quinta-feira, 20 de maio de 2010

UM PROCURADOR PRESTES A AUSENTAR-SE (COERCIVAMENTE): RESOLUÇÃO DO CASO PRÁTICO DA PÁGINA 37

Esta resolução não pretende (nem o conseguiria, nesta fase do campeonato) ser exaustiva, tocando em todos os pontos conexos com o problema jurídico. É, isso sim, uma proposta de resolução sumária, mas penso que pode ser útil em termos de preparação para o exame de dia 11 de Junho. Assim, não perdem nada em ler as considerações que se seguem…

Em termos muito resumidos, o senhor A, Procurador-Adjunto (agente do Ministério Público, nos termos do artigo 8º/1e da Lei 47/86, de 15 de Outubro, que aprova o Estatuto do Ministério Público – doravante EMP), após vários períodos de ausência ao serviço ao longo dos últimos anos, sem apresentação de quaisquer justificações, é confrontado com uma sanção disciplinar de inactividade (prevista no artigo 166º/1e do EMP) pelo período de um ano, aplicada pela Secção Disciplinar do Conselho Superior do MP (artigo 29º/2 do EMP).

Inconformado com a aplicação daquela sanção disciplinar, que é um acto administrativo lesivo, procede ao meio gracioso da revisão (artigos 207º e 208º do EMP), de natureza idêntica à da reclamação, para o Plenário do Conselho Superior do MP. E este, de facto, substitui a pena aplicada pela pena de suspensão de exercício de funções, pelo período de seis meses (nos termos dos artigos 166º/1d e 170º/2 do EMP). Esta pena consiste no afastamento completo do serviço durante o período determinado e, de acordo com o artigo 175º/1 do EMP, implica a perda do tempo correspondente à sua duração para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação, entre outros efeitos.

Ainda descontente com a resposta deste ente administrativo, optou por recorrer à via judicial, considerando que a sanção disciplinar não era devida. Os seus argumentos prendiam-se, essencialmente, com a manifesta lesão provocada pela punição na sua vida privada: é que, sem aquele vencimento, ele não conseguiria pagar as obrigações da vida quotidiana, sendo que algumas delas se relacionam com a sua própria subsistência, com mínimos de dignidade. Também invoca que o Estado já perdera interesse na punição, por ter vindo, ao longo do tempo, a substituir penas mais “pesadas” por penas mais “leves”.

Uma vez que esta cadeira é de direito subjectivo, quase exclusivamente, o mais importante aqui é discutir qual o meio processual mais adequado para defesa dos interesses de A, sem prejuízo de, no tratamento dessa questão, se revelar necessário fazer algumas considerações relativas à questão do mérito.

Sendo certo que ele poderia sempre intentar uma acção administrativa especial, de impugnação do acto administrativo (e, eventualmente, cumular com pedidos de restituição de vencimentos perdidos e, até, de indemnização por outros danos que se verificassem), cumpre aqui, principalmente, averiguar da possibilidade de instauração de uma providência cautelar.

Ora, um dos requisitos das providências cautelares é, intrinsecamente, a urgência na resolução/regulação, ainda que provisória, do litígio. E, neste caso, penso que é evidente a urgência, já que o acto implica a imediata obrigatoriedade de afastamento ao “trabalho”, com a consequente perda da retribuição, que é essencial à sobrevivência do cidadão. Como é intuitivo, o senhor A não poderia ficar à espera, muito provavelmente, durante anos, até que o juiz decidisse o litígio a título definitivo. A questão que se coloca agora é saber qual a providência apropriada.

No meu entender, há que utilizar a suspensão de eficácia do acto administrativo, prevista no artigo 112º/2a do CPTA. Vejam-se as razões para tal. Um acto administrativo produz determinados efeitos, a partir do momento em que é eficaz, naturalmente. Como se sabe, esses efeitos podem ser estritamente jurídicos ou, pelo contrário, vocacionados especialmente para alterações no plano material/fáctico. Estes últimos são aqueles que precisam de uma actividade material que os concretize, que se designa comummente por execução (CLÁUDIO MONTEIRO). No caso em apreço, do que se trata é de um acto que não necessita, por natureza, de actos de execução, podendo considerar-se um acto inexequível. Assim, depois do que se acabou de dizer, parece que não fará sentido aplicar o instituto da suspensão de execução, pois, na verdade, essa execução não é necessária. Contudo, e na esteira de MARIA FERNANDA MAÇÃS, entre outros autores, nada impede a suspensão daqueles actos que produzem imediatamente os seus efeitos, independentemente de qualquer conduta por parte dos destinatários ou de uma actividade executiva da Administração, ou seja, de actos de eficácia instantânea, desde que as suas consequências prática e económicas causadoras de prejuízos para os direitos ou interesses dos recorrentes se prolonguem para além da sua execução material. O que se defende, na verdade, é que a suspensão seja possível desde que, na prática, uma vez que o acto continue a projectar os seus efeitos, resulte utilidade relevante para os interesses do requerente. Daqui resulta, na minha perspectiva, a possibilidade de aplicação deste instituto, já que, embora a sanção seja de eficácia plena imediata, os efeitos permanentes continuariam. A suspensão resultaria na paralisação temporária desses efeitos jurídicos: manutenção no serviço e a contrapartida da retribuição. Afinal de contas, sublinhe-se, o instituto não se designa por “suspensão da execução”, mas por suspensão da EFICÁCIA.

Uma vez admitida a suspensão, haveria que recorrer aos requisitos do artigo 120º/1b do CPTA (trata-se de uma providência de cariz conservatório). Penso que, e não querendo alongar-me muito, se encontram preenchidos. Em relação ao número 2 do artigo 120º, evidentemente que conduzirá à recusa da suspensão, já que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, resulta claramente que os danos para a Administração (neste caso, MP), para o interesse público, decorrentes da providência, são manifestamente inferiores àqueles que serão provocados ao senhor A. É que, note-se, aqui o interesse público “reduz-se” praticamente à ratio da finalidade punitiva/retributiva (uma espécie de “castigo pelo pecado”), enquanto os interesses particulares se fundam na mais compreensível das razões: a dignidade da pessoa humana. Pelo que, sem querer votar ao desprezo a dimensão retributiva inerente às sanções, e também necessária para a obtenção de uma certa disciplina, seria também muito difícil sustentar um grave prejuízo para o interesse público, nos termos do artigo 128º/1 do CPTA.

Por último, não posso deixar de partilhar um problema, talvez um pouco camuflado, que me suscitou a resolução da hipótese. Neste caso, decretada a providência cautelar, o Procurador poderia manter-se em funções e receberia o seu salário. Passados, por exemplo, três anos, vinha-se a decidir pela bondade da aplicação da sanção em questão. O que sucederia? Decerto que o particular não teria de restituir os vencimentos, pois foram a contrapartida do seu trabalho (aqui parece ser possível aplicar os artigos 120º/b e 115º/1 do Código do Trabalho – este último analogicamente). Mas faria sentido que ele “cumprisse” a pena a partir do momento da decisão? É que aí seria única e exclusivamente a teleologia retributiva a sustentar a pena, só que com a agravante da falta de imediatez no cumprimento efectivo da sanção disciplinar. Isto até seria muito mais chocante se o Procurador tivesse desempenhado, exemplarmente, as suas funções até ao dia da sentença definitiva. Estes argumentos parecem apontar para uma resposta negativa. Porém, não posso deixar de pensar na perspectiva da Administração: a ser assim, então a providência cautelar teria, na verdade, o efeito perverso de, por um lado, dar razão à Administração, mas, por outro, permitir que o particular vencesse a causa em termos materiais. Pelo exposto, sou levada a concluir que, para que a tutela cautelar possa também trazer algum efeito “útil” para a Administração, o particular seria obrigado a cumprir a sanção na altura da sentença. Ou, por considerar excessivo o cumprimento da pena passado todo aquele tempo que medeia entre a aplicação da sanção e a decisão final, o juiz poderia optar por alterar a pena, mas não reduzi-la a ZERO.

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