria de impugnar para os superiores hierárquicos do órgão em causa, e só depois de esgotado o órgão hierárquicamente superior é que o particular tinha direito de acesso aos tribunais.

A questão do recurso hierárquico tem levantado um grande número de problemas e dúvidas.

Há quem entenda que a regra é a de que há recurso hierárquico necessário, por haver regras especiais, em relação ao art 51/1º CPTA, que é uma regra geral, que diz que não há recurso hierárquico necessário, pois são “impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”.

O que este artigo quer dizer é que sempre que os actos administraticos tenham eficácia externa, especialmente aqueles que possuam um conteúdo susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos, são impugnáveis por meio da via contenciosa. Defensor deste opinião é o Professor Vasco Pereira da Silva, que para além disto, defende que haveria uma inconstitucionalidade por violação do direito fundamental da impugnação contenciosa (art 268/4º CRP) ao admitir recurso hieráquico necessário nestas situações. É então de afastar toda a exigência de recurso hierárquico necessário sempre que o acto administrativo com eficácia externa, lese os particulares.

Antes da Reforma o Professor apresentava como argumentos para a inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário:
- a inadmissibilidade do recurso à via contenciosa quando não tenha existido previamente o recurso hierárquico necessário, é claramente uma violação do direito fundamental de recurso contencioso por parte dos particulares, pelo que haveria, como já referi, uma inconstitucionalidade (art 268/4º CRP);
- a não utilização de uma garantia administrativa faria precludir o direito de acesso aos tribunais, e assim punha-se em causa a separação entre Administração e Justiça (art 114º, 205º e 266º ss CRP);
- haveria também a possibilidade de recorrer de todos os actos dos subalternos sempre que os actos destes fossem lesivos, pois o superior tem competência revogatória (art 142º CPA);
- no caso de não haver interposição prévia do recurso hierárquico, no prazo de trinta dias, pelo art 168/2º CPA, reduzia-se drásticamnete o prazo para a impugnação de actos administrativos, o qual, uma vez que é manifestamente curto, levaria à inutilização da possibilidade de exercício do direito e à susceptíbilidade de equiparação à lesão do próprio conteúdo essencial do direito.
Esta posição não era apoiada dela jurisprudência nem pela doutrina mais importante.

Com a Reforma, e na opinião do Professor, o legislador veio afastar a necessidade do recurso hierárquico como condição de admissibilidade de acesso à justiça administrativa. A necessidade de recurso hierárquico não dizia respeito à existência nem à produção de efeitos mas só à impugnabilidade administrativa: o acto praticado pelo subalterno era idêntico ao praticado pelo superior hierárquico, pelo que, apenas quando o particular pretendesse contestar o acto judicialmente é que havia necessidade de intervenção do órgão de topo da hierárquia.

Como já disse, o Professor acredita que o CPTA afasta a necessidade do recurso hierárquico pelas seguintes razões:
- foi consagrada a impugnabilidade por via contenciosa de qualquer acto administrativo que seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos ou que sejam dotados de eficácia externa; isto significa que os actos dos subalternos não têm de ser interpostos no órgão hierárquicamente superior para o particular aceder à via contenciosa (não há qualquer referência implícita ou explícita na lei);
- foi atribuido um efeito suspensivo ao prazo de impugnação contenciosa quando há utilização das garantias administrativas (art 59/4º CPTA); isto significa que o particular que optar pela via administrativa sabe que o prazo para a impugnação contenciosa está suspenso e só voltará a correr quando houver uma reapreciação do acto adminstrativo. Isto até pode ser considerado como uma “segunda opinião” e o particular não vê o seu direito precludir. Quanto a este ponto, o Professor defende ainda que o legislador fez bem em tomar a decisão por suspender o prazo de acesso à via contenciosa quando utilizar a via administrativa, mas poderia também suspender o efeito da própria execução da decisão administrativa, onde haveria uma generalização a todas as garantias administrativas;
- tendo o particular recorrido à via administrativa, beneficiou da suspensão do prazo para impugnação por via contnciosa, mas isso não prejudica o particular da possibilidade imediata da impugnação contenciosa do acto (art 59/5º CPTA).

Por isto, não só o particular tem sempre a possibilidade de escolher entre utilizar a via admnistrativa ou a via contenciosa, como também, mesmo nos casos em que decidiu utilizar a via administrativa não há qualquer obstáculo a utilizar imediatamente o tribunal, já que o particular continua a poder optar por proceder à impugnação contenciosa do acto, sem ter de esperar a decisão da Administração, tal como requerer as providências cautelares que entender adequadas. Por isto, conclui-se que desaparece tanto a necessidade do recurso hierárquico, como de outras garantias administrativas. As garantias administrativas passaram a ser facultativas, não dependendo a acesso aos tribunais delas.

Posto isto, e sendo a regra a de que não há necessidade de recurso hierárquico para acesso à via contenciosa, posição também defendida por Mário Aroso de Almeida, surge uma interpretação restritiva, segundo a qual estaria aqui presente apenas uma revogação da regra geral de existência de recurso hierárquico necessário, e não haveria revogação das regras especiais que consagrassem tal exigência. De acordo com esta interpretação, mesmo havendo revogação da regra geral, sempre que haja regras especiais que digam que há necessidade de recurso hierárquico, essas mesmas regras não se encontram revogadas; a revogação dessas regras especiais só pode ser feita mediante disposição expressa que “determinasse que todas elas se consideravam extintas”. As decisões administrativas continuam a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei.

O Professor não apoia essa interpretação restritiva, pois entende contrariar não só disposições constitucionais como o regime do CPA. Esta posição não é de adoptar pelas seguintes razões, apresentadas pelo Professor:
- não vê como é possível a compatibilidade entre a regra geral da admissibilidade de acesso à justiça independentemente de recurso hierárquico necessário com as “regras especiais” que obrigam à utilização do recurso hierárquico necessário como pressuposto de acesso à justiça. Ora se o recurso hierárquico necessário apenas teria como função permitir a impugnação do acto e se agora é possivel a impugnabilidade contenciosa imediata dessa decisão administrativa sem a via administrativa “prévia”, não se vê qual o sentido de se considerar que tal exigência se mantém. Isto é uma contradição;
- utiliza-se um argumento formal, o qual diz que o CPTA, com a Reforma, revogou a regra geral; se isso é assim, sendo, antes da Reforma, a regra de que tinha de haver recurso hierárquico necessário, então as ditas regras especiais não tinham qualquer especialidade, antes da Reforma, uma vez que dispunham o mesmo que a regra geral. Será que aqui se pode dizer, tendo sido revogada a regra geral, não se revogaram também as regras especiais, uma vez que tanto regra geral como regras especiais dispunham o mesmo?;
- com a Reforma houve revogação da regra geral, mas não das regras especiais “avulsas”, o que parece ser improcedente. Uma vez que o CPTA dispõe que não há qualquer necessidade de utilizar as vias administrativas como acção prévia à via contenciosa, o mesmo entendimento deve ser tido para as regras constantes do CPA e para as que estão em legislação “avulsa”, sendo posteriores ou anteriores à Reforma. Tais normas caducam pelo desaparecimento das circunstâncias de direito que as justificavam (que era o recurso hierárquico necessário, como pressuposto da via contenciosa);
- a nível constitucional é consagrado o direito à via contenciosa, pelo que se a regra geral anterior à Reforma já era inconstitucional, também depois daquela o são as regras especiais, uma vez que estas criam derrogação do regime geral actual. Antes da Reforma já o recurso hierárquico, como regra geral era inconstitucional por violação da CRP, agora que a regra já não é essa, todas as regras especiais que consagrem o recurso hierárquico necessário são-no; a regra geral que havia antes da Reforma e que era inconstitucional desaparece deixando de haver inconstitucionalidade nesse sentido, mas como as regras especiais consagram o contrário da Constituição, então agora são estas regras inconstitucionais por violação do acesso à via contenciosa, há “violação do conteúdo essencial do direito fundamental de acesso à justiça administrativa”;
- o CPA estabele um princípio de “promoção do acesso à justiça” (art 7º CPA), segundo o qual o “mérito” deve prevalecer sobre as “formalidades”, o que implica que devem ser evitadas “diligências inúteis”; ora se já não há o pressuposto processual do recurso hierárquico necessário para impugnação dos actos administrativos, é inútil que se exija a garantia administrativa quando não há necessidade de tal.

Na opinião do Professor, e com a qual concordo, deveria haver compatibilidade entre os regimes do CPA e do CPTA, pelo de deveria haver uma revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário; ao mesmo tempo deveria proceder-se à generalização da regra de atribuição de efeito suspensivo a todas as garantias administrativas, acompanhadas da fixação de um prazo, curto, para o exercício da faculdade de impugnação administrativa pelos particulares (este prazo não teria qualquer relevo para a impugnação do acto administrativo).

Carla André, nº 16536, subturma 3

Sem comentários:

Enviar um comentário