sábado, 22 de maio de 2010

A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, contemplada no art. 109º/1CPTA, configura uma acção administrativa principal com carácter urgente por natureza, pressupondo que não seja “possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar”. Uma vez que a lei processual administrativa consagra a possibilidade de decretação provisória de uma providência cautelar, em matéria de direitos, liberdades e garantias, no prazo de apenas 48horas (art. 131ºCPTA), só será possível recorrer àquele meio processual quando este seja impossível ou insuficiente. O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias segue o modelo de tramitação urgente traçado, nomeadamente, no art. 36º/2 CPTA e no art. 147ºCPTA. E isto significa que os prazos relativos a este processo correm, designadamente, durante as férias judiciais e que, quando os prazos terminem em dia em que o tribunal esteja encerrado, a sua conclusão se transfere para o 1º dia útil seguinte, nos termos da lei processual civil, ex vi art. 1ºCPTA. Em termos muito simples, cumpre notar que a lei processual administrativa determina que a tutela jurisdicional de direitos, liberdades e garantias se deve realizar prioritariamente através do modelo de tramitação ordinária (quer através da forma geral da acção administrativa especial, quer através da acção administrativa comum, conforme esteja em causa uma pretensão não urgente relativa à prática ou omissão de acto ou relativa à prática ou omissão ilegal de norma. O carácter residual da acção administrativa urgente de intimação para a defesa de direitos fundamentais justifica-se pelos princípios do processo justo. O processo que segue a forma de acção administrativa de intimação para protecção de direitos fundamentais tem carácter residual, ou seja, só haverá lugar à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias quando não seja possível ao requerente provar de imediato a potencial lesão daqueles (impossibilidade) ou quando este pretenda uma antecipação integral dos efeitos produzidos pela decisão de fundo (insuficiência). Assim, os particulares só podem recorrer à acção administrativa urgente de intimação para protecção de direitos fundamentais quando excepcionalmente se justifique o seu emprego. Quando não se encontrarem preenchidos os requisitos que permitem o prosseguimento do processo como acção principal urgente, a única alternativa é proceder à convolação oficiosa do processo urgente em processo cautelar, decretando-se provisoriamente a providência cautelar adequada ( a este propósito, cfr. Carla Amado Gomes - “Pretexto, Contexto e Texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias; Mário Aroso de Almeida em “o novo regime do processo nos tribunais administrativos”). Deixe-se de ilusões quem pensa que é tarefa fácil determinar quais são as pretensões urgentes especiais que devem seguir a forma de acção administrativa urgente de intimação para protecção de direitos fundamentais e quais são aquelas que devem seguir a forma do processo cautelar, designadamente a forma consagrada no art. 131ºCPTA. E a dificuldade reside justamente no seu carácter residual, como já disse previamente, pois atendendo à letra da lei, a intimação só “pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito (…) se revelar indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar”. Devemos questionar-nos sobre o que deve entender-se por impossibilidade ou insuficiência da providência cautelar? Na esteira da Profª Carla Amado Gomes, que se refere de forma ampla aos dois pressupostos, “ sempre que o exercício do direito possa ser repetido, por não se encontrar sujeito a qualquer prazo, deverá preferir-se a tutela cautelar à tutela urgente. Já nas situações em que o exercício do direito esteja temporalmente condicionado, deverá prevalecer a tutela urgente”. Em sentido contrário, a Profª Isabel Celeste Fonseca considera que o recurso à tutela cautelar será impossível ou insuficiente sempre que o juiz cautelar seja forçado a intrometer-se na questão controvertida alvo do processo principal. Ao fazê-lo, o juiz cautelar estaria a atentar contra o carácter provisório das providências cautelares administrativas, esgotando o objecto da acção administrativa principal. Não pondo em causa, de modo algum, as posições sustentadas pelas senhoras professoras, parece-me que as autoras se reportam exclusivamente ao requisito da insuficiência da tutela cautelar, não o distinguindo do requisito da impossibilidade. É notória a dificuldade que existe em distinguir as situações de impossibilidade das situações de mera insuficiência da tutela cautelar. A insuficiência da tutela cautelar para assegurar o exercício em tempo útil de direitos, liberdades e garantias afere-se pela inaptidão da providência cautelar para antecipar integralmente os efeitos da acção principal, em virtude da sua natureza instrumental. Imagine-se um exemplo meramente académico: um cidadão, cujos únicos bens foram expropriados sem direito a indemnização, necessita da totalidade do montante indemnizatório para suportar o custo de uma intervenção cirúrgica de um familiar próximo cuja vida depende da rapidez dessa mesma intervenção. Quid iuris? Neste caso, gozando de um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (arts.17º; 62º/2CRP), o cidadão expropriado não encontrará tutela bastante no instituo cautelar. O juiz cautelar só pode decretar uma providência antecipatória que assegure um mínimo de subsistência ao requerente, mas já não poderá antecipar, integralmente os efeitos da sentença final, condenando a Administração a entregar ao referente a totalidade do montante indemnizatório. Os tribunais administrativos têm vindo a pronunciar-se sobre a tutela de direitos fundamentais em sede de acção administrativa urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Pense-se, a este propósito, no caso da ameaça de demolição de moradias da Arrábida (vide. Acórdão STA, de 18/11/2004- processo nº 978/04). No douto Acórdão, as requerentes tendo tido conhecimento pela canal televisivo da RTP que o Ministro do Ambiente tinha manifestado a intenção de proceder à iminente demolição de quatro moradias, sitas no Parque Natural da Serra da Arrábida, entre as quais aquelas de que eram proprietárias, requereram, nos termos do art. 109º e ss CPTA, a intimação judicial para protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o PM e o Ministro do Ambiente, no sentido de estes se absterem de praticar qualquer acto que pusesse em causa os princípios, nomeadamente qualquer acto administrativo que possibilitasse as anunciadas demolições, sem a existência dos respectivos títulos executivos. O Supremo, no Acórdão sub judice, fez questão de frisar que, através desta “via preferente e sumária”, o juiz administrativo veio ganhar “um poder de injunção” que lhe permite “adoptar todas as medidas necessárias a salvaguardar o exercício em tempo útil dos direitos, liberdades e garantias, impondo à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa. Assim, o Supremo entendeu que os pressupostos de admissibilidade do pedido de intimação são dois: a) necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia; b) que não seja possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no art. 131ºCPTA. Embora se vislumbre, no presente Acórdão, um reduzido conteúdo de fundamentação, consegue perceber-se que, nas circunstâncias do caso, “bastaria às requerentes solicitar o decretamento provisório de uma providência cautelar, quiçá da suspensão de eficácia do acto administrativo que viesse a determinar as referidas demolições”, tendo o tribunal superior entendido que, in casu, não se verificava o pressuposto a que alude o art. 109º/1, parte final CPTA, pois a tutela cautelar seria suficiente para atingir os fins prosseguidos pelos requerentes, a saber: evitar a concretização das demolições de acto administrativo. A doutrina tem vindo a afirmar que a intimação poderá servir tanto os clássicos direitos fundamentais, como outros menos clássicos. Enquanto o STA considerou, no aresto sub judice, que “as requerentes não referenciaram minimamente um direito, liberdade ou garantia pessoal que fosse merecedor da tutela, uma vez que a petição não permitia reconhecer uma qualquer situação jurídica individualizada susceptível de se integrar no conceito de direito, liberdade ou garantia pessoal”, inúmera Jurisprudência tem-se pronunciado em sentido contrário (cfr. Acórdão de 13/01/05- processo nº 203/04. 9BEMDL, em que o TCA- N considerou que a intimação abrange na sua previsão não apenas os direitos, liberdades e garantias pessoais, como estabelece o art. 20º/5CRP, mas também direitos, liberdades e garantias do Título II da parte I da CRP, incluindo os de natureza análoga (art. 17ºCRP); Acórdão de 01/09/2004 – processo nº 252/04 do TCA- S ; Acórdão de 30/09/04- processo nº 270/04 do TCA- S. Parece-me que faz sentido o entendimento que tem vindo a ser seguido por esta parte da Jurisprudência, caso contrário, poderá existir arbítrio na escolha dos direitos a tratar prioritariamente e poderá existir um redução da operatividade de um processo, que já é bem diminuída devido ao seu carácter residual.
Em suma, a consagração dos mecanismos de urgência foi das maiores mudanças que o novo contencioso registou, mercê da interpretação que o TEDH tem vindo a fazer do art. 6º/1 CEDH. Não querendo ser demasiado ambiciosa, seria expectável que todo este sistema fosse aplicado de uma forma justa, equilibrada, contribuindo para uma nova visão quer da justiça, quer da própria Administração.
Ariana Cardoso, nº 15666, subturma 10

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