sexta-feira, 7 de maio de 2010

O recurso hierárquico necessário tornou-se mesmo desnecessário ou ainda desempenha alguma função relevante?

O recurso hierárquico necessário traduz-se na faculdade que o particular tem de impugnar um acto praticado por um subalterno junto do seu superior hierárquico.
Antes da Revisão Constitucional (doravante RC) de 1989, conferia-se aos particulares o direito de recurso contencioso contra actos administrativos definitivos e executórios, após a RC deixou o art. 268.º CRP de fazer referência à necessidade do recurso ser interposto contra actos administrativos definitivos e executórios para poderem ser interpostos recursos a quaisquer actos que sejam lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, assim, deixou de ser constitucionalmente admissível impor ao particular o prévio esgotamento das vias administrativas como única forma de acesso aos meios contenciosos. A necessidade do recurso hierárquico como pressuposto de impugnação contenciosa de actos administrativos parece ter sido afastada pelo CPTA (alteração do CPTA associada à RC de 1989) uma vez que consagrou a impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos (51/1 CPTA), a atribuição de um efeito suspensivo ao prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo associada à utilização de garantias administrativas (59/4 CPTA) e o estabelecimento da regra segundo a qual mesmo quando o particular recorre a uma garantia administrativa (suspendendo-se, então, o prazo de impugnação contenciosa), não o impedindo de recorrer a uma imediata impugnação contenciosa do acto administrativo (59/5 CPTA).
Porém a constitucionalidade do art. 268.º CRP foi posto em causa, e em sua defesa vem o Prof. Viera de Andrade, argumentar que o legislador ordinário continua a estar livre de exigir a definitividade do acto, e a exigência de impugnação administrativa é meramente ordenadora e não constitui um ataque aos direitos, liberdades e garantias dos particulares, nomeadamente o acesso ao tribunal, apoiando-se, também, no n.º 4 do art. 268.º, já que o mesmo não impõe a abertura de um recurso contencioso imediato, apenas determina que a garantia contenciosa não se pode recusar quando exista um acto administrativo. No entanto vem o Prof. Vasco Pereira da Silva apoiar a inconstitucionalidade do mesmo, pois já antes da RC de 1989 considerava que a obrigatoriedade do recurso hierárquico necessário como única via de se chegar a uma “decisão não administrativa” era inconstitucional uma vez que violava diversos princípios constitucionais, nomeadamente, a plenitude da tutela dos direitos dos particulares, a separação entre a administração e a justiça, a efectividade da tutela e a desconcentração administrativa, assim entende que a alteração legislativa veio tornar o recurso hierárquico necessário inconstitucional, considerando que as previsões anteriores à RC. de 1989 caducaram por inconstitucionalidade superveniente e originariamente as criadas posteriormente , argumentando para tal a violação do art. 268/4 da CRP, por negação do direito fundamental de recurso contencioso a violação do principio da desconcentração administrativa que implica a impugnabilidade dos actos dos subalternos, sempre que estes sejam lesivos
e a violação do principio da efectividade de tutela precisamente pelo efeito preclusivo da impugnabilidade da decisão administrativa no caso de não ter havido interposição de recurso hierárquico, no prazo de 30 dias, no entanto não põe de parte o recurso hierárquico facultativo, uma vez que o próprio legislador prevê essa regra (assente na própria letra da lei e na jurisprudência) .
Assim, entende-se que o recurso hierárquico deixou de ser necessário, contudo poderá ser útil, se o particular entender, pelas suas próprias razões, que será mais “benéfico” accionar a via do recurso hierárquico do que a do recurso contencioso, uma vez que o superior hierárquico poderá dar-lhe razão e assim poupar tempo e custos, pelo contrário, se vir o superior hierárquico apenas a confirmar o acto do subalterno, terá sempre a via contenciosa para recorrer já que o seu recurso hierárquico suspende os prazos para o recuso contencioso, também se poderá retirar alguma relevância do recurso hierárquico necessário nos casos em que o particular apresenta requerimento a um órgão subordinado e se veja confrontado com uma atitude omissa (à luz do art 67.º, n.º 1 CPTA), como uma forma de obrigar esse órgão a ter uma conduta face ao seu subordinado, tendo em mente o carácter mais célere em confronto com uma acção no tribunal administrativo.

Ricardo Celorinda Luís, subturma 3, n.º 16345

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