sábado, 22 de maio de 2010

O Decretamento Provisório de Providências Cautelares

Enquadramento geral sobre processo cautelar:

O Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos vem regular os processos cautelares nos artigos 112º e seguintes. O artigo 112º do CPTA vem estabelecer uma cláusula aberta de pretensões que podem constituir providências cautelares ao prever que quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos possa solicitar a adopção das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir em processo principal. O CPTA consagra o princípio de que todo o tipo de pretensões podem ser objecto de um processo principal; pretensões dirigidas ao reconhecimento de situações jurídicas subjectivas, à condenação da Administração à adopção ou abstenção de comportamentos, ao pagamento de indemnizações, entre outras. Assim podem ser obtidas providências cautelares de diverso tipo, consoante as pretensões que podem ser deduzidas em processo principal, o que vem a ser legislativamente confirmado pela formulação da cláusula do nº2 que deve ser entendida como elenco meramente exemplificativo.
As providências cautelares podem ser conservatórias, reportando-se a situações em que o interessado pretende manter ou conservar um direito em perigo, evitando que ele seja prejudicado por medidas que a Administração venha a adoptar ou antecipatórias, relativas a situações em que o interessado pretende obter uma prestação da Administração, a adopção de medidas por parte desta, que podem envolver ou não a prática de actos administrativos, de modo a serem minoradas as consequências do retardamento da decisão sobre o mérito da causa. Tanto as providencias conservatórias como as antecipatórias podem ser reguladas de modo provisório como é o caso, respectivamente, de uma ordem para deslocar determinados bens de um local para o outro, de modo a assegurar a sua conservação ou a permissão provisória da utilização de um bem.
As providências cautelares tanto podem ser requeridas antes, como simultaneamente ou mesmo após a propositura da acção principal nos termos do artigo 114 nº1 do CPTA. A legitimidade para requerer a adopção de providências cautelares não pertence apenas aos particulares que recorram aos tribunais administrativos em defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, mas também ao Ministério Público (em defesa do interesse público) e a quem quer que actue no exercício da acção popular, desde que possam ver reconhecida a possibilidade de verem acautelada a utilidade do processo principal que intentam, o que decorre do artigo 111 nº1.
As providências cautelares têm como pressuposto, de acordo com o artigo 120º CPTA, a existência de um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumada ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar ou pretende ver reconhecidos no processo principal ( periculum in mora). As providências cautelares caracterizam-se por serem instrumentais em relação ao processo principal, o que se demonstra pela circunstância de um processo cautelar preliminar caducar se o requerente não fizer uso, em determinado prazo, do meio principal adequado (artigo 123º CPTA). O processo cautelar caracteriza-se pelo seu carácter provisório, podendo o tribunal revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal a sua decisão ou adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares, se tiver ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias inicialmente relevantes (artigo 124º nº3) e não estando o tribunal vinculado à mesma decisão cautelar na resolução definitiva da questão.

Em especial, o decretamento provisório da providência:

O decretamento provisório da providência encontra-se previsto e regulado pelo artigo 131º do CPTA, visando situações em que a providência cautelar intentada pelo interessado se destina a tutelar direitos, liberdades e garantias, que de outro modo não podem ser exercidos em tempo útil ou quando se verifique a existência de uma especial urgência no decretamento da providência cautelar.
Da articulação entre os nºs 3 e 6 do artigo 131º do CPTA resulta que o legislador concebeu o processo de decretamento provisório como um processo complexo, que é constituído por duas fases: uma primeira fase constante do nº3 em que o tribunal, num prazo curto de 48horas, e sem contraditório, decreta a providência provisória e uma segunda fase regulada pelo nº 6, destinada a assegurar o contraditório, mas sem haver lugar à produção de prova, em que o juiz tem a possibilidade de rever a sua anterior decisão. Tendo como pressuposto que o decretamento provisório se destina a vigorar durante a pendência do processo cautelar e havendo entretanto o processo cautelar, no âmbito do qual se decidirá em que termos deverá ficar a situação regulada durante a pendência do processo principal; o nº 6 apenas dá possibilidade às partes para se pronunciarem, não sendo conferido nenhum prazo para a produção de prova, e tendo o juiz que decidir de imediato ao ouvir as partes.
O nº 1 do artigo estabelece como situações em que pode ser requerido o decretamento provisório, aquela em que se verifique “ especial urgência”; devendo este conceito ser concretizado como situações em que exista a possibilidade de consumação de lesão iminente e irreversível de interesses legítimos, para além das situações de lesão iminente e irreversível de direitos, liberdades e garantias, expressamente previstos no preceito. A ocorrência tem que estar eminente de modo a que a efectividade da tutela não se compadeça com o normal andamento do processo cautelar e exija a adopção de uma providência destinada a vigorar já durante a própria pendência do processo cautelar. Mário Aroso de Almeida fala aqui num “ periculum in mora qualificado” na medida em que este não se reporta apenas à morosidade do processo principal, mas também à morosidade do próprio processo cautelar.
Importa distinguir este processo dos processos urgentes; reportados a situações em que a concessão de uma providência cautelar faz com que o processo principal se torne inútil, sendo necessário obter, com urgência, uma decisão definitiva sobre o mérito da questão colocada no processo principal, como é o caso por exemplo do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias como reacção à recusa de autorização para realização de uma manifestação em data muito próxima. Estamos aqui perante situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, sendo suficiente o decretamento de uma providência cautelar com a maior urgência, imediatamente após o momento em que seja solicitada. Mário Aroso de Almeida apresenta a este propósito como exemplo a situação de recusa do visto de permanência de uma pessoa em território nacional: se o tribunal emitir, com a maior urgência e mesmo que a título provisório, uma providência cautelar que permita à pessoa permanecer em território nacional até ao processo principal vir a ser julgado; não se justificando aqui um processo urgente.
Na decisão de decretamento provisório o juiz tem que atender aos critérios de decisão enunciados no artigo 120º CPTA, ao que não se opõe a circunstância de no âmbito deste processo, não dispor de todos os elementos tendentes à decisão. O juiz só deve contudo negar o decretamento provisório quando seja evidente que o requerente não tem razão quanto à questão de fundo, a dirimir no processo principal.
Bibliografia:
Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos

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