domingo, 23 de maio de 2010

Contencioso pré-contratual urgente

Trata-se antes de mais, de um processo especial urgente de impugnação! A designação serve para qualificar os actos administrativos praticados durante os procedimentos de formação de contratos, de direito público ou de direito privado, que são celebrados pela Administração Pública. Mas, mais importante que descortinar a sua qualificação, cumpre analisar e clarificar algumas das dúvidas e dificuldades que o regime levanta.
A este propósito, o CPTA parece ter instituído um regime dualista de contencioso administrativo pré-contratual, ao remeter a sua impugnação para um de dois regimes:
1. Como regra, para a acção administrativa especial,
2. Quanto a situações especificadas, para o regime do processo urgente de contencioso pré-contratual.
Ora de acordo com a articulação entre o disposto nos arts. 46º, nº3 e, 100º, nº1 do CPTA, o regime da tramitação especial urgente, só vale para a “impugnação de actos relativos à formação dos contratos aí especificamente previstos”, e não para a impugnação de todo e qualquer acto pré-contratual. Como menciona o art. 100º, nº1, trata-se pois, de estabelecer um regime específico para a impugnação contenciosa dos actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação de certos e determinados tipos de contrato, nomeadamente, os contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens.
Ainda no contexto de caracterização do processo urgente de contencioso pré-contratual, cumpre referir o facto de a urgência estar “pressuposta sempre e, por isso, em abstracto”, em todos os casos em que há lugar à aplicação do regime. São duas as características distintas do contencioso pré-contratual: a) prazo mais curto de impugnação dos actos pré-contratuais; b) tramitação acelerada. Destas características, não resulta a situação em que pode encontrar-se um interesse concreto do autor (neste âmbito, a urgência significaria “rapidez processual”).Isto é, o facto de se tratar de um processo urgente, não visa reforçar garantias dos particulares, nem acautelar um “periculum in mora” em que, eventualmente, se encontre a pretensão do autor. Mas, na verdade como refere, e bem, o Dr, Pedro Gonçalves, se pensarmos na hipótese de evitar a celebração de um contrato, nestes casos, existe efectivamente um “periculum in mora”, mas o mesmo não é prevenido por um processo principal, ainda que com uma tramitação mais rápida. A tutela da sua pretensão, reclama sim, um sistema de providências cautelares que permitem, para além de mantê-lo no procedimento, impedir a celebração do contrato. Assim, ainda que autonomamente, o CPTA consagrou o art.132º relativo a providências cautelares relativas a procedimentos de formação de contratos.
Posto isto, o procedimento pré-contratual urgente, visa a satisfação do interesse público (na perspectiva da estabilização rápida dos procedimentos pré-contratuais), e o interesse no início da execução dos contratos públicos. Na mesma linha, esta razão, reside na circunstância de os contratos em causa, se encontrarem abrangido pelo âmbito de aplicação de duas Directivas Comunitárias (Directivas dos Conselho nº89/655/CEE, de 21 de Dezembro, e nº 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro), que entre outras coisas, exigem que os Estados-membros da EU criem condições para a rápida resolução dos litígios que possam surgir a propósito dos procedimentos de formação daqueles contratos.

Relativamente ao âmbito do processo, e como há pouco referido, nos termos do art. 100, nº1, do CPTA, o processo aplica-se à impugnação de actos relativos à formação de contratos aí referidos. Neste domínio, o CPTA introduziu algumas modificações, mas manteve uma solução minimalista, estruturando o processo fundamentalmente para situações em que se pressupõe existir um imperativo decorrente do direito comunitário da contratação pública, fazendo por isso, sentido que ele passe a abranger o contencioso pré-contratual de todos e quaisquer contratos precedidos dos procedimentos pré-contratuais de direito público.

Quanto ao objecto do processo, o legislador deixou de fora alguns aspectos, que deveriam estar contemplados, nomeadamente a questão de saber se o processo urgente de contencioso pré-contratual, acolhe ou não as pretensões dirigidas à condenação à prática de actos administrativos. Pelo que se afigura útil a reformulação dos arts. 100º e ss, no sentido de contemplar expressamente os pedidos de condenação à prática de actos administrativos pré-contratuais.
Mais, afigura-se que, o regime especial dos arts. 100º a 103º só cobre as situações de reacção contra actos administrativos de conteúdo positivo, pelo que, na eventualidade de o particular se encontrar perante eventuais actos de conteúdo negativo, será, pois de lançar mão, nos termos gerais, de uma acção de condenação à prática do acto devido, segundo o disposto nos arts 66º e ss.
Assim, por esta ordem de ideias, com a reformulação acima proposta, e como refere o Dr. Pedro Gonçalves, alcançar-se-ia uma solução “coerente, global e integrada, para a litigância relativa ao procedimento pré-contratual, o qual oferece actos positivos, actos negativos e situações de inércia administrativa”. O prazo para deduzir o pedido de condenação deverá, em todos os casos, ser igual ao prazo de impugnação, iniciando-se a sua contagem com o decurso do prazo legal para decidir, ou com a notificação do acto de indeferimento.

Outra questão que merece ser clarificada, prende-se com a possibilidade de cumulação de pedidos no âmbito dos processos do contencioso pré-contratual. Neste sentido, poderia ficar claro que o processo acolhe pedidos cumulados de anulação de actos administrativos e de condenação à substituição do acto anulado por um outro.

Quanto aos prazos de propositura, o art. 101º do CPTA, coloca algumas dúvidas. O Dr. Pedro Gonçalves, esquematiza-as do seguinte modo:

1. Prazo de impugnação de actos nulos: mais uma vez, se afiguraria útil, o legislador esclarecer se um mês é também o prazo de caducidade para reagir contra actos pré-contratuais nulos ou se esse regime só vale para actos anuláveis. Não parece, contudo, que o prazo de um mês deva ser aplicado à impugnação de actos nulos, por ser da natureza desses actos, que o art. 134º do CPTA se limita a reconhecer, que eles não produzem quaisquer efeitos jurídicos, pelo que a respectiva nulidade pode ser sempre declarada a todo o tempo e por qualquer tribunal.

2. Articulação entre impugnação administrativa facultativa e impugnação contenciosa: nos termos do art 59º, nº4, a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo. Nesta sede, o STA, decidiu em recurso de revista, em consonância com o art 100º, que o disposto naquela norma se aplica ao processo urgente de contencioso pré-contratual. Efectivamente é de ponderar a inclusão do art.54º, nº4 na remissão do art 100º, de modo a “arrumar” definitivamente a questão.

3. Impugnação pelo Ministério Público: cumpre referir, antes de mais, que o CPTA não estabelece um prazo específico. Contudo, parece claro, face à remissão contida no art. 100º, nº1, que o regime especial do contencioso pré-contratual é aplicável a todas as situações de impugnação dos actos mencionados no referido art., independentemente do concreto título de legitimação em que a propositura se baseie. Afigura-se, por isso, que o MP também está sujeito ao prazo de um mês do art 101º. Mas, como adianta, o Dr Pedro Gonçalves, haveria vantagem, num processo de revisão do CPTA, em esclarecer no art 101º, que, no caso do MP, o prazo de impugnação se conta a partir da prática dos actos (ou da sua publicação, quando obrigatória).
Importa ainda aludir para o facto do art 100º estender o âmbito de aplicação do regime a actos jurídicos que não são actos administrativos pré-contratuais, mas que o CPTA equipara, para este efeito, a esses actos. É o que sucede com o caderno de encargos e os demais documentos conformadores do procedimento de formação do contrato.
Finalmente no que toca à sua impugnação, ela decorre de uma exigência comunitária. Nesta linha, o CPTA conferiu legitimidade aos interessados, ou seja, a todos os participantes no procedimento pré-contratual, sem exigir o preenchimento dos requisitos do art. 73º, nº 1 e nº 2, alargando e aperfeiçoando consequentemente, a possibilidade de reacção dos particulares.

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