sábado, 22 de maio de 2010

Processos urgentes: Contencioso pré-contratual

Introdução e enquadramento legal:

O direito à tutela judicial efectiva em matéria jurídico-administrativa exige que ao lado da tutela cautelar tenha sido instituída um outro mecanismo que permite uma resolução célere e definitiva de determinados litígios. Enquanto as providências cautelares são acessórias de um processo principal, que terá que ser proposto ao mesmo tempo ou num determinado prazo após a sua instauração, sob pena de caducidade da providência cautelar (artigo 123º do CPTA); os processos urgentes enquanto processos principais que são acabam por resolver logo e de modo definitivo a questão de fundo, só que de modo mais célere e flexível do que relativamente aos meios de acção não urgentes.
O CPTA vem prever, no Título IV, quatro formas de processos especiais, sendo eles; contencioso eleitoral, contencioso pré-contratual, intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Estamos perante situações que pela natureza que revestem exigem uma tutela jurídico-administrativa célere, urgente, sob pena de perderem o fim útil de tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Nesta sede irei tratar apenas do processo de contencioso pré-contratual. Trata-se de um processo, que apesar de urgente, obedece a uma estrutura de processo de impugnação.
Nas palavras de Vieira de Andrade a previsão de este processo de impugnação autónomo e urgente resulta de uma necessidade de garantia de duas ordens de interesses, públicos e privados. Assim, primeiro o legislador tenta promover neste domínio a transparência e a concorrência dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas. Em segundo lugar, o legislador pretende garantir a estabilidade dos contratos da Administração depois de celebrados, dando protecção adequada aos interesses públicos substanciais em causa e aos interesses dos contratantes. Desta forma é possível ultrapassar as tradicionais dificuldades na determinação do alcance dos conceitos de “acto administrativo impugnável” ou de “norma” nos meios impugnatórios normais. Ao mesmo tempo garante-se uma resolução imediata das questões de legalidade procedimental dos contratos, antes da respectiva celebração, evitando impugnações posteriores com fundamento em ilegalidades no processo pré-contratual.

A que actos administrativos se aplica este processo urgente?

Este processo diz respeito a actos pré-contratuais ou seja aos actos administrativos praticados durante os procedimentos de formação dos contratos, de direito público ou de direito privado, que são celebrados pela Administração Pública. No entanto não podem seguir esta tramitação actos relativos à formação de quaisquer contratos, mas apenas, como resulta da letra da lei, contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e fornecimento de bens (artigo 100º nº1 CPTA). Apenas os processos de impugnação dos actos administrativos de formação destes tipos específicos de contratos são subtraídos à aplicação do regime geral dos processos impugnatórios, para serem submetidos a um prazo mais curto de impugnação e a um modelo de tramitação mais célere.
Mário Aroso de Almeida entende que nos aspectos em que o regime do artigo 100º a 103º do CPTA (contencioso pré-contratual enquanto processo urgente) se lhes sobrepõe, estes processos ficam efectivamente subtraídos à aplicação do regime geral da impugnação de actos administrativos. O autor entende que a remissão contida no artigo 100º nº1 parte final sugere, que os actos de indeferimento não são impugnáveis ao abrigo da tramitação urgente, sendo que o processo urgente aqui em causa só cobre situações de reacção contra actos administrativos de conteúdo positivo (quanto às omissões da Administração deverá lançar-se mão de uma acção especial, não urgente, de condenação à prática de acto devido.
O facto de serem estes actos pré-contratuais e não quaisquer outros tem justificação ao abrigo de Directivas Comunitárias que exigem expressamente aos Estados Membros a criação de condições para uma rápida resolução de litígios que possam surgir a propósito dos procedimentos de formação destes específicos contratos. Ainda por exigência destas directivas, o CPTA vem no seu artigo 100º nº2 estender o âmbito de aplicação deste específico processo urgente a actos que estão na base de um procedimento pré-contratual como o programa, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos acima referidos e por via do artigo 100º nº3 aos actos jurídicos praticados por sujeitos privados no âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público.
Contra esta solução legislativa encontra-se Vieira de Andrade, que parece entender que este processo deveria ser aplicável a qualquer contrato, e não apenas a estes quatro tipos específicos de contratos: “ Não se percebe, porém, porque é que esse meio só vale para os contratos abrangidos ou abranger pelas directivas comunitárias, como se não fosse uma boa solução para a generalidade dos contratos”.[1]

A questão do prazo para intentar acção pelo Ministério Público:

O artigo 101º CTPA vem estabelecer o prazo para intentar o processo de contencioso pré-contratual; um mês a contar da notificação dos interessados ou não havendo lugar a notificação, da data de conhecimento do acto por este. Este prazo prende-se com o carácter urgente que o processo assume e representa uma alteração em quinze dias quanto ao que resultava do anterior Decreto-Lei nº134/98, prazo esse que era considerado excessivamente curto para permitir da parte do interessado uma reacção ao acto pré-contratual ilegal e lesivo dos seus direitos e interesses legítimos.
O CPTA não vem nesta sede estabelecer um prazo específico, e mais longo (como sucede no processo não urgente de impugnação de actos administrativos – artigo 58º nº2 al.a)). Parece claro, face à remissão operada pelo artigo 100ºnº1 parte final para o processo especial de impugnação de actos administrativos) que o regime especial do contencioso pré-contratual é aplicável a todas as situações de impugnação dos actos mencionados no preceito, independentemente do concreto título de legitimação em que a propositura da acção se baseie. Assim deve entender-se que o Ministério Público está também sujeito ao prazo de um mês do artigo 101º até pela natureza urgente que este processo assume.
Mário Aroso de Almeida não considera no entanto que o prazo previsto no artigo 101º se deva aplicar aos actos nulos (mas apenas aos anuláveis), dado que o artigo 134º do CPA se limita a reconhecer que estes não produzem quaisquer efeitos jurídicos, podendo a respectiva nulidade ser declarada a todo o tempo e por qualquer tribunal. Assim, não teria sentido sujeitar uma acção de declaração de nulidade de um acto praticado no procedimento pré-contratual ao apertado prazo do artigo 101º do CPTA.

A tramitação processual – um modelo especial:

A doutrina tem entendido que uma vez que nos encontramos perante um processo de impugnação urgente, o modelo de tramitação a seguir é o previsto para a acção especial de impugnação de actos administrativos (artigo 78º e seguintes do CPTA) com as especialidades constantes do artigo 102º do CPTA. Este artigo vem por um lado limitar a possibilidade de apresentação de alegações, aos casos em que seja requerida ou produzida prova com a contestação, e por outro reduz os prazos a observar para a contestação e alegações, para a decisão do juiz ou relator, ou para outros actos a observar ao longo do processo, em relação aos prazos gerais. Estas especialidades justificam-se pela exigência de um processo célere, que dê uma resposta definitiva na resolução da questão de ilegalidade do acto praticado no processo de formação de determinados contratos pela Administração que não se coaduna com os prazos gerais que se tornam pesados e tendem a arrastar o processo ao longo do tempo.
O legislador vem no entanto, de modo aparentemente surpreendente, permitir que o autor amplie o objecto do processo ao próprio contrato, na hipótese de este vir a ser celebrado na pendência do processo; aplicando-se neste domínio o regime do artigo 63º CPTA. Parecem estar aqui em causa razões de economia processual.
Importa referir por último que o legislador vem prever no artigo 103º do CPTA uma audiência pública realizada pelo tribunal oficiosamente, ou a requerimento de uma das partes. Esta audiência pública destina-se a discutir a matéria de facto e de direito, sendo produzidas a as alegações finais das partes de modo oral, visando uma imediata decisão por parte do tribunal acerca da questão de fundo. Aqui mais uma vez são razões de celeridade e urgência do processo que presidem a esta inovação legislativa.
Bibliografia:
- Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos
- José Vieira de Andrade, A justiça Administrativa (Lições)




[1] - Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, p.264.

Sem comentários:

Enviar um comentário