terça-feira, 11 de maio de 2010

Tarefa 1: Origem e evolução do contencioso administrativo francês: os seus traumas e a superação

O contencioso administrativo teve origem no contexto histórico e político da Revolução Francesa, tendo sido criado como privilégio de foro da Administração destinado a garantir a defesa dos poderes públicos e sem qualquer preocupação com defesa dos interesses dos particulares. O princípio da separação de poderes levou a que se considerasse que a actuação da Administração não podia ser controlada pelo poder judicial e levou a uma confusão entre as funções de administrar e de julgar dado que se atribuiu aos órgãos da Administração a tarefa de se julgarem a si próprios. O Professor Vasco Pereira da Silva entende que este foi o primeiro grande trauma da difícil infância do contencioso administrativo, a fase do “pecado original”. Este nascimento difícil ficou marcado pelo caso da criança Agnés Blanco, relativamente ao qual o Tribunal judicial e o órgão de controlo da Administração, Conselho de Estado, se declararam incompetentes, acabando o caso por ser resolvido por via de um “direito especial” que conferia privilégio à Administração nas relações com os particulares. A Justiça encontrava-se estreita e perversamente ligada à Administração. A existência de uma verdadeira jurisdição administrativa foi durante muito tempo considerada como impensável e contrária à ideia de Estado pelo que quando ela surge vai ser considerada apenas como instância de controlo do sistema de formação da vontade do Estado, e não como um verdadeiro tribunal para fazer valer direitos subjectivos dos indivíduos contra o Estado. Uma tentativa de defender a Administração, traduzida na proibição do seu controlo pelas autoridades judiciárias, vai estar na base da criação de órgãos administrativos como o Conselho de Estado, no seguimento das instituições do Antigo Regime, mas adaptada aos novos tempos. O Conselho de Estado instituído pelo liberalismo era o imediato descendente do Conselho do Rei do autoritarismo e as pessoas que desempenhavam funções jurisdicionais no regime liberal francês eram os juízes formados sob o Antigo Regime para quem “julgar a administração é ainda administrar”. Este sistema vai sofrer num segundo momento uma evolução no sentido de uma maior autonomia da Justiça face à Administração. Num período de “justiça reservada”, que decorreu entre os anos de 1799 e 1872, o Conselho de Estado desempenhava funções consultivas e ainda a resolução de alguns litígios administrativos, mediante pareceres sujeitos a homologação do Chefe de Estado que ditou o surgimento de um órgão “meio administrativo, meio judiciário”. Num segundo período, denominado pelos autores de “justiça delegada”, a partir de 1872, as decisões do Conselho de Estado tornaram-se definitivas, justificadas por uma delegação de poderes do executivo, neste órgão. No entanto nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva se a passagem de um sistema de justiça reservada para a justiça delegada representou uma alteração importante do contencioso administrativo, implicando uma maior autonomia para o Conselho de Estado enquanto órgão de controlo, tal não significou uma mudança de paradigma. O contencioso administrativo francês continuava atormentado por um modelo de administrador- juiz, por uma independência da justiça administrativa face à administração e ao poder executivo que levava a um privilégio injustificado desta perante a insuficiente tutela dos interesses dos particulares. Numa segunda fase, que correspondeu à instauração do modelo de estado social, assistimos a uma verdadeira jurisdicionalização do contencioso administrativo, a chamada “fase do baptismo” na qual o contencioso viu-se livre dos seus traumas de nascimento e mesmo da fase anterior ao seu nascimento. A Justiça administrativa vai progressivamente libertar-se da ligação à Administração e torna-se uma jurisdição autónoma. O direito administrativo vai deixando se ser o direito dos privilégios especiais da Administração para se tornar num direito regulado das relações jurídicas administrativas, configuradas entre a Administração na sua actuação com os particulares, em nome da tutela dos interesses destes face à autoridade administrativa. Os órgãos administrativos especiais, como o Conselho de Estado, criados para “proteger a administração” nas suas decisões face aos particulares “intocáveis” transformaram-se em verdadeiros tribunais que consagravam uma crescente autonomia da Justiça face à Administração. O Estado Social veio introduzir um novo papel a desempenhar pelos poderes públicos na vida da sociedade, surgindo novas tarefas públicas nos domínios económicos e sociais nomeadamente com o nascimento de novos ramos do direito como o direito do urbanismo e o direito do ambiente. A Administração deixa de ser considerada essencialmente agressiva para passar a ser uma administração prestadora de bens e serviços aos particulares. Surge então um novo modelo de relações bilaterais estabelecidas entre a Administração e os particulares, de permanente colaboração. Os particulares são agora considerados sujeitos de direito tal como a Administração. O princípio da legalidade deixa de ter apenas uma dimensão negativa no sentido de limite à actuação da Administração e passa a ter também uma dimensão positiva sendo critério do exercício do poder discricionário da Administração. O poder discricionário deixa de ser entendido como uma excepção à lei, ao abrigo da qual a Administração actuava de modo arbitrário e sem qualquer controlo e passa a ser vista como um meio normal e adequado de realização do direito pela Administração Pública no desempenho da sua prossecução dos fins estaduais. Com o Estado Social a máquina administrativa cresceu e tornou-se cada vez mais complexa de forma a responder às necessidades que surgiam e às funções que era chamada a desempenhar. Uma administração unificada e hierarquizada do Estado Liberal deu lugar a uma Administração descentralizada e desconcentrada. Por outro lado, o acto administrativo perdeu a posição central que ocupava no exercício da actividade administrativa e passou a coexistir com outras formas de actuação como os regulamentos, os contratos, os planos e as operações materiais. Numa terceira fase, denominada pelo Professor Vasco Pereira da Silva por “fase de confirmação”, que é a fase em que o contencioso administrativo se encontra actualmente e que se seguiu à fase de jurisdicionalização, verifica-se uma reafirmação ou confirmação da natureza plenamente jurisdicionalizada do contencioso administrativo, na qual o juiz além de gozar de independência relativamente à Administração goza ainda de plenos poderes frente a esta destinando-se essencialmente a tutela integral e efectiva dos direitos dos particulares. A afirmação do contencioso administrativo verifica-se em dois planos, no plano constitucional dos diversos estados europeus e no plano europeu com a convergência crescente do contencioso administrativo dos diferentes países. Estes fenómenos de constitucionalização e europeização marcam uma ruptura com o passado traumático do contencioso administrativo francês, correspondendo à superação dos traumas do seu nascimento controverso e sua da infância difícil. O contencioso administrativo conhece uma expansão tal e caracteriza-se por uma invasão das relações sociais por regulamentações cada vez mais complexas que justifica uma maior tutela dos interesses dos particulares, tanto a nível de tutela principal, como cautelar e executiva. O contencioso administrativo parece ter ultrapassado os seus principais problemas mas impõe-se ainda uma maior abertura dos tribunais administrativos para as questões da actualidade em nome de uma maior tutela dos particulares frente a uma administração ainda em parte agressiva.

Célia Sobral subturma 10

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