domingo, 23 de maio de 2010

Regulamentos Administrativos

São as normas jurídicas emanadas por uma autoridade administrativa no exercício do poder administrativo.
Esta noção compreende três elementos essenciais, material, orgânico e formal.
Do ponto de vista material, o regulamento administrativo consiste em normas jurídicas. Mas não é um mero preceito administrativo; trata-se de uma verdadeira regra de direito que pode ser imposta mediante coacção e cuja violação leva, em geral, à aplicação de sanções de natureza penal, administrativa ou disciplinar. Confrontando-se lei e regulamento, à lei caberia a formulação dos princípios, ao regulamento a disciplina dos pormenores.
Do ponto de vista orgânico, o regulamento emana de uma autoridade administrativa, isto é, de um órgão da Administração Pública.
Como elemento funcional, cumpre referir que o regulamento é criado no exercício do poder administrativo.
Assim, a verdadeira distinção entre lei e regulamento só se poderia fazer atendendo ao critério orgânico e ao critério funcional, atendendo à diferente posição hierárquica dos órgãos de onde emanam e, consequentemente, do diferente valor formal. Ao regulamento falta ainda a caracteristica da novidade, típica da lei.
A actividade regulamentar é uma actividade subordinada e condicionada face à actividade legislativa, essa livre, primária e independente.
Enquanto norma secundária que é, o regulamento administrativo encontra na lei o seu fundamento e parâmetro de validade.
Por maioria de razão, é óbvio que o regulamento administrativo deve estrita obediência à Constituição, enquanto lei fundamental do Estado.
Contrariando uma lei, o regulamento padece do vício d ilegalidade; e se entrar em relação directa com a Constituição, violando-a em qualquer dos seus preceitos, padecerá de inconstitucionalidade. A lei só pode ser impugnada contenciosamente junto do Tribunal Constitucional e com fundamento em inconstitucionalidade; o regulamento ilegal é impugnável junto dos Tribunais Administrativos e com fundamento em ilegalidade propriamente dita. Excepcionalmente, o regulamento poderá ser impugnado como norma inconstitucional perante o Tribunal Constitucional.
No que respeita à distinção entre Regulamento e Acto Administrativo há que referir que, ambos são comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão da Administração no exercício de um poder público de autoridade, no entanto, o regulamento, como norma jurídica que é, é uma regra geral e abstracta, ao passo que o acto administrativo, como acto jurídico é uma decisão individual e concreta.
Relativamente à matéria da impugnação contenciosa, para além de os regulamentos ilegais poderem como tal ser declarados fora dos Tribunais Administrativos, ao contrário do que sucede com o acto administrativo, os termos da impugnação contenciosa de regulamentos e de actos administrativos são diferentes.

Espécies de Regulamentos ( de acordo com quatro critérios)

Dependência dos regulamentos administrativos face à lei: tendo que distinguir duas espécies principais:
a) Os regulamentos complementares ou de execução, são aqueles que desenvolvem ou aprofundam a lei. Com freqência operam como condição de exequibilidade das normas legais que regulamentam. Podem ser espontâneos, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização, todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. E podem ser devidos, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo (são tipicamente, regulamentos “secundum legem”).
• E os regulamentos independentes ou autónomos, são elaborados no exercício da competência de órgãos administrativos, para assegurar a realização das suas atribuições específicas, sem desenvolver nenhuma lei em especial. São expressão de autonomia com que a lei quis distinguir certas entidades públicas, confiando na sua capacidade de autodeterminação e no melhor conhecimento de que normalmente desfrutam acerca das realidades com que têm de lidar.
b) Quanto ao objecto, há a referir fundamentalmente os regulamentos de organização, são aqueles que procedem à distribuição das funções pelos vários departamentos e unidades do serviço público, bem como à repartição de tarefas pelos diversos agentes que aí trabalham; os regulamentos de funcionamento, tantas vezes misturados num mesmo diploma com os anteriores, são aqueles que disciplina a vida quotidiana dos serviços públicos. Os regulamentos que procedem em particular à fixação das regras de expediente denominam-se regulamentos processuais; e os regulamentos de polícia, são aqueles que impõe limitações à liberdade individual com vista a evitar a produção de danos sociais.
c) Quanto ao âmbito de aplicação, podem ser gerais, aqueles que se destinam a vigorar em todo o território ou, pelo menos em todo o território continental; regulamentos locais são aqueles que têm o seu domínio de aplicação limitado a uma dada circunscrição territorial; finalmente os regulamentos institucionais, os que emanam dos institutos públicos e associações públicas, para terem aplicação apenas às pessoas que se encontrem sob a sua jurisdição.
d) Quanto à projecção da sua eficácia, dividem-se em regulamentos internos, são os que produzem os seus efeitos jurídicos unicamente no interior da esfera jurídica da pessoa colectiva pública cujos órgãos os elaborem; e são regulamentos externos, aqueles que produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos de direitos diferentes, isto é, em relação a outras pessoas colectivas públicas ou em relação a particulares.

Limites do Poder Regulamentar
São limitesdo poder regulamentar:
a) Os Princípios Gerais de Direito;
b) A Constituição;
c) Princípios Gerais do Direito Administrativo;
d) A lei;
e) Reserva de competência legislativa da Assembleia da República (arts. 164º e 165º CRP) nas matérias que integram esta o Governo somente pode aprovar regulamentos de execução;
f) Disciplina jurídica constante dos regulamentos editados por órgãos que hierarquicamente se situem num plano superior ao do órgão que editou o regulamento considerado (art. 241º CRP);
g) Não podem ter eficácia retroactiva. A esta limitação podem escapar os regulamentos aos quais a lei haja concedido à Administração a faculdade de dispor retroactivamente.
h) O poder regulamentar está sujeito a limites de competência e de forma. Sendo a lei que determina a competência dos órgãos, é evidente que sofrerá de incompetência um regulamento editado por um órgão que não disponha de poderes para tal.


Modo de produção dos Regulamentos

Os arts. 114º a 119º do CPA, introduziram no nosso ordenamento jurídico-administrativo normas relativas à elaboração de regulamentos. No essencial, tais normas estabelecem:
a) Faculdade de iniciativa procedimental dos interessados na regulamentação de certa matéria, exercitável mediante pedido fundamentado dirigido ao órgão competente (arts. 115º e 116º CPA);
b) O direito de participação procedimental dos interessados na elaboração dos projectos de regulamento (art. 117º CPA);
c) A apreciação pública dos projectos de regulamento (art. 118º CPA).

Competência e Forma
a) Regulamentos do Governo:
- Decreto regulamentar, forma obrigatória dos regulamentos independentes, art. 112º/6 CRP;
- Resolução do Conselho de Ministros, estas resoluções podem ter ou não natureza regulamentar;
- Portaria, não tendo também, necessariamente, natureza regulamentar, as portarias, quando a possuem são regulamentos da autoria de um ou mais Ministros, em nome do Governo;
- Despacho normativo, regulamento editado por um ou mais Ministros em nome próprio;
- Despacho simples, deveria sempre constituir a forma de um acto administrativo, contudo, por vezes estes despachos apresentam natureza regulamentar.
b) Regiões Autónomas:
- Se se trata de regulamentar uma lei da República (art. 112º/4 CRP), a competência pertence à Assembleia Legislativa Regional e a forma é a de decreto regional (arts. 232º/1 e 27º/1-d segunda parte, CRP);
- Se a regulamentação tem por objecto um decreto legislativo regional, a competência pertence ao Governo Regional, sob a forma de decreto regulamentar regional.
c) Autarquias Locais (art. 241º CRP):
- Assembleia de Freguesia, pode aprovar regulamentos sob proposta da junta de freguesia (arts. 15º/1-q, e 27º/1-s LAL);
- Junta de Freguesia, tem competência para aprovar regulamentos de funcionamento (art. 27º/1-p LAL)
- Assembleia Municipal, pode aprovar regulamentos, sob proposta da Câmara Municipal (arts. 39º/2-a, e 51º/3-a), d), e), h) LAL).
- Câmara Municipal, tem competência para aprovar, designadamente em matéria de águas públicas sob jurisdição municipal, de trânsito e estacionamento na via publica e ainda de deambulação de animais nocivos (art. 51º/3-a), d), e), h) LAL).
d) Governadores Civis:
Dispõem de competência para editar regulamentos de polícia [art. 4º/3-c, DL n.º 252/92 de 19 de Novembro].
e) Institutos Públicos e Associações Públicas:
Podem dispor de competência regulamentar, nos termos das respectivas leis orgânicas e estatutos.

Vigência dos Regulamentos

Os regulamentos publicados no “Diário da República” entram em vigor nos termos das leis e podem cessar a sua vigência por caducidade, pela revogação (art. 119º/1 CPA) ou ainda pela anulação contenciosa ou pela declaração da sua ilegalidade.
1. Caducidade: são casos de em que o regulamento caduca, isto é, cessa automaticamente a sua vigência, por ocorrerem determinados factos que ope legis produzem esse efeitos jurídico. Os principais casos de caducidade são:
a) Se o regulamento for feito para vigorar durante certo período, decorrido esse período o regulamento caduca;
b) O regulamento caduca se forem transferidas as atribuições de pessoa colectiva para outra autoridade administrativa, ou se cessar a competência regulamentar do órgão que fez o regulamento;
c) O regulamento caduca se for revogada a lei que ele veio executar, caso esta não seja substituída por outra.
2. Revogação: o regulamento também deixa de vigorar noutro tipo de casos, em que um acto voluntário dos poderes públicos impõe a cessação dos efeitos do regulamento. São eles:
a) Revogação, expressa ou tácita, operada por outro regulamento, de grau hierárquico e forma idênticos;
b) Revogação, expressa ou tácita, por regulamento de autoridade hierarquicamente superior de autoridade ou de forma legal mais solene;
c) Revogação, expressa ou tácita, por lei.
3. Anulação contenciosa: os regulamentos deixam de vigorar, total ou parcialmente, sempre que um Tribunal competente declare, no todo ou em parte.


A IMPUGNAÇÃO DOS REGULAMENTOS ILEGAIS


O Problema da Impugnação Contenciosa dos Regulamentos Ilegais
A Administração elabora constantemente numerosos regulamentos. Alguns deles feridos de ilegailidade, porque violam a lei que visam executar ou que define a competência para a sua emissão.
Há basicamente três sistemas conhecidos:
a) O primeiro é o sistema da não impuganibilidade dos regulamentos: Foi o sistema que vigorou durante muito tempo, quando não existia ainda o Estado de Direito: se o poder executivo decretava regulamentos ilegais, os particulares não podiam fazer outra coisa senão cumpri-los.
b) O segundo sistema é o da impugnação directa: segundo o qual os regulamentos ilegais são directamente impugnáveis perante o contencioso administrativo, tal como se de actos administrativos se tratasse. É um sistema que é positivo do ponto de vista do Estado de Direito, mas que tem o inconveniente de levar a uma grande sobrecarga de trabalho no Tribunais Administrativos, podendo causar grave embaraço à eficiência da acção administrativa.
c) Concebeu-se um terceiro sistema: neste, não se admite o recurso directo do regulamento para o Tribunal Administrativo: os regulamentos ilegais não são impugnáveis directamente perante o Tribunal. Mas, quando chegar o momento de um regulamento ilegal ser aplicado a um caso concreto por intermédio de um acto administrativo, então permite-se ao particular prejudicado com essa aplicação recorrer do acto administrativo que aplicou o regulamento, invocando como fundamento desses recurso a ilegalidade do regulamento. Neste Tribunal, se considerar que o regulamento é ilegal, não anula o regulamento, apenas não o aplica; e anula o acto administrativo, na medida em que aplicou um regulamento ilegal.
Solução Actual no Direito Português
A lei começa por fazer uma distinção entre regulamentos exequíveis por si mesmo, e regulamentos só exequíveis através de um acto concreto de aplicação (acto administrativo ou acto jurisdicional).
Quanto aos regulamentos exequíveis por si mesmos, ou seja, quanto àqueles regulamentos que podem ofender os direitos ou os interesses dos particulares só pelo simples facto de entrarem em vigor, permite-se a impugnação directa.
Quanto aos outros, aqueles que só ofendem os particulares quando aplicados por acto concreto, consagra-se o sistema da não aplicação, mas acrescentando um elemento muito importante: se qualquer Tribunal, em três casos concretos, considerar ilegal um regulamento, a partir daí o regulamento pode ser impugnado directamente junto do Tribunal Administrativo.
O sistema actual assenta numa dupla distinção:
- Entre regulamentos directamente exequíveis e regulamentos não directamente exequíveis, por um lado;
- Entre dois meios processuais, o recurso dos regulamentos e a declaração de ilegalidade de normas regulamentares, por outro.
Com base nesta distinção, o legislador regulou duas formas de impugnação de regulamentos: o recurso e o pedido de declaração de ilegalidade.

Pressupostos Processuais
Somente os Tribunais Administrativos de Círculo têm competência (art. 51º/1-e ETAF). Mas a declaração de ilegalidade tanto pode ser feita pelos Tribunais Administrativos de Círculo (art. 51º/1-e ETAF), como pelo Tribunal Central Administrativo (art. 40º-c ETAF).
Para haver recorribilidade do regulamento, também aqui são exigíveis, mutatis mutandis, os requisitos que se viu sobre a recorribilidade dos actos administrativos: para se impugnar contenciosamente um regulamento é necessário que ele seja proveniente de um acto externo, definitivo e executório.
Qualquer particular pode impugnar regulamentos quando “seja prejudicado pela aplicação da norma ou venha a sê-lo, previsivelmente, em momento próximo” (arts. 63º e 66º/1 LPTA). Não existe aqui, pois, o requisito do interesse directo ou actual: o interesse pode ser reportado a uma lesão futura, desde que previsível e próxima.
O Ministério Público também pode impugnar qualquer regulamento ilegal (art. 63º LPTA). Quando tenha conhecimento de três decisões de quaisquer Tribunais, transitado em julgado, que recusem a aplicação de um norma regulamentar com fundamento na sua ilegalidade, o Ministério Público impugnará obrigatoriamente esse regulamento junto do Tribunal competente (art. 66º/1 LPTA).
A impugnação de regulamentos ilegais pode ser feita “a todo o tempo”, ou seja, independentemente do prazo (art. 63º LPTA).
Não se pense, todavia, que isto equivale a considerar todo o regulamento ilegal como ferido de nulidade. Embora possa haver regulamentos nulos, a regra geral é a da anulabilidade, embora com um regime jurídico diferente do da anulabilidade dos actos administrativos.
O pedido de declaração da ilegalidade de normas regulamentares não directamente exequíveis está ainda sujeito a um pressuposto processual específico: a prévia ocorrência de três decisões judiciais de não aplicação concreta de norma regulamentar (art. 40º-c e 51º/1-e ETAF).

Marcha do Processo
A LPTA organizou dois tipos de processos para a impugnação de regulamentos:
a) Os recursos
b) Os pedidos de declaração de ilegalidade.
Os recursos estão regulados nos arts. 63º a 65º LPTA, e os pedidos de declaração de ilegalidade nos arts. 66º a 68º LPTA.
Os recursos seguem os termos dos recursos dos actos administrativos de órgãos da administração local (art. 64º/1 LPTA); e os pedidos de declaração de ilegalidade de normas regulamentares não directamente exequíveis, seguem a mesma tramitação que seria aplicável a mesma tramitação dos recursos (art. 24º-a 64º/1 68º LPTA); de normas regulamentares não directamente exequíveis – a forma de tramitação que seria aplicável se estivesse em causa o recurso de um acto administrativo praticado pelo autor da norma regulamentar (arts. 24º e 67º LPTA).
Especialidades do art. 64º LPTA:
- Eventual dispensa da citação do autor da norma;
- Publicidade;
- Apensação dos processos relativos à mesma norma.

Efeitos da Decisão de Provimento
Se o regulamento ilegal for objecto de um recurso e este obtiver decisão de provimento, o regulamento é anulado ou declarado nulo ou inexistente, conforme o tipo de invalidade que o afectasse. Mas em caso de anulação, esta não tem efeitos retroactivos: ao contrário do que sucede com a anulação contenciosa dos actos administrativos, a anulação de um regulamento ilegal só produz os seus efeitos para o futuro, respeitando (sem os destruir) os efeitos produzidos no passado.
Se o regulamento for objecto de um pedido de declaração de ilegalidade, a decisão de provimento declara, com força obrigatória geral, a ilegalidade da norma, mas também não tem, por via de regra, eficácia retroactiva (art. 11º/1 ETAF), a menos que o Tribunal, por razões de equidade ou de interesse público de excepcional relevo, resolva, em decisão “especificamente fundamentada”, conferir eficácia retroactiva à sentença (art. 11º/3 ETAF).
Impugnação de Regulamentos da Competência do Tribunal Constitucional
Em regra, os regulamentos administrativos ilegais são impugnados perante os Tribunais Administrativos. Todavia, há três casos especiais em que a impugnação da legalidade de regulamentos administrativos é feita perante o Tribunal Constitucional. Como resulta do art. 281º CRP, tais casos são os seguintes:
a) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região ou de lei geral da República (n.º 1-c);
b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto (n.º 1-d).
c) O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos (n.º 3).


Dora Félix
15871
sub.10

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