segunda-feira, 3 de maio de 2010

Acórdão do STA 0701/09

A questão central deste recurso é saber se a reclamação do acto homologatório de avaliação de desempenho prevista nos arts. 13º da Lei 19/2004 e 28º/1 do Decreto Regulamentar 19-A/2004 é, como se decidiu, uma reclamação facultativa e se , portanto, o despacho que sobre ela recaiu é judicialmente irrecorrível ou se, pelo contrário, a mesma é indispensável para se abrir a via contenciosa de impugnação daquela avaliação. Isto é, importa apurar a natureza da referida reclamação não só à luz do regime jurídico previsto nos citados normativos mas também do regime introduzido pelo CPTA para a generalidade das impugnações administrativas.
É sabido que no regime estabelecido na LPTA a definição do acto recorrível através do recurso às noções de definitividade e executoriedade foi, durante muito tempo,a adoptada pelo legislador português, que chegava mesmo a fazer uso dela na garantia de recurso contencioso constante do texto constitucional: A Constituição de 1976 quer, na sua versão originária (269º, nº2), quer na formulação introduzida pela revisão constitucional de 1982 (art. 268º, nº3), garantia aos interessados um direito de "recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios..."
tais conceitos de definitividade foram objectos de inúmeras críticas por parte de ROGÉRIO SOARES; SÉRVULO CORREIA, RUI MACHETE. Segundo, ROGÉRIO ALVES, ao garantir-se, seja na Constituição ou na lei, o direito de recurso contencioso "o que está em causa é assegurar a todo o lesado por um acto administrativo uma via contenciosa", pelo que se afigura "descabido estar a afirmar nos preceitos que abrem o recurso contencioso a sua restrição aos actos definitivos; tanto sentido teria aí fixar os prazos do recurso ou a legitimidade para recorrer".
Contudo, apesar da rejeição da noção de acto executório e definitivo na formulação de garantia constitucional do recurso contencioso, continuava-se a deixar de fora do recurso contencioso numerosas actuações administrativas de carácter lesivo, por não caberem nessa definição proposta, como os actos de execução e preparatórios. "Os actos de execução e preparatórios, juridicamenta não são actos jurídicos, mas factos jurídicos.", ROGÉRIO ALVES., concluindo que tais figuras não são passíveis de recurso contencioso". Segundo este autor admite a necessidade de recurso hierárquico necessário, prévio ao recurso contencioso de actos "não verticalmente definitivos", mesmo se considera que "o conceito de definitividade assume um recorte puramente adjectivo". Daí o afirmar-se que "os actos não definitivos, que ocasionam tanto como os outros uma lesão efectiva dos interesses dos particulares, estão abrangidos pela garantia contenciosa, muito embora o recurso tenha de ser precedido pelo recurso hierárquico, o que de algum modo é a negação ou limitação daquela" ROGÉRIO ALVES.
Segundo o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, refuta a definitividade e executoriedade como critérios de aferição dos actos recorríveis, acompanhada da noção de ampla de acto administrativo, defendendo uma noção ampla de acto administrativo e um alargamento ao domínio da recorribilidade. Para o Professor tanto os actos de execução como os preparatórios são actos administrativos e como tal, devem poder ser contenciosamente impugndos sempre que os seus efeitos sejam susceptíveis de afectar direitos de particulares. O critério da recorribilidade dos actos administrativos deve ser aferido em razão dos efeitos produzidos relativamente aos particulares, isto é, em função da eficácia externa e da lesão ou afectação de direitos dos particulares. A opção por um contencioso de tipo subjectivo é concretizada com o art. 268º/4 CRP que vem assegurar uma protecção plena e efectiva dos particulares perante a Administração, que é o da lesão dos direitos dos particulares, envolvidos com a Administração numa relação jurídica administrativa. O contencioso administrativo, tanto relativamente ao recurso de anulação (nº4 do art. 268º), como o das acções administrativas (nº5 do art. 268º), assume na nossa ordem jurídica uma natureza subjectiva, visando consagrar uma protecção efectiva ao particular perante a Administração Pública. São recorríveis "quaisquer actos administrativos" lesivos de "direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares" (art. 268º/4 CRP), o que significa um alargamento do universo dos actos administrativos susceptíveis de impugnação contenciosa, já não mais dependentes dos actos definitivos e executórios. É a necessidade de assegurar uma protecção plena e efectiva dos particulares perante a Administração. O critério de cariz subjectivo, que é o da lesão dos direitos dos particulares, é a razão da recorribilidade. Assegura-se assi, um direito fundamental de acesso à justiça administrativa, de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias.
Na base deste nosso comentário está a necessidade de compatibilização das normas do processo administrativo que, concretizando o direito fundamental de acesso à justiça administrativa, consagram a regra da impugnabilidade dos actos administrativos em razão da sua eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares, afastando expressamente toda e qualquer exigência de recurso hierárquico necessário (art. 51º, nº1, do Código).
Para o Professor, que sempre defendeu a inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário, sustentou a violação:
do princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art. 268º, nº4 CRP), pois a inadmissibilidade de recurso contencioso, quando não tenha existido previamente o recurso hierárquico necessário, equivale, para todos os efeitos, a uma verdadeira negação do direito fundamental de recurso contencioso, do princípio constitucional da separação entre Administração e a Justiça (114º, 205º e segs., 266º e seg. da CRP), por fazer precludir o direito de acesso ao tribunal em resultado da não utilização de uma garantia administrativa, do princípio constitucional da desconcentração administrativa art.267º, nº2, CRP que implica a imediata recorribilidade dos actos dos subalternos sempre que lesivos, do princípio da efectividade da tutela (art. 268º, nº4 CRP), em razão do efeito preclusivo da impugnabilidade da decisão administrativa, no caso de não ter havido interposição prévia de recurso hierárquico no prazo de trinta dias (168º, nº 2, CPA), reduzindo o prazo de impugnação de actos administrativos, o qual, por ser manifestamente curto, poderia equivaler à inutilização da possibilidade de exercício do direito e, como tal, susceptível de ser equiparada à lesão do próprio conteúdo essencial do direito. Para o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, o legislador veio afastar a necessidade de recurso hierárquico como condição de impugnação contenciosa dos actos administrativos, através das seguintes disposições: a consagração da impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo que seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja dotado de eficácia externa (51º, nº1, CPTA). Os actos dos subalternos, da mesma maneira como os actos dos superiores hierárquicos, são susceptíveis de preencher as referidas condições e, como tal, de ser autonomamente impugnados, pelo que, ao não haver no Código de Processo Administrativo qualquer indicação quanto à necessidade de prévia interposição de uma garantia adminisrativa para o uso dos meios contenciosos, ela deve ser considerada como afastada pela legislação contenciosa. O que valeria tanto para as disposições do CPA que regulam o recurso hierárquico necessário, como relativamente a qualquer lei avulsa que consagre a obrigatoriedade de recurso hierárquico ou outra garantia administrativa. O estabelecimento da regra s egundo a qual, mesmo nos casos em que o particular utilizou previamente uma garantia administrativa e beneficiou da consequente suspensão do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo (59º, nº5 ). O que significa o afastamento da do recurso hierárquico necessário, dado que é sempre possível ao particular aceder de imediato à via contenciosa.
Em posição oposta à defendida e citada está a do Professor VIEIRA DE ANDRADE que recusa a inconstitucionalidade das leis que impõem em determinados casos uma impugnação administrativa como pressuposto do recurso contencioso. Defende o Professor que o nº4 do art. 268º da CRP apenas visa conferir aos cidadãos o direito ao recurso contencioso contra qualquer acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e "esse direito não é obviamente negado pela necessidade de interposição prévia de recurso administrativo (não o é sequer em espécie, porque o acto do subalterno acaba por ser, ele próprio, impugnado na medida em que fica incorporado no acto do superior que mantenha a decisão". Sustenta que a necessidade de interposição de recurso hierárquico que se fundamenta em valores comunitários - a unidade da acção administrativa - art. 267º, nº2 e 202º, d9 CRP e a economia processual no contencioso administrativo. E ainda, que o recurso hierárquco não significa necessariamente uma "desvantagem para o particular, constituindo antes uma alternativa válida ao recurso contencioso imediato, assegurando diversos benefícios do ponto de vista da defesa dos direitos e interesses dos administrados", pois suspende a eficácia do acto recorrido, que é o maior dos benefícios que o particular pode ter num sistema de administração executiva, dispensa o patrocínio por a dvogado, é informal, rápido e barato, obriga à decisão de um órgão administrativo mais qualificado e permite também o controlo do mérito. Responde a alguns argumentos apresentaos pelo nosso Regente argumentando que o prazo geral de impugnação de 30 dias é suficiente dado que o recurso é fácil de interpor, não necessita de patrcínio por advogado e que basta a mera discordância r elativamente ao acto praticado. Quanto à ofensa que a exigência de recurso hierárquico necessário causaria ao princípio constitucional da desconcentração, não existe "pois onde a lei não tenha optado por competências exclusivas dos subalternos ou não abra a possibilidade de delegação."

Depois da exposição de argumentos de ambos os lados, parece-me que o legislador ao substituir o critério da definitividade pelo da lesividade, retirou "a perna", o alicerce à perpetuação do recurso hierárquico necessário na nossa ordem jurídica, bem como de outras garantias administrativas susceptíveis de ser consideradas como necessárias, estabelecendo, segundo a CRP, um regime jurídico que permite o imediato acesso à apreciação contenciosa de actos administrativos.

Ana Rita Martins, subturma 3

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