terça-feira, 4 de maio de 2010

A acção administrativa comum

Tem longa tradição, no contencioso administrativo português, o chamado contencioso das acções, respeitante aos processos relativos à responsabilidade civil da Administração e litígios sobre contratos administrativos.
Este contencioso era tradicionalmente qualificado como contencioso por atribuição, na medida em que dizia respeito a questões que, por não envolverem a fiscalização de manifestações de autoridade da Administração, não integravam o núcleo duro da jurisdição administrativa, para o qual tinha sido concebido um meio processual próprio, o recurso contencioso. Assim, como a apreciação destas questões tinha sido cometida à competência dos tribunais administrativos, entendia-se que, em tese, ela também o poderia ter sido à competência dos tribunais comuns. E dada a sua falta de especificidade, a tramitação dos respectivos processos não seguia um modelo próprio do contencioso administrativo, mas o modelo do processo declarativo comum, regulado no CPC.
Hoje, já não faz sentido colocar a questão nestes termos. Litígios como aqueles que tradicionalmente integravam o chamado contencioso por atribuição já não podem deixar de ser qualificados como litígios emergentes de relações jurídico-administrativas, cuja apreciação a CRP formalmente comete aos tribunais administrativos. O CPTA continua, no entanto, a distinguir, dentro do âmbito da jurisdição administrativa, os litígios que, dizendo respeito à prática ou omissão de actos administrativos ou de normas, contendem com o exercício de poderes de autoridade por parte da Administração, daqueles que, pelo contrário, não têm essa característica. Os primeiros, ainda que não se possa propriamente dizer que constituem, sozinhos, o núcleo duro da jurisdição administrativa, a verdade é que têm implicações e colocam exigências que justificam uma atenção especial – e essa atenção concretiza-se na instituição de uma forma processual especifica do contencioso administrativo, a acção administrativa especial, destinada a regular a tramitação dos respectivos processos. Pelo contrário, os segundos não necessitam de uma tramitação especifica, e por isso o Código os faz corresponder à acção administrativa comum, que segue os termos do processo declarativo do CPC.
Definida como modelo de tramitação que correspondem todos os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que nem no código nem em legislação avulsa sejam objecto de regulação especial, a acção administrativa comum corresponde, assim, ao meio processual que, podendo culminar com sentenças condenatórias, de simples apreciação e constitutivas, recebe no seu âmbito todos os litígios jurídico-administrativos excluídos pela incidência típica dos restantes meios processuais.
Em bom rigor, dizer que, com o CPTA, determinado tipo de pretensões segue a forma da acção administrativa comum, mais não é, pois, do que dizer que a tramitação de tais pretensões segue a forma do processo declarativo do CPC. Embora nele não esgote o seu âmbito de intervenção, a acção administrativa comum cobre, assim, antes de mais, o clássico contencioso das acções em matéria de responsabilidade civil extracontratual e em matéria contratual, que, por conseguinte, passam a ser dois dos tipos de processos que seguem o modelo da acção administrativa comum, como tal enunciado nas alíneas f) e h) do n.º2 do artigo 37.º.
Por este motivo, uma parte das disposições particulares do Código, no domínio da acção administrativa comum, dizem respeito a estes processos, encontrando o seu lugar como regras especiais na disciplina legislativa duma acção administrativa comum regida em tudo o resto por força da remissão para o processo de declaração do CPC.
De entre essas disposições, merece destaque, pela sua importância, o artigo 40.º, que dando resposta a insistentes reivindicações nesse sentido, amplia largamente a legitimidade para fazer valer a invalidade, total ou parcial, dos contratos celebrados pela Administração Pública e para suscitar questões relativas à execução desses contratos, bem para além das partes na relação contratual.
Para além do clássico contencioso da acções de responsabilidade e sobre contratos, a acção administrativa comum é, de um modo geral, a forma que corresponde a todo e qualquer processo em que se pretenda a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável, nem devam ser objecto de um dos dois processos urgentes de intimação que o código prevê nos seus artigos 104.º e seguintes.
A acção administrativa comum cobre ainda acções não especificadas a que se referia o artigo 73.o da LPTA e que podem ser, designadamente, intentadas por entidades públicas contra outras entidades públicas ou contra particulares.
Recorde-se, a propósito, que o elenco exemplificativo das pretensões susceptíveis de serem accionadas pela via da acção administrativa comum que consta do artigo 37.º, n.º2, não tem o propósito nem o alcance de tipificar distintos meios processuais, separados entre si, em termos de obrigar os interessados, à maneira tradicional, a descobrirem a qual deles corresponde a sua pretensão, sob pena de incorrerem em erro, por inadequação do meio processual utilizado. Trata-se apenas de clarificar o sentido da fórmula genérica enunciada no n.º1, esclarecendo os interessados sobre alguns dos principais tipos de pretensões que, separada ou cumulativamente, podem fazer valer através da acção administrativa comum.

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