segunda-feira, 3 de maio de 2010

Significado actual dos modelos de contencioso administrativo

Em jeito de nostalgia (considerando que estamos já na recta final do semestre) para com a História do Direito Administrativo, e do Contencioso Administrativo em particular, fica a questão: continua a haver interesse, de um ponto de vista prático e não apenas académico, na dicotomia entre sistemas de Contencioso Administrativo de matriz francesa e de matriz britânica?

Olhando para a actualidade, o Contencioso Administrativo tem hoje a sua tónica na protecção efectiva dos direitos dos particulares, face à actuação da Administração, ou a falta dela quando devida. Para isso, muito contribui o entendimento, hoje largamente consensual, segundo o qual o Contencioso Administrativo se insere na função jurisdicional do Estado, bem como a consagração de plenos poderes face à Administração Pública. É a dupla dimensão do Contencioso Administrativo, de que fala o Professor Vasco Pereira da Silva.

São os resultados de um longo caminho percorrido, desde as concepções vigentes ao tempo da Revolução Francesa, em 1789, com as suas idiossincrasias, relacionadas com a herança do Antigo Regime e com a preocupação da manutenção de uma nova elite no poder.

Assim, nesse percurso, foram-se esbatendo as características de base de cada um dos sistemas tradicionais de Contencioso Administrativo, nas perspectivas substantiva, bem como processual.

No sistema inglês, onde se submetiam as questões relacionadas com a Administração aos tribunais comuns, dentro da lógica de Common Law e de supremacia do Parlamento, foram-se estabelecendo regras próprias de Direito Administrativo, que por acção do poder judicial vieram mesmo a integrar a Constituição material, seguindo o movimento de consagração constitucional do Contencioso Administrativo, que se verificava nos países continentais, desde o segundo Pós-Guerra.

Mais: o Reino Unido instituiu entidades administrativas especiais, os Administrative Tribunals, que emboram não consubstanciem uma jurisdição especial, uma vez que a Administração continua a necessitar dos tribunais comuns para executar as suas decisões, marcam um ponto de viragem bastante significativo. O que se pode demonstrar, igualmente, pelo facto de se ter sentido necessidade de dividir o High Court of Justice em três áreas especializadas: Chancery Division, Family Division e Queen's Bench Division, sendo que esta última diz respeito a litígios administrativos.

No que diz respeito aos sistemas de matriz francesa, é de referir o caso alemão, no âmbito do qual, em sede de meios processuais, se opta por um sistema próximo ao do Direito Processual Civil: fazer corresponder um meio processual a cada efeito pretendido. Dessa aproximação pode retirar-se que, cada vez mais, a Administração vai sendo julgada nos mesmos termos que os sujeitos particulares, apesar de haver uma jurisdição administrativa, como é característico do modelo francês. Mesmo em França, há progressivamente mais matérias relacionadas com a Administração que estão submetidas ao Direito Privado, nomeadamente no âmbito das relações contratuais.

Outro factor de esbatimento dos modelos históricos é, como se vem tornando claro, o recente fenómeno da europeização do Contencioso Administrativo. Por um lado, através de um esforço, encetado junto dos Estados-membros, de análise comparativa com vista à obtenção de conhecimentos sobre cada sistema de justiça administrativa nacional. Dessa forma, pretende-se uniformizar os regimes internos dos Estados, o que constitui um importante factor de coesão, nomeadamente porque permitirá maiores facilidades no estabelecimento de relações contratuais internacionais, com entes de Direito Público.

Por outro lado, estamos a assistir à criação de um verdadeiro Direito Administrativo Europeu, à medida que a União Europeia vai assumindo, cada vez mais, tarefas administrativas, legislando nessa matéria, e também em resultado do trabalho levado a cabo pela jurisprudência das instâncias europeias.

Em conclusão, é de considerar que as matrizes britânica e francesa revestem ainda importância, na superação das fragilidades do Contencioso Administrativo, devendo aproveitar-se, coerentemente, o que cada sistema oferece de melhor.

Nesse sentido, as duas experiências dogmáticas, mesmo que tendam irreversivelmente a indissociar-se entre si, constituem um excelente ponto de partida no novo desafio que é a afirmação da função administrativa ao nível da União, e de uma justiça administrativa comum.

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