sábado, 1 de maio de 2010

Resolução de caso prático


CASO PRÁTICO

A 1 de Março de 2005, a Câmara Municipal da Amadora requereu um parecer vinculativo ao IGESPAR quanto à possibilidade de demolição da parte do histórico mercado da cidade, classificado como património de relevante interesse arquitectónico, para aí construir um monumento aos pioneiros da aviação civil. A 1 de Abril de 2005, o IGESPAR emite parecer favorável à demolição total do edifício, considerando ultrapassados os critérios que presidiram à sua classificação. A 1 de Maio, em reunião da Câmara Municipal, é aprovada a demolição do referido imóvel, sendo a deliberação aprovada com os votos favoráveis de 7 vereadores e do Presidente e com dois votos contra. 3 dos membros do executivo que votaram favoravelmente são sócios da empresa à qual foi adjudicada a obra de demolição e um deles é o vencedor do concurso de concepção do monumento a erigir no local.
No mesmo dia, o Sr. Meireles, residente na Amadora e vendedor de fruta tropical no dito mercado, onde é titular de licença de exploração concedida pela Câmara, ignorando por completo a deliberação do executivo, que não foi publicada, nem notificada aos comerciantes, é confrontado com a presença de técnicos de implosões ao serviço da autarquia, que pretendem tirar medidas ao local.
a) Imagine que era cliente de longa data do Sr. Meireles e que este lhe pedia para intentar a acção de impugnação do acto da Câmara Municipal.

b) Norberto, cidadão de 21 anos, eleitor recenseado em Lisboa, pretende impugnar a deliberação da Câmara. Pode fazê-lo? E se residir no concelho da Amadora?

c) Após uma vigília à porta de sua casa, o Presidente da Câmara Municipal fica convencido da necessidade de salvar o mercado. Pode impugnar a deliberação do executivo?

d) Caso tivesse tomado conhecimento do parecer do IGESPAR a 7 de Abril, o Sr. Meireles podia impugná-lo?

a) A questão que se coloca é saber se o particular, in casu, sr. Meireles, pode impugnar o acto de deliberação da CM da Amadora. Parece-me que estamos no âmbito do art. 54º/1, alínea a) CPTA, que prevê a possibilidade de impugnação de actos administrativos ineficazes, isto é, que ainda não estão a produzir efeitos jurídicos, desde que tenha sido desencadeada a sua execução. Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, o preceituado artigo “vem realçar a importância da lesão dos direitos dos particulares como “chave” do acesso ao juiz administrativo, num contencioso de natureza subjectivista, como é o nosso”. No caso prático tinha sido deliberada com parecer favorável, a demolição do imóvel sito na Amadora. Todavia, a deliberação em causa padecia dos seguintes vícios: a) falta de audiência dos interessados; b) falta de notificação e de publicação. Quanto a a), nos termos do art.100º/1CPA, “ os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser proferida a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”. Tal não se verificou no caso em apreço, tendo sido deliberada a demolição do imóvel pela CM da Amadora, sem prévia audiência dos interessados, designadamente dos comerciantes que trabalhavam no mercado da Amadora. O caso prático é explícito, ao referir que o Sr. Meireles (comerciante com licença de exploração concedida pela referida Câmara) ignorava por completo a deliberação. Do art. 103º/2, alínea a) CPTA a contrario, extrai-se a regra da audiência obrigatória, ou seja, sempre que a decisão da Administração Pública seja em sentido desfavorável aos interessados, esta audiência existe. Verifica-se, claramente, que a deliberação tomada pela CM era desfavorável para os comerciantes que utilizavam aquele espaço (mercado da Amadora) para exercerem a sua actividade profissional, ficando assim privados de tal exercício. A este propósito, vários autores têm-se pronunciado quanto ao vício a que fica sujeita esta falta de audiência. Segundo os Profs. Vasco Pereira da Silva e Sérvulo Correia, o direito de audiência dos interessados corresponde a um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, pelo que a sua não realização gera nulidade do acto, segundo o art. 133º/2, alínea d)CPA. Em sentido contrário, os Profs. Freitas do Amaral e Pedro Manchete entendem que, neste caso, há sempre um vício gerador da anulabilidade, nos termos gerais do art. 135ºCPA. Relativamente a b), falta de notificação, dispõe o art. 59º/1CPTA que para a contagem do início dos prazos para a impugnação judicial dos actos administrativos, devem estes ser notificados aos destinatários, ainda que o acto tenha sido publicado, mesmo que esta publicidade seja obrigatória. Retira-se, assim, do preceito legal que o relevante é a notificação, e como o particular não tinha sido notificado da deliberação, os prazos para efeitos deste art. 59º/1CPTA não começam a correr, enquanto não houve notificação. Como tal, o Sr. Meireles podia fazer-se valer do mecanismo previsto no art. 54º/2, alínea a)CPTA, isto é, impugnar de imediato o acto de deliberação da CM. Seguidamente, cumpre aferir a legitimidade processual. Em primeiro lugar, o Sr. Meireles tem legitimidade processual activa, nos termos do art. 55º/1, alínea a) CPTA: tem legitimidade para impugnar um acto administrativo “quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”. São, assim, pressupostos deste art.: a) interesse directo (aquele que não deve ser eventual, mas actual, imediato); b) interesse pessoal (aquele que por via da impugnação judicial do acto atacado, traz no caso de procedência da acção, uma vantagem concreta para o património, para a carreira ou para o exercício de direitos do autor da impugnação); c) lesão, pelo acto, de direitos ou interesses legalmente protegidos.
No caso sub judice, os requisitos estavam verificados, senão vejamos: quanto a a), o Sr. Meireles tinha um interesse imediato na anulação da deliberação ; quanto a b), o interesse pessoal deste particular funda-se na obtenção de provimento da acção por ele proposta, de impugnação do acto da CM, ou seja, a anulação da deliberação projectar-se-ia na sua esfera jurídica; c) a deliberação tomada pela CM com vista à demolição do mercado da Amadora estaria a pôr, nitidamente, em risco o exercício da actividade profissional que o Sr. Meireles exercia no referido mercado, lesando assim os seus direitos, designadamente o seu direito ao trabalho (art. 58º/1CRP).
O prof. Mário Aroso de Almeida em “ O novo regime do Processo nos Tribunais Administrativos, sublinha que só o carácter “pessoal” do interesse diz verdadeiramente respeito ao pressuposto processual da legitimidade e que o requisito do carácter “directo” do interesse não tem a ver com a legitimidade processual, mas com a questão de saber se o alegado titular do interesse tem efectiva necessidade de tutela judiciária, ou seja, tem a ver com o seu interesse processual ou interesse em agir. E acrescenta: o interesse é “pessoal” (legitimidade processual) e “directo” (interesse processual).
Relativamente à legitimidade processual passiva, dispõe o art. 10º/2CPTA: “ quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público (…)”.Neste caso, a CM da Amadora tinha legitimidade activa para efeitos deste art. Quanto à Empresa a quem foi adjudicada a obra de demolição, tinha igualmente legitimidade passiva, mas nos termos do art. 57º CPTA: “ são obrigatoriamente demandados os contra – interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar (…)”. É visível que esta Empresa sairia seriamente prejudicada com a impugnação da deliberação da CM, pois tenho justamente adjudicado a obra de demolição, a não exequibilidade da mesma teria como consequência a não obtenção de dinheiro.
b) Norberto tem legitimidade para impugnar a deliberação da CM, nos termos do art. 55º/1, alínea f) CPTA que remete para o art. 9º/2 CPTA. Estamos em sede de acção popular, prevista igualmente no art. 52º/3 CRP e na lei nº 83/95, de 31 de Agosto. O que suscita dúvidas é o facto de Norberto ser eleitor recenseado em Lisboa, permitindo trazer à colação o disposto no art. 55º/2 CPTA : “ a qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, é permitido impugnar as deliberações adoptadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado”. O prof. Vasco Pereira da Silva, a propósito desta temática, entende que não faz sentido separar a acção popular dita genérica (art. 55º/1, alínea f) CPTA, da acção popular de âmbito autárquico (art. 55º/2CPTA), já que esta última, designada de “acção popular correctiva” caducou em face da “acção popular genérica”. A acção popular para efeitos do art. 55º/1,alínea f) CPTA goza de requisitos de admissibilidade mais amplos e que absorvem os do art. 55º/2CPTA. Quid juris se Norberto residir no Concelho da Amadora? A resposta seria igualmente a mesma dada na pergunta anterior, e isto porque Norberto teria legitimidade activa, nos termos do art. 55º/1,alínea f) CPTA com remissão para o art. 9º/2CPTA. O art. 55º/2 CPTA é mais abrangente, pois basta ser-se recenseado no município. O prof. Sérvulo Correia enquadra ainda, neste art. 55º/2CPTA a impugnação de regulamentos, que são normas jurídicas, dimanadas de órgãos administrativos no desempenho da função administrativa. Este artigo é, assim, um traço de manifestação do municipalismo.
c) O Presidente da CM da Amadora tem legitimidade processual activa para impugnar a deliberação (art. 55º/11,alínea e) CPTA: tem legitimidade para impugnar um acto administrativo “Presidentes de órgãos colegiais, em relação a actos praticados pelo respectivo órgão (…)”. O art. 14º/4CPA confere igualmente legitimidade ao Presidente: “ ou quem o substituir, pode interpor recurso contencioso e pedir a suspensão jurisdicional da eficácia das deliberações tomadas pelo órgão colegial a que preside que considere ilegais”. É certo que , in casu, o Presidente da CM da Amadora tinha votado favoravelmente, mas sendo a finalidade do art. 55º/1,alínea e) CPTA justamente a tutela da legalidade objectiva, o Presidente podia impugnar a deliberação que votou favoravelmente.
d) A questão é simples: um parecer é ao não um acto administrativo e, em caso afirmativo, pode ser impugnável? O prof. Vasco Pereira da Silva, invocando a teoria da lesividade, diz que interessa apurar o acto lesivo. O parecer é potencialmente lesivo, sendo necessário demonstrar a ilegalidade e a lesividade. Na hipótese, não existem dados que permitam aferir da ilegalidade do parecer.
O impacto do parecer não é a demolição. Apenas se levanta a questão de necessidade do parecer que tem de ser favorável. Para alguns autores não seria um acto suficientemente lesivo por isso, só se poderia impugnar o acto final. O parecer favorável não determina que tenha mesmo de existir demolição. Por seu turno, o Prof. Vieira de Andrade entende que são impugnáveis os pareceres vinculativos. Embora tais actos não visem directamente produzir o efeito lesivo e, como tal, não beneficiem do âmbito de aplicação do art. 51ºCPTA, é legítimo aceitar a sua impugnabilidade em virtude de uma “defesa antecipada” dos interessados já que, em regra, irão causar lesões em direitos dos particulares. A sua impugnabilidade deve ou deveria decorrer expressa ou inequivocamente de uma lei.

Ariana Cardoso, nº15666, subturma 10

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